PMs exigiam até R$ 20 mil e ameaçavam de prisão e morte, diz MPCE

Investigação do MPCE com apoio da Inteligência da Polícia Militar localizou ao menos 12 vítimas da "quadrilha" composta por agentes de segurança do Batalhão de Polícia de Meio Ambiente (BPMA), que atuava na Região Norte

Os nove policiais militares presos e afastados das funções no Batalhão da Polícia do Meio Ambiente (BPMA) de Sobral compõem uma "quadrilha", para o Ministério Público do Ceará (MPCE). Conforme documentos obtidos pelo Sistema Verdes Mares, o órgão acusatório apurou que o grupo criminoso que teria se constituído dentro da Polícia Militar do Ceará (PMCE) extorquia empresários em até R$ 20 mil e ameaçava os mesmos de apreender material, fechar estabelecimentos e ainda em prender ou matá-los.

Após quatro meses de apuração, o Núcleo de Investigação Criminal (Nuinc) do MPCE deflagrou a Operação Espanta Raposa, na última quinta-feira (28), para desarticular a suposta organização criminosa. O curto período foi suficiente para os promotores, com apoio do Coordenadoria de Inteligência Policial (CIP) da PMCE, elucidarem o 'modus operandi' do grupo e reunirem vários casos de abuso de autoridade praticados pelos militares na Região Norte do Estado.

Os PMs cometiam crimes de duas formas, segundo a investigação. Uma das técnicas utilizadas pela quadrilha era verificar os pedidos de regularização das atividades laborativas ou da compra de material junto à Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). Antes que o órgão fiscalizasse o empreendimento, a composição policial se dirigia ao local, fotografava possíveis irregularidades e extorquia os empresários - sob pena de serem presos.

Na outra forma, os militares abordavam caminhões com mercadorias pesadas, como madeiras, lenhas, carvão, areia e pedras, e ameaçavam os condutores de apreender os bens, com a aplicação de uma multa exorbitante, caso os mesmos não pagassem valores de R$ 2 mil a R$ 20 mil.

Os policiais costumavam tecer também ameaças de morte ou de fechar os empreendimentos; e requisitavam o número do telefone das vítimas para manter contato, agradecer pelo pagamento e pedir "contribuições" mensais para evitar uma nova fiscalização. O suposto grupo criminoso, conforme o MPCE, também agia dentro do Batalhão Ambiental, favorecendo alguns servidores públicos a não cumprirem com expedientes.

A investigação encontrou ao menos 12 vítimas do suposto esquema criminoso. As empresas que teriam sido extorquidas atuam na extração mineral de areia e barro; extração de madeira; produção e comércio de carvão; produção de camarão; produção de pães; pesca de lagosta; extração mineral de pedras; terraplanagens; e transporte de entulhos. E estão localizadas nos municípios de Chaval, Camocim, Granja, Martinópole, Itarema, Cruz e Senador Sá.

Denúncia

A Coordenação Regional 5 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, localizada na Parnaíba (PI), já havia denunciado ao comando do Batalhão da Polícia do Meio Ambiente as práticas de irregularidades, na Região Norte do Ceará, que estariam sendo cometidas pela Unidade de Sobral. Um ofício foi enviado ao órgão em setembro do ano passado.

"Infelizmente, alguns gestores de Unidades de Conservação vinculadas a esta Coordenação Regional em seus trabalhos junto às comunidades que residem no interior dessas áreas protegidas, vem recebendo denúncias sobre possíveis desvios de conduta de integrantes do destacamento desse digníssimo Batalhão, mais precisamente os que ficam lotados na cidade de Sobral", aponta o Instituto.

Presos

A Operação Espanta Raposa foi deflagrada para cumprir mandados de prisão preventiva e de afastamento das funções policiais, em Sobral e Tianguá, contra o tenente-coronel Paulo de Tasso Marques de Paiva (comandante do BPMA em Sobral); o major Francisco Marcelo Nantuã Beserra; os sargentos Raimundo Nonato Cruz; Jorge Luís de Sousa; Marcelo Cristiano de Melo; Reginaldo Bento de Araújo; Antônio Barbosa Filho e Décio Alves Fernandes; além do soldado Pablo Weslly Cavalcante de Sousa (filho do sargento Jorge Luís). Todos estão detidos, à disposição da Justiça.

Conforme a investigação do MPCE e da CIP, os militares de patente mais alta comandavam o esquema criminoso. O tenente-coronel Paulo de Tasso se utilizaria da posição para autorizar que as equipes policiais se deslocassem para a prática de ilícitos; já o major Francisco Marcelo seria o principal líder da quadrilha e se gabaria de proteção do alto escalão da PM. Os demais servidores públicos colocariam a extorsão em prática.

O advogado Oseas de Souza Filho, representante do major preso, afirmou que a defesa ainda está conhecendo a prova da Operação por inteiro, mas negou que o cliente tenha cometido crimes. "Pelo que eu conheço da pessoa dele, essa liderança de associação criminosa não existe. Na investigação, não existe elemento de prova que identifica essa versão", contesta. A defesa do tenente-coronel detido preferiu não se posicionar sobre o caso. Já os advogados dos demais policiais não foram localizados pela reportagem.

A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) informou, em nota, que a Delegacia de Assuntos Internos (DAI) apoiou a Operação. "Cabe destacar que a Controladoria, tendo em vista o caráter sigiloso da prova, aguarda compartilhamento das informações, a ser autorizado pelo Poder Judiciário, para, a partir daí, poder fazer a apuração na esfera administrativa", completou.

O MPCE, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e a Polícia Militar não se posicionaram sobre o caso. O sigilo do processo foi levantado na última sexta-feira (29), por decisão da Justiça.