O segundo julgamento da Chacina do Curió entrou, nesta terça-feira (5), na fase de debates orais entre acusação e defesa. A promotora de Justiça Alice Iracema Aragão, do Ministério Público do Ceará (MPCE), foi quem primeiro teve direito à fala. Em seu discurso direcionado ao júri, ela discordou da tese da defesa de que os oito policiais militares acusados de omissão de socorro às vítimas do massacre passaram nos locais das ocorrências sem ver corpos de mortos e feridos ou ouvir tiros.
"Não haveria Chacina do Curió se não fosse a omissão dos policiais militares de serviços", afirmou a promotora. Segundo ela, a acusação teve "muito cuidado em checar" a localização das viaturas no momento das ocorrências e dos chamados abertos na Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops). "Todos eles sabem o que é a Rua Elza Leite porque, no final dessa rua, tem o portão da Cavalaria da Polícia Militar", argumentou Aragão.
A promotora ainda ironizou as justificativas dadas pelos réus ao júri. "Todos os PMs estavam 'atarantados' nesse dia. Ninguém viu nem ouviu nada [...] Os tiros, iguais a fogos de artifício, 'truando' no Curió. E os policiais não acharam nada? Não viram ninguém?", provocou. E alegou: "nenhum policial militar que estava de serviço atirou em ninguém. Claro que eles não iam matar com a farda e a tarja, com o nome deles. Por isso que estavam chamando os PMs de folga". Por fim, ela pediu aos jurados a condenação dos réus e, aos juízes, o cumprimento imediato da pena.
O Ministério Público pediu a absolvição dos três policiais da composição da viatura RD1307 somente em relação ao crime de omissão de socorro de uma das vítimas sobreviventes. Isso porque, neste caso em específico, a viatura chegou a socorrer a vítima.
De acordo com a defensora pública geral Elizabeth Chagas, a Defensoria Pública do Ceará está presente ao julgamento na posição de assistência de acusação, para "dar voz" às vítimas e aos sobreviventes. "Para que os jurados possam ouvir as vozes dessas pessoas e sentir tudo o que elas passaram ou pelo menos parte", disse ela.
Áudios de pedidos de socorro
Na sessão, a promotora Alice Aragão mostrou ainda áudios de ligações de moradores do Curió para a Ciops, desesperados com a violência na região, na madrugada de 12 de novembro de 2015. "Ajuda aqui", pediu uma moradora. "Tá tendo tiro direto. Não sei quem é, mas acho que é Polícia", disse outra moradora.
'É a impunidade que gera o crime'
O segundo promotor de Justiça a falar na sessão foi Rafael Matos. Para o jurista, "é a impunidade que gera o crime".
"Eles [réus] pensavam que iam sair impunes. Porque estavam com a farda da Polícia, colete da Polícia. A resposta será agora. No mês retrasado, alguns atiradores foram condenados. E, agora, eu peço a condenação dos omitentes [pessoas que se omitiram de prestar socorro]", pediu o promotor.
Assistente de acusação, a defensora pública Gina Moura acrescentou que as mães das vítimas da chacina brigam, hoje, "pelo direito de morrer". "Não foi nem direito à vida. Foi o direito de morrer com dignidade, o que eles [filhos mortos] não tiveram. Essas mães desafiaram as relações de poder, o discurso oficial", sustentou.