Ex-PM condenado por participar da Chacina do Curió é indiciado nos Estados Unidos por fraudar visto

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos pediu colaboração às autoridades brasileiras na investigação. Defesa alega que 'preenchimento foi regular, orientado por advogado americano e dentro dos requisitos legais daquela nação'.

O ex-policial militar do Ceará, Antônio José de Abreu Vidal Filho, condenado a 275 anos de prisão por participar da Chacina do Curió, em Fortaleza, foi indiciado nos Estados Unidos - onde está preso - por fraudar o visto norte-americano e o pedido de residência permanente no país. A defesa rebate que o "preenchimento foi regular, orientado por advogado americano e dentro dos requisitos legais daquela nação".

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos enviou ofício à Justiça Estadual do Ceará, em dezembro do ano passado, para pedir colaboração às autoridades brasileiras na investigação da fraude. A 1ª Vara do Júri de Fortaleza repassou o pedido ao Ministério Público Federal (MPF), no dia 15 de abril último.

Em documento traduzido para o idioma português, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos revelou que a Procuradoria-Geral dos EUA, para o Distrito de Massachusetts, e o Departamento de Segurança Interna "estão investigando Antônio José de Abreu Vidal Filho por violações às leis penais dos EUA, decorrente da sua omissão em revelar no seu pedido de visto americano, e no pedido subsequente para residência permanente nos Estados Unidos, que ele foi condenado no Brasil por múltiplos assassinatos e outros crimes, que ocorreram quando ele participou do massacre cometido por policiais militares brasileiros, e cometeu outros crimes relacionados, por volta de 11 e 12 de novembro de 2015, em Fortaleza, Brasil".

"Conforme descrito abaixo, as autoridades dos EUA solicitam os registros oficiais e outros registros identificados a seguir, que se encontram no Brasil, os quais são relevantes para a investigação dos EUA sobre a suposta fraude de visto e imigração cometida por DE ABREU VIDAL FILHO", indicou o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

O órgão norte-americano solicitou à Justiça do Ceará acesso ao depoimento de Antônio José de Abreu à Polícia Civil do Ceará (PCCE), à denúncia do Ministério Público do Ceará (MPCE), à sentença condenatória e a outros documentos relacionados ao processo da Chacina do Curió, além de pedir para ouvir duas delegadas cearenses que participaram das investigações.

Convidem, também, os funcionários encarregados da apresentação dos documentos a comparecerem, em uma data futura, no estado de Massachusetts, ou outro local, se necessário, às custas do governo dos EUA, para prestarem depoimento perante um grande júri e/ou em julgamento. Se alguma testemunha optar por não comparecer aos Estados Unidos, um depoimento formal da testemunha em alguma data futura poderá ser solicitado. Tal depoimento poderá ser gravado ou transmitido usando tecnologia, para ser apresentado em julgamento nos Estados Unidos."
Departamento de Justiça dos Estados Unidos
Em ofício à Justiça do Ceará

A defesa de Antônio José de Abreu Vidal Filho, representada pelo advogado Delano Cruz, esclarece em nota que "o indiciamento do ex-soldado da Polícia Militar do Ceará pelas autoridades norte-americanas por, supostamente ter omitido informações sobre processo criminal a que respondia no Brasil, não tem nenhuma relação com fuga ou outra medida de evasão, até porque não havia restrição ao seu direito de ir e vir".
 
Na verdade, o preenchimento foi regular, orientado por advogado americano e dentro dos requisitos legais daquela nação. Entretanto, a repercussão do chamado Caso Chacina do Curió trouxe luzes mais fortes para o procedimento migratório do indiciado, o que deverá ser apurado, garantindo-se o sagrado direito de ampla defesa, bem como o contraditório e o devido processo legal, levando-se em conta, inclusive, a existência da filha do ex-militar nascida em solo americano."
Delano Cruz
Advogado de defesa, em nota

Prisão nos Estados Unidos

Antônio José de Abreu Vidal Filho foi preso nos Estados Unidos em agosto do ano passado, após ser condenado pela Justiça do Ceará a 275 anos e 11 meses de reclusão, em junho anterior, no primeiro júri em decorrência da Chacina do Curió - que deixou 11 mortos, na Grande Messejana, em Fortaleza, em novembro de 2015.

O ex-policial militar cearense morava nos EUA desde 2019. A Interpol comunicou a sua prisão à Justiça do Ceará, que de imediato iniciou o pedido de extradição do réu condenado, para cumprir a pena no Ceará. Entretanto, Antônio Abreu continua detido nos Estados Unidos, depois de quase 10 meses preso.

Os ex-PMs Ideraldo Amâncio, Marcus Vinícius Sousa da Costa e Wellington Veras Chagas também foram condenados a 275 anos e 11 meses de reclusão. Ao contrário de Abreu, que participou do julgamento por videoconferência, o trio estava presente no Fórum Clóvis Beviláqua e saiu do julgamento preso. Os quatro réus também perderam o cargo público.

As quatro penas, somadas, chegam a 1.100 anos de prisão. Os militares foram condenados por 11 homicídios qualificados, três tentativas de homicídios qualificados e quatro crimes de tortura, sendo três torturas físicas e uma psicológica. Outros dois julgamentos em decorrência da Chacina do Curió ocorreram nos dias 29 de agosto e 12 de setembro do ano passado.