O uso de tornozeleiras eletrônicas pelo Sistema de Justiça do Ceará para monitorar apenados ou suspeitos de cometerem crimes tem sido cada vez maior, nos últimos anos. Desde o início da pandemia de Covid-19, em março de 2020, o número de equipamentos em atividade cresceu 20,9%.
No fim daquele mês, o Estado tinha 5.993 pessoas monitoradas. Ao fim de abril último (ou seja, um ano e um mês depois), esse número era de 7.178 tornozeleiras em uso, conforme dados da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP).
O presidente do Conselho Penitenciário do Ceará (Copen), advogado Cláudio Justa, afirma que a política do uso de tornozeleiras eletrônicas para monitoramento se intensificou no Ceará desde o fechamento das Cadeias Públicas no Interior, em 2019, e deu um novo salto com a pandemia, em 2020.
Com o fechamento das Cadeias, segundo Justa, "esse contingente (de presos) foi realocado nas grandes unidades, que já tinham uma superlotação. Uma das medidas que se pensou, não tendo ainda a celeridade da construção de novas unidades, foi exatamente as medidas diversas do encarceramento, entre elas o monitoramento eletrônico".
Para o presidente do Copen, "em período de pandemia, reduzir o contingente carcerário é fundamental para se ter eficácia dos protocolos sanitários. Muito difícil fazer um isolamento eficaz numa unidade superlotada".
O coordenador das Varas Criminais de Fortaleza, da Justiça Estadual, juiz Felipe Maia, reforça a análise de que o aumento do monitoramento por tornozeleira eletrônica tem relação com a pandemia.
Em março do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou aos tribunais estaduais do país, entre outras medidas, a revisão das prisões provisórias, a máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva e, para os presos que estão em regime semiaberto e aberto, o órgão recomendou a prisão domiciliar.
Reportagem do Diário do Nordeste publicada no último dia 3 de maio mostra que os casos de Covid-19 entre os presos no Ceará aumentaram 35% em menos de um mês. Ao fim de março, as unidades penitenciárias somavam 1.576 testes de detentos positivos, enquanto no último dia 22 de abril, já eram 2.085 registros.
O secretário da Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, afirma que o uso da tornozeleira eletrônica é importante para o Sistema Penitenciário: "A tornozeleira é um serviço para o preso que está no regime semiaberto. Ele já estaria na rua, sairia de manhã e voltaria à noite. Colocando a tornozeleira, ele não volta para o Sistema. Isso gera o controle dele, efetiva a fiscalização. Isso é muito importante para a Segurança Pública".
Quanto à população carceráia, o Sistema Penitenciário cearense fechou o último mês de abril com um total de 23.048 internos, o que representa uma redução de 3,2% no número, desde o início da pandemia, já que, em março de 2020, eram 23.812 detentos. Um dos fatores que contribuíram para essa diminuição foi o aumento do uso de tornozeleiras eletrônicas.
"Uso indiscriminado da tornozeleira"
O defensor público da 6ª Vara Criminal e supervisor dos defensores públicos que atuam nas Varas Criminais de Fortaleza, Manfredo Rommel, acredita que o crescimento da aplicação das tornozeleiras eletrônicas tem um lado positivo e outro negativo: "Primeiro, é a maior sensibilidade dos juízes, no que diz respeito ao cumprimento da Resolução 62, do CNJ, que foi editada com o intuito de minimizar os impactos da pandemia no sistema carcerário. Esse fator é positivo. O segundo fator, que eu não vejo de forma tão positiva, é o uso indiscriminado da tornozeleira".
A tornozeleira tem sido aplicada em casos que ela realmente é recomendada e para casos onde ela é extremamente desnecessária. Eu exemplifico aqui um delito cometido sem violência ou grave ameaça, praticado por uma pessoa que não tem nenhum grau de periculosidade e que é primária. Essa pessoa poderia ter sua liberdade restituída com outras medidas cautelares ou mesmo sem medidas cautelares.
Rommel lembra que "o uso da tornozeleira é oneroso tanto para o Estado como para a pessoa que está monitorada". No início de 2020, o Governo Estadual regulamentou regras para cobrar do preso que tem condição financeira de arcar com os custos da própria tornozeleira eletrônica. Entretanto, uma parte prova não ter condições para isso, inclusive quem é defendido pela Defensoria Pública do Ceará, e o gasto recai sobre o Estado.
Já o presidente do Copen, Cláudio Justa, ressalta que o equipamento eletrônico está mais eficiente: "esse monitoramento ficou muito melhor, no aspecto logístico e de acompanhamento da Secretaria da Administração Penitenciária".
.Existia uma insegurança por parte dos juízes de conceder a medida diversa do encarceramento, devido aos riscos, como danificar o equipamento. Hoje, não, o monitoramento é mais eficaz, com equipe de policiais penais específica para chegar ao local caso haja algum tipo de problema no sinal.
De acordo com Justa, há um perfil que se destaca entre os beneficiados com a medida, que vão cumprir pena ou responder aos processos em prisão domiciliar: "Normalmente, esse indivíduo é contemplado com essa medida quando ele não oferece risco à ordem pública, quando não tem vínculo com facção criminosa, responde a crimes comuns, que não são hediondos".
Ex-desembargador e médico monitorados
Um dos últimos apenados a progredir do regime fechado para a prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica, foi o ex-desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), Carlos Rodrigues Feitosa. A medida cautelar foi deferida pela 4ª Vara de Execução Penal de Fortaleza, no dia 16 de abril deste ano, e a defesa afirmou que foi uma decisão acertada.
Carlos Feitosa acumula duas condenações no Superior Tribunal de Justiça (STJ), oriundas de processos da Operação Expresso 150: 13 anos e 8 meses de prisão, pela venda de habeas corpus nos plantões do TJCE; e 3 anos e 10 meses de reclusão, por extorquir funcionárias do seu gabinete com a prática da "rachadinha" (divisão dos salários). Ele foi preso pela Polícia Federal (PF) no dia 19 de fevereiro último, após determinação do STJ .
Já o médico e ex-prefeito de Uruburetama José Hilson de Paiva, acusado de crimes sexuais no exercício da profissão, foi um dos primeiros presos a ser beneficiado com o monitoramento eletrônico, no início da pandemia. Ele saiu do presídio no dia 1º de abril de 2020, após a defesa alegar que ele se enquadrava no grupo de risco para contrair a Covid-19, devido a idade avançada e por ser portador de insuficiência coronária.
José Hilson segue em prisão domiciliar, há um ano e um mês, mesmo tendo sido condenado na Justiça pela primeira vez, com uma pena de 12 anos de prisão, pela acusação do crime de estupro de vulnerável, no último dia 11 de abril. A defesa do médico ressaltou que, na mesma sentença, ele não foi punido pelo crime de violação sexual mediante fraude e prometeu recorrer da condenação.
Integrantes de organizações criminosas
Neste período de pouco mais de um ano, alvos de operações policiais contra organizações criminosas também receberam tornozeleiras eletrônicas. Entre eles, 12 acusados de integrar uma quadrilha especializada em estelionato em Itapipoca, na Operação Fragmentado, deflagrada pela Polícia Civil do Ceará (PCCE), no dia 23 de março deste ano.
A quadrilha fez mais de mil vítimas em todo o Brasil, com fraudes bancárias. O dinheiro obtido nos golpes era utilizado para comprar imóveis e, principalmente, veículos luxuosos, uma prática conhecida como lavagem de dinheiro. A investigação identificou a movimentação de ao menos R$ 35 milhões, no esquema criminoso.