Extorsão de candidatos e ameaças: facções cobram para autorizar campanhas 'nas áreas sob seu domínio'

As Eleições Municipais 2024 se tornaram uma 'fonte de renda' para as facções criminosas no Ceará. A Polícia Civil e o Ministério Público Estadual vêm observando um movimento das organizações "quanto a forma de angariar mais fonte de renda, que seria a extorsão de candidatos para pagarem taxas", conforme relatório da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), que o Diário do Nordeste teve acesso.

A reportagem apurou que em cidades do Interior do Estado, como Santa Quitéria, candidatos foram extorquidos pelas organizações para que permitissem que eles "realizassem suas campanhas eleitorais nas áreas dominadas por elas". Por meio das Promotorias de Justiça de Combate às Organizações Criminosas, o MPCE tem conhecimento das ameaças e afirma em documentos que este é um "novo método de captação de recursos por essas facções".

Além de Santa Quitéria, há investigações em andamento para apurar ataques aos candidatos e eleitores das prefeituras das cidades de Jijoca de Jericoacoara, Sobral e Iguatu. A reportagem apurou que a facção carioca Comando Vermelho (CV) é que estaria por trás dos crimes.

Segundo a Polícia Civil do Ceará, já são 40 prisões realizadas só neste ano relacionadas com algum tipo de repercussão eleitoral, tendo como alvos grupos criminosos que buscaram interferir no processo, e 51 mandados de busca e apreensão. 

INVESTIGAÇÕES

Nessa terça-feira (1º), a PF deflagrou operação em Iguatu para combater crimes eleitorais. Há informações de cumprimento de mandados de busca e apreensão para "desarticular suposta influência de organização criminosa violenta na campanha municipal, especificamente o envolvimento de candidato a vereador com a ORCRIM, além de reunir informações e provas para coibir a oferta de dinheiro em troca de apoio político e votos".

A PF informou que "as investigações foram iniciadas a partir do repasse de informações da Polícia Civil, isso, após a prisão de uma pessoa por tráfico de drogas e por ser integrante de uma organização criminosa. A análise do material revelou a proximidade do candidato a vereador e os traficantes".

Foram solicitadas entrevistas à PF e à Polícia Civil do Ceará. A PF negou fonte para entrevista. Já a Polícia Civil, por meio do delegado Geral da Instituição, Márcio Gutierrez, afirmou que "o Sistema de Segurança do Estado do Ceará vem acompanhando essa movimentação dos grupos criminosos nos territórios e trabalhando dentro de uma diretriz de não dar trégua".

"Temos feito um trabalho integrado para coibir e reprimir essas ações criminosas desde o início do processo eleitoral. Tivemos buscas em cidades, como Caucaia, Santa Quitéria, Sobral, São Benedito prisões até mesmo fora do Ceará"
Delegado-geral da PCCE, Márcio Gutierrez

O delegado destaca que os grupos tiveram "braço financeiro atingido" e viram no processo eleitoral uma suposta forma de diversificar a atividade financeira, "oportunidade de ganhar algum recurso, mas temos mostrado que essa possibilidade não existe".

POR TRÁS DOS ATAQUES

Quatro suspeitos de ameaçarem a candidata à Prefeitura de Sobral, Izolda Cela, foram capturados. Um dos presos é Kevin Henrique Lopes Cavalcante. Conforme inquérito, ele publicou uma foto nas redes sociais com a legenda: 'Bala na Izolda' 

Consta no depoimento do suspeito que ele disse às autoridades que membros do Comando Vermelho o obrigaram a publicar a foto ameaçando a candidata. Falou ainda que não se recordava quem o obrigou, mas que "a ordem partiu de um grupo do Whatsapp", tendo negado pertencer à facção.

Ainda de acordo com o depoimento, a facção Comando Vermelho emitiu um 'Salve' para integrantes determinando que a candidata não poderia fazer campanha onde o CV atua, em Sobral. "Que apenas o outro poderia atuar nesses bairros, mas não soube explicar o porquê da distinção".

O CV ainda teria determinado que caso fossem identificados apoiadores da candidata Izolda, era para "tacar rojão" e "tomar bandeira" (sic) e expulsar dos bairros.

AMEAÇADOS DE MORTE

A Draco vem investigando ameaças ocorridas ao candidato a prefeito de Santa Quitéria, Tomás Antônio Albuquerque de Paula. Foram expedidos mandados de busca e apreensão contra 10 suspeitos.

"No dia 21 de Agosto de 2024, esta Delegacia Especializada tomou conhecimento, através do Boletim de Ocorrência..., que o candidato a prefeitura, Tomás Antônio Albuquerque de Paula informou que recebera mensagem do número...  constrangendo os seus eleitores, com a seguinte ameaça: “SE NÓS PEGA VOCÊ COM NEGÓCIO DE PEDIR VOTO AÍ PRA TOMÁS NOS VAI TACAR FOGO NA SUA CASA OK” (sic). Nesse mesmo Boletim de Ocorrência, a vítima explicou que, desde as eleições de 2020, sua pessoa e seus colaboradores são ameaçados de morte por integrantes da organização criminosa comando vermelho (C.V.)"
Trecho do relatório de investigação da PCCE

"Conforme a informação recebida, por meio do Whatsapp de Denúncias desta Delegacia, foram enviadas mensagens a alguns eleitores da cidade de Santa-Quitéria-CE, publicado em grupos de whatsapp e em status de perfis, mensagem avisando aos eleitores do município que está proibida qualquer forma de externar apoio à candidatura de Tomás Figueiredo, atual candidato a prefeito da cidade", ainda de acordo com os investigadores.

As ameaças pichadas nos muros foram assinadas pela 'Tropa do Paulinho Maluco', identificado pelas autoridades como Anastácio Pereira Paiva. Ele é apontado como principal liderança do Comando Vermelho na cidade e nos municípios vizinhos.

"Além de decidir sobre a vida e a morte dos adversários e dos dissidentes, bem como daqueles que devem valores aos traficantes. É possível afirmar que nada acontece em termos de crime nos citados municípios sem a anuência de 'Paulinho Maluco'. Vale salientar, que esta alcunha aparece em quase todas as pichações que foram feitas nos últimos dias na sede do município de Santa Quitéria", conforme o inquérito da Draco.

SÃO INVESTIGADOS POR PARTICIPAR DO CV E PELAS AMEAÇAS EM SANTA QUITÉRIA:

  • 1) Luzia Marques Lima; 
  • 2) Antonio Josafá de Souza Melo (vulgo "Josa"); 
  • 3) Francisco Alessandro Cavalcante de Sousa (vulgo "Flores"); 
  • 4) Lázaro Levi Paiva (vulgo "Ceifador", "L2" ou "Açougueiro"); 
  • 5) Francisco Ivanilson Morais dos Santos (vulgo "Fubica" ou "Taylon"); 
  • 6) Antonio Januário Henrique Xavier (vulgo "Antônio Tatuagem"); 
  • 7) Dara Jéssica de Lima Alves (mulher do Fubica); 
  • 8) Francisco Girvando Ferreira de Oliveira (vulgo "Riquelme", "Vandim", "Vandinho", "Dente de Ouro", "Dente de Prata" ou "Branquim"); 
  • 9) Francisco José Alves Duarte (vulgo "Z.F."); 
  • 10) Anastácio Pereira Paiva (vulgo "Doze", "Paulinho Maluco", "Carlos" ou "Paizão")

Márcio Gutierrez destaca que o que acontece em Santa Quitéria é "emblemático" e que já foram realizadas nas últimas semanas duas operações na cidade direcionadas a esse grupo criminoso.

"Acredito que teremos muitas ações relacionadas a esse grupo criminoso. Reafirmo que as forças de segurança do Ceará não permitirão interferências. A Draco tem atuado em regime de plantão, 24 horas por dia, está destacada para fazer esse enfrentamento".

A reportagem não localizou as defesas dos suspeitos. O espaço segue aberto para manifestações posteriores.

ELEITORES

Ainda na última semana, a Polícia Civil do Ceará identificou e localizou um suspeito de ameaçar um candidato aos eleitores de Jijoca de Jericoacoara. O homem, de 23 anos, que não teve a identidade divulgada, teria compartilhado nas redes sociais "mensagem de cunho político com teor de ameaças direcionadas a eleitores de um candidato a prefeito da cidade".

Conforme levantamentos policiais, o suspeito compartilhou um comunicado ameaçando moradores a não comparecer a um comício de um candidato a prefeito da região.

"Com as informações, as equipes localizaram o homem, que foi conduzido para uma unidade plantonista da PCCE na região, onde foi ouvido. Na ocasião, um procedimento policial foi instaurado na Delegacia Municipal de Jijoca de Jericoacoara. O inquérito será encaminhado para a Polícia Federal, que seguirá com as investigações cabíveis também para identificar se ele é integrante de grupo criminoso", segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS).