Peças pré-históricas de Icapuí são preservadas por pescador

Josué Pereira se apresenta como um guardião dos vestígios que remetem ao passado do Município

Icapuí. A comunidade de Ponta Grossa, no Município de Icapuí, guarda inúmeros tesouros sobre a história cearense. Não é difícil, ao caminhar pela praia, encontrar vestígios que remetam a épocas remotas. No entanto, o que chama atenção para a localidade, é a obstinação de um pescador que há mais de três décadas dedica sua vida a guardar e preservar esses materiais.

A missão de Josué Pereira Crispim, 57 anos, como um verdadeiro guardião da história local, começa ainda criança, quando viu na casa de seu avô uma garrafa feita em louça, a qual seu avô dizia que havia sido deixada por holandeses que vieram para aquela região. A partir daí, começou o interesse em descobrir mais sobre aquele objeto.

Quando pescador, Josué encontrava, frequentemente, inúmeros materiais pela praia e dunas. Eram pedras polidas, lascadas, pequenos fósseis, peças de ferro, metal, objetos como relógios, sinos, cachimbos, um mundo novo que despertou sua curiosidade. Mesmo com pouca escolarização, foi vendo as gravuras nos livros que ele buscou conhecer a história que aqueles objetos contavam.

Denúncia

Junto com seus achados, Crispim também denunciava a ocupação irregular na área de dunas, onde tempos depois foram descobertos sítios arqueológicos. Ele dizia que o intenso movimento de carros e pessoas, que buscavam se aventurar nesses gigantescos bancos de areia, comprometia todos os matérias que poderiam estar enterrados nesses locais.

Com o tempo, a coleção de Josué crescia e as pessoas da própria comunidade que sabiam de sua dedicação, entregavam-lhe peças que encontravam. O agora pescador-arqueólogo teve que mudar de casa, para que sua pequena moradia antiga comportasse todos os materiais que ele preserva ao longo dos anos. O local, na própria localidade de Ponta Grossa, atraía a curiosidade de pessoas da comunidade, estudantes e professores universitários. "Eu dizia mais ou menos o que eram aquelas peças", conta, ressalvando que muitos conhecimentos eram intuitivos.

Aprofundamento

Por iniciativa de pessoas que conheceram sua história, Crispim começou a fazer cursos para aprofundar seus conhecimentos. Entre eles, houve um que o ensinou a identificar após análise de bancos de areia, quais regiões poderiam abrigar sítios arqueológico. Sua curiosidade e conhecimentos o fizeram participar de inúmeros eventos em todo o Estado.

A repercussão foi tamanha que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi ao local para realizar pesquisas, identificar e catalogar todos os materiais. Durante três meses, uma equipe do Instituto esteve realizando esse trabalho em Ponta Grossa e foram constatados que os materiais abrangiam épocas desde a pré-história, até a nossa história, com o povoamento do Ceará naquela região.

Ao todo, foram catalogadas 4.443 peças. Josué conta que ainda há cerca de duas mil peças que não estão neste registro. Para comportar todo esse material, hoje uma antiga igreja abriga as peças. Todas ensacadas, numeradas e espalhadas em caixas por todo o prédio. No entanto, as condições precárias da estrutura, que é alugada pela Prefeitura, pode comprometer todo o achado. "Aqui tem rachadura, cupim, o teto de PVC ameaça cair. Minha preocupação é que no inverno a gente possa perder esses materiais", lamenta.

O problema intensifica a luta de Josué na construção de um museu na comunidade de Ponta Grossa. O colecionador vem insistindo nesse projeto junto às instituições públicas e privadas nos últimos 18 anos. É um sonho que ele se recusa a abandonar, devido a sua importância para a comunidade e para o Estado. "Isso daqui é a nossa história, conta sobre nosso povo, nossa comunidade e conta também sobre todo o Ceará. Não pode ser um acervo guardado pelo resto da vida. As pessoas têm que ter acesso, para conhecer e preservar os sítios arqueológicos aqui na região" enfatiza Josué.

Segundo o arqueólogo do Iphan/CE, Thalison dos Santos, a maioria das descobertas de sítios arqueológicos é feita no âmbito de licenciamentos ambientais de empreendimentos os quais realizam pesquisa arqueológica em observância à legislação brasileira. No caso específico da faixa costeira entre Aracati e Icapuí, a maioria das descobertas de sítios arqueológicos está ligada à realização de pesquisas arqueológicas prévias à instalação de usinas eólicas, linhas de transmissão, gasodutos etc. "Atualmente, dispomos de 73 registros de sítios arqueológicos pré-históricos e históricos, como o próprio centro histórico de Aracati, que é registrado como sítio arqueológico desde 2008, na base de dados nacional que se encontra disponível no site do Iphan", conta.

Disponibilidade

Josué ressalta que esse número de sítios é superior, já que muitos se encontram em fase de pesquisa e não foram incluídos na base nacional, como é o caso da região entre o Cumbe e Canoa Quebrada, onde há uma área arqueológica com aproximadamente 65 sítios arqueológicos e apenas algumas fichas de registro encontram-se disponíveis online. Entre os fatores que demonstram a evidência de povos nas regiões, cita que a exploração dos recursos flúvio-marinhos como peixes e mariscos, influenciou alguns povos a dividir suas áreas de exploração; como, por exemplo, os Tremembé e os Tabajara, que por volta de 1615, litigavam por territórios de pesca e caça na zona da praia de Jericoacoara.

"Outro fato importante, que também foi considerado pelos portugueses quando da colonização do Ceará, foi a utilização dos rios nas suas pretensões, não apenas pelo fato de proporcionarem água doce, mas também pelo fato de se converterem em importantes vias de penetração e de ligação entre o litoral e o sertão", acrescenta.

No caso da região de Aracati e Icapuí, Santos destacou que o Rio Jaguaribe, o maior rio cearense, tem servido para vários propósitos, desde a ocupação ameríndia até a auto-inserção dos colonizadores. "Muitos outros fatores devem também ter contribuído para a ocupação humana na região de Aracati e Icapuí, mas ainda necessitamos de mais pesquisas para deixar essas questões mais claras", finaliza.