O processo por racismo que tramita contra Bruno Filipe Simões Antonio, ex-gerente de uma das lojas Zara, em Fortaleza, pode acabar em um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). No último dia 13 de março, a juíza da 14ª Vara Criminal determinou que a Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público do Ceará (MPCE) enviasse novo parecer confirmando ou revendo o entendimento do titular do MP da Vara que não ofereceu proposta no caso.
Caso acusação e defesa entrem em acordo, o processo criminal pode ser "substituído" por outras formas de reparação dos danos causados a partir do delito. Enquanto isso, está mantida a denúncia prestada pelo MP em dezembro de 2021 e Bruno é réu na Justiça do Ceará: "o oferecimento ou não da proposta de ANPP não é condição de procedibilidade da ação penal, a ensejar a rejeição da denúncia", conforme a magistrada.
Por nota, o MP afirmou que: "por meio da 93ª Promotoria de Justiça de Fortaleza (13ª Promotoria Criminal), esclarece que a recusa ministerial quanto à oferta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) a Bruno Filipe Simoes Antonio, réu em caso de racismo contra cliente da loja de roupas Zara, localizada em shopping de Fortaleza, considerou estarem ausentes os requisitos subjetivos para a proposição do acordo".
"O MPCE reitera que a Justiça Estadual entendeu não haver ilegalidade na recusa do citado acordo, destacando também que os MPs de diversos estados do país têm se manifestado pela inviabilidade do ANPP em casos de racismo, como esse, o que não se confunde com a recusa indiscriminada à utilização do benefício com base apenas na gravidade em abstrato do crime. O que se busca é reconhecer a insuficiência protetiva dessa prática, de modo a evitar a equiparação do crime de racismo, imprescritível e inafiançável (artigo 5º, XLII, da Constituição Federal) a delitos menos lesivos"
A vítima do caso é a delegada da Polícia Civil do Ceará, Ana Paula Barroso. A agente entrou na loja Zara, dentro de um shopping localizado no bairro Edson Queiroz, na noite de 14 de setembro de 2021, com um sorvete na mão, o qual comia. O gerente Bruno Filipe se dirigiu até ela para pedir para ela se retirar do estabelecimento.
Vídeos divulgados pela Polícia Civil mostram o episódio:
Na versão de Bruno Filipe e da loja Zara, Ana Paula foi impedida de permanecer no local porque estava com a máscara abaixo do queixo, o que não era permitido por prevenção ao contágio por Covid-19. Entretanto, o gerente atendeu normalmente uma cliente branca pouco antes de expulsar a delegada, negra.
O PROCESSO
A Justiça afirma que a promotoria alegou que "tais benefícios, seriam insuficientes para reprovação e prevenção do crime, bem como desproporcional e incompatível com infração penal dessa natureza", se referindo ao possível acordo.
Já a defesa do réu considera a: "imprestabilidade da prova obtida em sede de inquérito policial, a nulidade da denúncia por cerceamento de defesa, alegando a impossibilidade da defesa de acessar as gravações, objeto de análise em inquérito policial, a recusa do parquet em oferecer os benefícios da Justiça penal negociada e a rejeição da denúncia por falta de justa causa".
A Justiça destaca que o tipo penal pelo qual o homem foi denunciado tem na redação do artigo prevista pena de reclusão de um a três anos, indicando que "de fato, o tipo penal não descreve a prática de uma infração penal que denota uma ação com violência ou grave ameaça. Além disso, a pena máxima é inferior a quatro anos".
Somente após a revisão ministerial acerca do oferecimento da proposta de acordo é que a juíza deve passar a analisar "as demais preliminares alegadas em defesa"
INVESTIGAÇÃO
Bruno foi indiciado pela Polícia em outubro de 2021. Na época, o então delegado geral, Sérgio Pereira, revelou que testemunhas (entre ex e atuais funcionários da Zara) relataram, durante a investigação, que a marca tinha o código "Zara zerou".
O código era disparado no alto-falante da loja quando entrava um cliente fora do padrão desejado pela loja, o que poderia colocar a segurança em risco. Conforme as investigações, eram alvos do alerta "Zara zerou" pessoas negras e julgadas como "mal vestidas".
Para o Ministério Público, ao se negar a atender ou receber a vítima, não houve outra razão fundamentada que não fossem as próprias características físicas dela. "Diante de todos os elementos juntados aos autos, nota-se a prática de crime resultante de discriminação ou preconceito de raça, cor ou etnia com latente diferenciação de tratamento entre clientes do estabelecimento comercial", disse o órgão acusatório, na denúncia.