Arena Castelão já registrou 7 tumultos com torcida em três meses; 4 PMs foram afastados do estádio

Ministério Público do Ceará contabiliza mais de 100 pessoas autuadas por crimes de menor potencial ofensivo, cometidos em partidas, neste ano

Torcedores do Ceará Sporting Club e do Fortaleza Esporte Clube vão à Arena Castelão para vibrar pelos seus times e se emocionar com uma partida de futebol. Mas, com certa frequência, eles têm que se deparar com confusões e crimes, o que resignifica a experiência e afasta muitos fãs do estádio. Desde março, a Arena já registrou sete tumultos, segundo o comandante do Batalhão de Policiamento de Choque (BPChoque), da Polícia Militar do Ceará (PMCE), tenente-coronel Eduardo Landim.

Seis ocorrências se deram em jogos do Fortaleza, e apenas uma em partida do Ceará, nesses 72 dias (do início de março a ontem). Landim atribui a diferença ao sistema informatizado de vendas de produtos do Leão do Pici, que muitas vezes apresenta lentidão na internet e revolta os torcedores; enquanto o Vovô de Porangabuçu vende mais em dinheiro em espécie. Além disso, o Tricolor realizou mais jogos em casa neste período, 12 (sendo duas finais de campeonatos), contra 8 do Alvinegro.

100
O Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor (NUDTOR), do Ministério Público do Ceará (MPCE), contabiliza mais de 100 pessoas autuadas no Juizado Especial do Torcedor por crimes de menor potencial ofensivo, neste ano, na Arena Castelão. "Relevante informar que nem todas as ocorrências chegam até a Polícia porque algumas pessoas não fazem B.O. (Boletim de Ocorrência)", pondera o Órgão.

Apesar dos relatos de roubos (com uso de violência e grave ameaça) feitos por torcedores, o NUDTOR afirma que não tem conhecimento desses episódios dentro do Castelão. "A Arena é bem vigiada, há muitos policiais e seguranças privados, dentro e fora do equipamento, mas sempre é preciso lembrar ao torcedor que este deve também se precaver, como quando se vai a qualquer local aberto ao público com capacidade para aglomerar cerca de 50.000 pessoas", afirma o Órgão. 

O último tumulto registrado no estádio foi o mais marcante, na partida entre Fortaleza e River Plate (Argentina), pela Copa Libertadores da América, no dia 5 de maio deste ano. Uma confusão iniciada em um bar do estádio levou à intervenção da Polícia Militar, e alguns agentes agrediram fãs tricolores.

Veja vídeo da ação policial:

De acordo com o tenente-coronel Landim, os torcedores agrediram verbalmente e encurralaram funcionários terceirizados, em razão de o bar ter fechado aos 30 minutos do segundo tempo da partida - o que é previsto pela Lei estadual nº 16873/2019 - e de eles ainda estarem com fichas para retirarem os produtos. Já torcedores relatam que os PMs cometeram agressões físicas e dispararam gás de pimenta e tiros de borracha dentro do estádio.

O resultado daquele jogo, para a Segurança Pública, foi o seguinte: um torcedor preso pelos crimes de dano e desacato; cinco Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO) por porte de droga; sete policiais militares respondendo administrativamente pela ação, dos quais quatro foram afastados do policiamento realizado dentro do estádio.

A conduta policial não foi de acordo com o nosso padrão, já está sendo investigada e vai ser individualizada. Aquela ação não reflete nossa doutrina de trabalho. Nós trabalhamos com uso progressivo da força, sempre respeitando os direitos humanos. Nós temos instrumentos de menor potencial ofensivo, justamente para, em distúrbios, proteger o policial e impactar o mínimo possível o agressor."
Tenente-coronel Eduardo Landim
Comandante do Batalhão de Policiamento de Choque (BPChoque)

Entretanto, Landim afirma que "houve uma sequência de fatos, e aqueles dois segundos na gravação não refletem a extensão do problema", sobre um vídeo em que policiais agridem torcedores. "A psicologia das massas é assim. Se uma pessoa age de forma violenta, outras vão repetir esse comportamento. Muitos consumidores, sob efeito de álcool, fora de si, passam a agredir verbalmente as pessoas que estão ali para atender, servir", relata.

O Fortaleza Esporte Clube se posicionou por nota sobre o episódio, na qual informou que "está estudando as medidas que podem ser adotadas para evitar tais fatos, dentre as quais o envio das imagens internas para a apreciação do Ministério Público através do Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor (Nudtor), órgão competente para ouvir todas as partes, avaliar as imagens e também as tais condutas. E, a partir daí, dar início criminal e administrativamente".

"O Fortaleza informa ainda que o Clube, por meio do seu Departamento Jurídico, está acompanhando todos os atos dessa apuração. Por fim, a Instituição registra que não concorda com quaisquer atos de violência e que sempre busca trazer a melhor experiência ao torcedor e a torcedora", conclui.

Entidades e torcedores em busca de melhorias

É consenso, entre as diferentes partes, que a experiência do torcedor que vai ao Castelão precisa melhorar, em vários aspectos, inclusive a segurança. Para discutir os últimos incidentes e buscar melhorias, uma reunião foi realizada na última terça-feira (10), na sede do BPChoque, com a presença de representantes do Governo Estadual, da Polícia Militar, da Arena Castelão, dos clubes, de torcidas organizadas e de serviços terceirizados empregados na Arena. Cerca de 400 pessoas trabalham na execução de uma partida.

Os representantes da PMCE colocaram na mesa as dificuldades enfrentadas pela Corporação - que conta com cerca de 180 policiais em grandes jogos - e propôs mudanças, que devem ser aplicadas nas próximas partidas, como disponibilização de um carro de som para a Polícia fornecer informações aos torcedores e emprego de funcionários monitores e grades para organizar as filas nos bares.

"A gente sugeriu e todos aceitaram de pronto que voltemos a fazer uma reunião de apronto, duas horas antes do jogo, com todos os trabalhadores do estádio, para conferir como estão os seguranças, o pessoal da busca pessoal, os pontos de abertura dos portões, para fazermos um jogo da melhor maneira possível", acrescenta o tenente-coronel Landim.

O diretor de Eventos e Operação de Jogos do Ceará Sporting Club, Veridiano Pinheiro, pontua que a reunião foi voltada para discutir a logística e a venda de bebidas alcoólicas no Castelão. "Houve um alinhamento em cima de pontos específicos sobre fatos que ocorreram na maioria dos últimos grandes jogos do Fortaleza", considera.

O Ceará sempre busca levar a melhor experiência e conforto pro seu torcedor, selecionando criteriosamente os seus fornecedores, alinhando ações com a Polícia Militar, Arena Castelão e demais órgãos envolvidos no evento. Abrimos também um canal de WhatsApp nos jogos para ter um feedback instantâneo com o torcedor durante as partidas. Com isso, podemos avaliar que entregamos uma experiência com segurança ao torcedor."
Veridiano Pinheiro
Diretor de Eventos e Operação de Jogos do Ceará Sporting Club

O Fortaleza Esporte Clube já havia se posicionado sobre a segurança do estádio, através do presidente Marcelo Paz, em coletiva de imprensa realizada na última segunda-feira (9). "Reconheço que o clube tem falhas, inclusive algumas falhas destas foram melhoradas ontem (jogo do dia 8 de maio, contra o São Paulo). A questão de mais seguranças, mais atendentes nos bares, melhor limpeza e asseio dos banheiros".

Futebol é um local de entretenimento. Eu vi muitas famílias na Inferior Sul (setor do estádio que ele visitou), muitas crianças. 99% das pessoas estão para assistir o jogo, ter um momento de lazer, e essas pessoas têm que ser muito bem tratadas. (Mas) Algumas pessoas vão para o estádio para fazer o que não é correto. Ontem, duas atendentes foram agredidas porque não queriam vender mais de duas fichas. Existem comportamentos abusivos, e isso não pode ser tolerado.  Quem vai para o estádio para furtar e roubar tem que ser preso."
Marcelo Paz
Presidente do Fortaleza Esporte Clube

O presidente da Torcida Uniformizada do Fortaleza (TUF), João Paulo Melo, revela que um dos objetivos da reunião foi coibir roubos e furtos, principalmente no acesso ao Castelão: "Só a segurança privada não está dando conta da segurança do torcedor, na hora da aglomeração. A gente solicitou um reforço policial na entrada das rampas, uma iluminação para os infratores se inibam um pouco e deixamos todas as lideranças da Torcida cientes do que está acontecendo, para a gente identificar quem está assaltando e furtando o torcedor". 

Principal torcida organizada do Ceará, a Cearamor foi procurada pela reportagem para se manifestar, mas preferiu não comentar o assunto, já que não foi convidada para a reunião.

A reportagem também procurou ouvir a experiência de torcedores que não integram torcidas organizadas. Uma torcedora do Fortaleza, que preferiu não ser identificada, afirma que não se sente segura em ir ao estádio, estacionar o carro, adentrar à arena esportiva e mesmo ficar na arquibancada. "Já presenciei furtos nos arredores da Arena, brigas entre os torcedores e ações descabidas do policiamento usando a cavalaria, sprays de pimenta ou cacetetes de maneira equivocada. Esses são fatores que acredito que distanciam a população do estádio", acredita.

A torcedora tricolor espera "um melhor trato no momento da ação policial, que compreenda que, independente do setor do estádio ou da classe social do torcedor, todos devem ser bem tratados como cidadãos. O uso descabido de spray de pimenta ou bombas pela polícia também precisam ser repensados. São ações como essas que causam tumulto, medo e agressões desnecessárias. Além disso, gostaria da presença de mais policiais nos arredores da Arena".

Um torcedor do Ceará, também não identificado, define a ida ao estádio como uma "prova de amor". "O torcedor não é tratado como deveria e os clubes exploram esse amor para não mudar esse tipo de tratamento, ruim, sabendo que no próximo jogo todos estarão de volta. Falta um maior cuidado no setor alimentício, nos banheiros e, claro, a segurança é outro ponto que deixa a desejar".

O alvinegro também faz críticas ao trabalho da Polícia. "Acho que uma medida positiva é se atentar para o modelo europeu, onde dentro do estádio existem apenas seguranças desarmados, mas treinados e que atuam de forma organizada com câmeras e sistema de monitoramento para atenuar qualquer problema. Hoje temos tecnologia e departamentos, nos clubes e fora deles, suficientes para coibir à violência e sua reincidência nos estádios de futebol. O Athletico Paranaense, por exemplo, já faz isso e consegue até localizar foragidos da Justiça. A situação pode melhorar, mas não vai ser através da ponta do cassetete", sugere.