O Poder Judiciário rejeitou parte da denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) contra dois servidores terceirizados acusados de negociar ilegalmente carros do Governo do Ceará. Para o juiz da Vara de Delitos de Organizações Criminosa, não ficou comprovado que a dupla integrava uma organização, "afastando a competência desta unidade especializada".
A decisão de que o crime não envolveu organização criminosa deve ser estendida a dois empresários, acusados pelo delito e investigados por participarem do esquema. Apesar de envolver quatro pessoas, o juiz ponderou que "não se concebe uma organização criminosa sem existir um escalonamento, permitindo ascensão no âmbito interno, com chefia e chefiados".
Os servidores são Antônio Vieira da Silva Neto e João Paulo Pontes Vieira. Eles eram lotados na Secretaria do Planejamento e Gestão (Seplag) e foram afastados ao se tornarem alvos da investigação da Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e Cargas (DRFVC).
Os empresários foram identificados como Denis Vinícius Xavier e Thiago Silva. Ambos foram soltos, e agora seguem monitorados por tornozeleira eletrônica. Todos eles foram indiciados após a Polícia Civil constatar a venda irregular de duas Hilux, que pertenciam ao Governo do Ceará.
A Polícia Civil justificou que, para a investigação, o crime de organização criminosa está esclarecido, já que existe “uma estrutura ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas”.
O QUE DISSE O JUIZ
A decisão em rejeitar a denúncia por organização criminosa foi proferida no último dia 1º deste mês. O magistrado disse que, por meio dos autos, o caso se trata de uma suposta associação criminosa sem estrutura organizacional: "em que pese haver indícios de divisão de tarefas, já que um servidor entrou em contato com as sucatas e o outro conduziu a negociação e venda dos automóveis, há fortes indícios de que tal arranjo de vontades foi realizado de forma fortuita e pontual entre os servidores, não de forma perene como o tipo penal exige".
"Diante do exposto, os fatos atribuídos aos acusados não exorbitam da tipificação legal do art. 288 do Código Penal e a conduta dos acusados não poderia se enquadrar no tipo específico do art. 2º da Lei de Organizações Criminosas, afastando a competência desta unidade especializada"
A partir do momento em que a Vara rejeita a denúncia, cabe ao Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) encaminhar o processo ao juízo competente. Os servidores seguem acusados por peculato, enquanto os empresários são denunciados por receptação qualificada.
DEFESA
Os advogados de defesa comemoraram a decisão. "Desde o princípio batemos na tecla de que jamais existiu ‘organização criminosa’, e hoje foi consolidado esse entendimento. Com essa mesma tese conseguimos a soltura de nosso cliente, e agora temos afastada essa acusação sumariamente. Esse é o trabalho da defesa: combater incisivamente os excessos manifestados no processo penal. Reinou o bom senso”, disse Túlio Magno, que representa o empresário Denis Vinicius Rodrigues Xavier.
A defesa do servidor terceirizado Antônio Vieira Neto acrescenta que: "para além de uma vitória para a defesa dos servidores, está-se diante da concretização da Justiça e da materialização da razoabilidade jurídica, dado o inquestionável absurdo da acusação oferecida. Os magistrados da Vara de Delitos de Organização Criminosa, ao rejeitarem a denúncia oferecida pelo Parquet, no tocante ao delito de organização criminosa, atuaram de forma isenta, sensata e justa , de acordo com o Direito, prestigiando o incansável trabalho da defesa e demonstrando o brilhantismo do Judiciário Cearense", disseram os advogados Gustavo Brasilino e Evaldo Morais.
Já Fabiano Lopes, advogado do empresário Tiago, diz que: "para surpresa do corpo defensivo e para felicidade dos personagens envolvidos o Douto Magistrado da Vara de Organizações criminosas, convergindo com o corpo defensivo, rejeitou a denúncia na forma da Leu 12850/03. Continuo minha missão de rodar por todo o Brasil utilizando investigação defensiva na busca de justiça e deixo Fortaleza com a sensação de dever cumprido e de crença na mais sublime justiça, exercida pelos magistrados nesse glorioso Estado".
DETALHES DO ESQUEMA
Consta no relatório da Polícia Civil que João Paulo e Antonio Vieira seriam os responsáveis por vender ilegalmente os veículos. Thiago Silva Nunes seria o atravessador intermediário, “que faz conexão entre as sucatas e os servidores para a compra dos bens” e Denis Vinícius Rodrigues Xavier seria o receptador dos ilícitos.
A função do empresário Denis seria “desmanchá-los e instrumentalizar a sua não identificação, através do corte das numerações dos chassis, motores e demais sinais identificadores, com o fim de vender suas peças, como se de veículos lícitos fossem, em clara atividade comercial”, apontam os investigadores.
O suposto esquema foi revelado no fim do mês de julho deste ano. Até o momento, a Polícia Civil não descarta haver mais envolvidos no caso.