Imediatamente após a absolvição dos oito policiais militares (PMs) réus no segundo julgamento da Chacina do Curió, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), responsável pela acusação, entrou com recurso para apelar contra a sentença. Segundo o órgão ministerial, a sociedade "não merece o comportamento" que os PMs tiveram na madrugada de 12 de novembro de 2015.
Os agentes julgados nessa segunda sessão foram o que estavam de serviço e circulando em viaturas pela região no momento dos assassinatos. O MPCE acusou eles de omissão. Apesar da defesa afirmar que uma das viaturas estava a quilômetros de distância do Curió, há vídeos que comprovam a localização.
"O MPCE está recorrendo à sentença por considerar que o julgamento contrariou as provas dos autos. O MP não se conforma com o julgamento desse segundo momento, e vai apresentar suas razões e seus argumentos jurídicos para tentar demonstrar ao TJCE que o julgamento deveria ter tido outro resultado", ressaltou o Procurador-geral de Justiça do Ceará, Manuel Pinheiro, em coletiva de imprensa após o fim do júri.
De acordo com a promotora de Justiça Alice Iracema, da equipe de acusação, a decisão dos jurados é respeitada, mas não é a que o público deveria receber.
Aqueles que foram submetidos a julgamento e aqueles que ainda vão ser submetidos a julgamento, o MP entende que tem prova suficiente para condenação. Não aceitamos impunidade e não colaboramos com o modelo de necropolítica. Se esse crime tivesse ocorrido no Meireles e na Aldeota, isso não tinha acontecido, porque eles não iam sair invadindo as casas e matando as pessoas. Ocorreu porque é um bairro de periferia, e nós não aceitamos isso
'Essa luta não é só sobre o Curió', diz mãe de vítima
O grupo Mães do Curió, composto por mulheres que perderam entes queridos na chacina, falou sobre o resultado do julgamento após a sentença. Elas pontuaram que não vão desistir de buscar justiça. A Defensoria Pública do Estado do Ceará também prometeu seguir com o apoio já dado desde a noite dos crimes.
A gente se sente injustiçada. Mas isso também não abala nossa vontade que essa justiça aconteça. Estamos mais firmes e queremos mais, pois essa luta não é só sobre as vítimas do curió. Essa luta é pelas vítimas em geral no dia a dia de nossas periferias. A gente não vai fraquejar [...] já temos quase 8 anos de luta, e não eh aqui que vamos parar. Estamos iniciando, tivemos o primeiro degrau no primeiro júri. Esse segundo foi um tropeço, mas não desanimamos, nós vamos prosseguir", desabafou a mãe Silvia Helena
Edna Carla Souza Cavalcante, mãe da vítima Alef, assinalou que “nós não somos justiceiras, somos mães que querem Justiça”: "As lágrimas dos meus olhos só vão sair quando eu estiver comemorando de felicidade, porque eu não posso continuar pagando por uma Polícia que mata e executa. A gente sabia que dessa vez esse júri era difícil porque eles não foram os autores dos crimes, mas eles foram omissos. Pela omissão deles, eles permitiram que 11 pessoas foram executadas".
“Próxima semana teremos outro júri, não nos damos por vencido. Nos preparamos para a próxima batalha. É momento de refletir, de entender. Nós estamos aqui não só pelos nossos que se foram, mas para que não aconteça mais isso na periferia. Nós sonhamos também, acreditamos em ver a periferia de forma diferente”, disse Ana Costa, esposa de um dos sobreviventes.
Para Mara Carneiro, coordenadora-geral, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca), "a luta continua". "Digo para essas mães aqui, que nos ensinam todos os dias, vocês não estão sozinhas”, disse, ao lado das familiares, no pós-sentença.