A Vara de Delitos de Organizações Criminosas, da Justiça Estadual, aceitou a denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE) contra um grupo acusado de continuar os crimes de Francisco Talvane Teixeira, apontado como o chefe do tráfico de drogas de Itapipoca por décadas e assassinado em abril de 2019. Entre os réus por organização criminosa e lavagem de dinheiro, estão familiares e o advogado de Talvane.
A denúncia foi apresentada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (Gaeco) em 4 de março deste ano e recebida pelo colegiado de juízes, no dia 22 de março último. Ao todo, 11 pessoas viraram réus na ação penal. Outros três investigados tiveram o processo arquivado, porque foram mortos.
Marcílio Pires de Sousa, Reginaldo dos Santos Cândido, Maria Lourdes Ferreira Teixeira, Paulo Cauby Batista Lima, Paulo Cauby Batista Lima Júnior, Francisco Talvane Teixeira Júnior e Maria Ivonete Marques Pires viraram réus pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro. Já Aldenir Lima Nunes, Elísio Rodrigues Pelúcio, Francisco Natanael Oliveira e Pedro Severo de Holanda Neto viraram réus apenas por organização criminosa.
A Justiça decretou também a prisão preventiva de Marcílio Pires de Sousa. 'Curió', como é conhecido, já tinha antecedentes criminais de tráfico de drogas, uso de documento falso e descaminho e teria voltado de São Paulo para Itapipoca, na Região Norte do Ceará, para assumir a organização criminosa, com a morte do seu primo e líder do grupo, Francisco Talvane.
De acordo com a denúncia, 'Curió' estaria dividindo a liderança da organização criminosa com Maria Ivonete Marques Pires, viúva de José Teixeira Pires, o 'Zeribaldo', antigo "braço direito" de Talvane e assassinado em 2020. Marcílio foi preso em flagrante no bairro São Bento, em Fortaleza, no dia 23 de julho do ano passado, na posse de um carregador de pistola Ponto 40, um saco de munições de calibre 38 e droga.
Ainda conforme a denúncia, a viúva e o filho de Talvane, Maria Lourdes Ferreira Teixeira e Francisco Talvane Teixeira Júnior, consentiam com os crimes praticados pelo marido e pai, respectivamente, e ainda serviam como 'laranjas' na aquisição de bens luxuosos, com dinheiro de origem ilícita.
O Ministério Público do Ceará ainda pediu que a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD) investigue a relação de um policial militar com a organização criminosa. Entretanto, o PM não foi alvo de acusação.
A denúncia do Gaeco se baseou na Operação Dominus, deflagrada pela Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), da Polícia Civil do Ceará (PCCE), em julho de 2020. A ação policial cumpriu 16 mandados de busca e apreensão, prendeu três suspeitos em flagrante e apreendeu R$ 300 mil em espécie, três veículos de luxo, relógios e duas pistolas. Segundo as investigações, a movimentação de grandes quantias de dinheiro em espécie era comum pelo grupo criminoso e o uso de 'laranjas', também.
A defesa da viúva, do filho e do primo de Talvane informou que está analisando a denúncia, para se manifestar no processo. No processo, a defesa de Reginaldo Cândido anexou documentos que para comprovar "que os valores movimentados pelo suplicante são decorrentes de atividade econômica lícita, qual seja, comercialização de frango vivo e abatido, não havendo qualquer ligação com a suposta organização criminosa".
Advogado e filho viram réus
Conforme a denúncia do Ministério Público, Paulo Cauby Batista Lima advogava para Francisco Talvane e para alguns comparsas do mesmo em processos criminais, mas também se utilizava "em diversas situações, de expedientes escusos que transcendiam o legítimo exercício da função advocatícia".
A investigação policial identificou movimentação financeira suspeita na conta do advogado e do filho, Paulo Cauby Batista Lima Júnior. O pai recebia supostos honorários na conta bancária da sua mãe e o filho dele tinha uma empresa junto do filho de Talvane, que também virou réu. Para o MPCE, os dois eram "laranjas" do traficante, participando de lavagem de dinheiro.
Procurado, o advogado Paulo Cauby nega que ele e o filho integram organização criminosa e que cometeram o crime de lavagem de dinheiro. Segundo ele, os honorários dos clientes eram pagos em outras contas bancárias porque o mesmo estava com restrição de crédito e não conseguia abrir uma conta própria. Já a empresa aberta pelo fillho dele com o filho de Talvane "nunca existiu, nunca saiu do papel". O advogado ainda lamenta não ter tido a oportunidade de esclarecer os fatos na Delegacia da Polícia Civil e, mesmo assim, ter sido denunciado pelo MPCE.
A Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE) informou que "não foi oficiada sobre a Operação Dominus, ocasionando, com isso, a inexistência de processo administrativo disciplinar na entidade a qualquer envolvido no caso. O Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-CE buscará as informações necessárias para a análise do caso e procedimentos internos".
Mortes de investigados
Pelo menos três integrantes da organização criminosa de Itapipoca, investigados pela Draco, foram assassinados em um intervalo de 11 meses.
O líder, Francisco Talvane Teixeira, foi executado a tiros por três homens que simulavam ser policiais, na frente dos seus advogados, na saída de um restaurante onde almoçavam, no bairro Cidade 2000, em Fortaleza, no dia 26 de abril do ano passado. Ele era condenado pela Justiça Estadual por homicídio e associação criminosa e respondia ainda por roubo a uma empresa de transporte de valores e por sequestro.
O relatório policial da Draco afirma que Talvane era um "famoso assaltante de banco e chefe de organização criminosa", que "escolheu a sua terra natal, Itapipoca, para exercer seu comando, após a construção de vultoso patrimônio, se colocando acima de todas as autoridades e sendo considerado um verdadeiro 'Deus' pelos moradores do citado município, uma vez que, assim como fazia Pablo Escobar (traficante colombiano), utilizava de violência (ordenando homicídios, torturas, traficando drogas, etc) para manter uma falsa paz na região".
Esse domínio, segundo a investigação, durou décadas e não permitia, por exemplo, a venda de crack nem roubos e furtos a comércios, na região.
José Teixeira Pires, o 'Zeribaldo', apontado como "homem de confiança" de Talvane, foi morto a tiros no dia 1º de março de 2020. Enquanto José Rodrigues Barbosa Filho, o 'Zezinho', considerado o chefe do tráfico de drogas de Amontada (liderança sob o consenso de Talvane), foi assassinado três dias depois, em 4 de março do ano passadao, na saída de uma igreja evangélica, em Itapipoca.