Histórias da fé em Benigna, a menina tragicamente morta que será primeira beata cearense

Nesta sexta-feira, Benigna Cardoso completaria 93 anos

O destino do mecânico aposentado Tarcisio Linard mudou numa manhã de sábado. De folga, foi chamado para consertar uma tubulação de fermento líquido que havia rompido. Ao final do serviço, o degrau da escada quebrou, derrubando-o. Na queda, fraturou sua mão e, acidentalmente, também mergulhou no tanque do próprio fermento. O contato com a substância causou tétano, oferecendo o sério risco de amputação do membro. 

Natural de Santana do Cariri, na época do acidente Tarcísio morava há 40 anos em São Paulo, trabalhando como mecânico. Angustiado com o risco de perder a mão, lembrou de rogar com a santa popular de sua cidade natal, a menina Benigna Cardoso da Silva, presente na sua vida desde a infância. “Minha mãe a conheceu e cresci rezando por ela”, lembra.

Aclamada como “heroína da castidade”. Benigna Cardoso completa 93 anos de nascimento, nesta sexta-feira (15). Prestes a se tornar a primeira cearense beatificada — a cerimônia aconteceria em outubro do ano passado, mas foi adiada pelo Vaticano por causa da pandemia da Covid-19 — a menina coleciona relatos de milagres e graças alcançadas junto aos moradores de sua pequena cidade, que possui cerca de 17 mil habitantes.

O milagre de Tarcísio 

Um desses relatos é o do Tarcísio. No hospital, os médicos atestaram que a melhor solução era mesmo a amputação da mão dele, para evitar que a infecção não se alastrasse para o restante do braço. “Eu não queria aquilo”, desabafa. 

Após dois dias internado, dois médicos entraram em seu leito e apontaram a solução através de um intervenção cirúrgica, que drenaria a infecção. No dia seguinte, às 9h, foi operado. “Eu concordei, mas queria anestesia local para ficar acompanhando, porque tinha muito medo de amputar a minha mão”, conta. 

O procedimento foi um sucesso. No dia de sua alta hospitalar, Tarcísio foi preencher a documentação e agradecer aos médicos responsáveis pela cirurgia. No entanto, para sua surpresa, os funcionários do hospital afirmaram que não houve nenhuma operação. “Me falaram que tinham apenas engessado meu braço”, narra. 

Surpreso, o próprio mecânico tirou o gesso e mostrou a suturação na sua mão, cicatriz que carrega até os dias de hoje. “Aí ficaram sem saber, mas a atendente disse: ‘Aqui é que não foi [a cirurgia]’”. 

. “Logo entendi que recebi um milagre e não pensei duas vezes em voltar para Santana”, lembra emocionado.

Apesar de muitos duvidarem do seu milagre, Tarcísio decidiu retornar para sua terra natal, que deixou aos 13 anos, com toda sua família constituída na capital paulista. A volta aconteceu em 2013. A poucos metros do santuário em memória da jovem, construiu sua casa e, desde então, vive realizando trabalhos voluntários ali.

“Eu recebo os romeiros, levo até o local do martírio, tiro fotos e coloco em minhas páginas nas redes sociais. Como já consegui monetizar, escolho cinco famílias e dou cestas básicas a elas. Consigo viver com minha aposentadoria e, por isso, todos os dias estou disponível no santutário”, detalha. 

Sua promessa de ajudar o santuário de Benigna se manterá até o dia em que for oficializada a beatificação. “Eu nunca tive dúvida e vivo todos os dias para ela. No fim da tarde, vou sempre ao local do martírio agradecer e pedir por minha família e amigos. Quem pede para acender uma vela, a qualquer hora, eu vou. Continuo fazendo meu trabalho”. 

Cuidado

A dedicação de Tarcísio com a “causa Benigna” é semelhante à da aposentada Maria Júlia da Silva, 84 anos, conhecida como Nair. Apesar de ter sido contemporânea dela, Nair nunca teve forte contato com sua santidade até iniciarem o processo de beatificação. Porém, em 2016, recebeu como “missão” a tarefa de cuidar da pequena estátua da jovem, que fica na entrada da cidade acompanhando o letreiro de Santana do Cariri, em frente à sua casa. 

O cuidado com o monumento é diário. Nair chega a limpar todos os dias e cuida das flores que ficam ao redor. Além disso, nutre um zelo tremendo com a imagem. Certo dia, uma forte chuva e vento quase causaram a queda da estátua. Imediatamente, a aposentada foi em seu socorro e trouxe a Benigna para sua casa.  

Após o incidente, a estátua passou por manutenção e ficou alguns dias longe dela. Incomodada, Nair chegou a ir ao próprio salão paroquial, onde a imagem da santa estava depositada, e limpá-la. “Eu disse ao padre que queria ela de volta até o fim do mês e perturbava ele por isso todos os dias na missa”. 

Com o tempo, a tarefa também se tornou devoção e Nair vai, todos os anos, para a romaria de Benigna. Quando seu filho adoeceu com uma infecção na perna, apegou-se à menina pedindo que evitassem a amputação do membro.

Comecei a rezar e dava aqueles arrepios. Eu sonhava com ela. Me peguei com ela que até chorei, não vou mentir. Com quatro dias, meu filho já estava sarando”, garante. Ao ver sua beatificação próxima, a aposentada festeja, mas pede: “Quero ver ela santa, no altar da igreja”
Maria Júlia da Silva (Nair)
Aposentada

Romaria

No dia 24 de outubro, data de morte de Benigna, Santana do Cariri recebe cerca de 30 mil fiéis, segundo estimativa da Secretaria de Turismo do Município. Porém, as visitas já acontecem em diversos períodos do ano, principalmente, em cumprimento de promessas. Francisca Benedita de Jesus, por exemplo, do distrito de Dom Leme, foi até o santuário cumprir uma graça alcançada pela sua sobrinha, Maria Aparecida dos Santos. 

No dia 18 de outubro do ano passado, Aparecida sofreu um grave acidente de moto. Socorrida às pressas ao Hospital Regional do Cariri, ela passou três dias sem conseguir um leito na unidade de terapia intensiva (UTI). Foi aí que Benedita, em súplica à Benigna, rezou pedindo uma vaga para sua sobrinha. “Pedi aos pés da imagem chorando, até que apareceu a vaga num espaço de uma hora”. 

Após 32 dias internada e, desses, 16 na UTI, Aparecida recebeu alta. No dia 3 de outubro último, em devoção, foi com sua tia cumprir a promessa que, no seu olhar, acabou salvando sua vida. “Todo dia rezo e agradeço por mais um dia de vida”, resume Aparecida. Juntas, as duas rezaram um terço no santuário e soltaram uma caixa de fogos em memória da “Heroína da Castidade”. “Eu acredito que foi um milagre”, completa Benedita. 

Celebrações

A partir desta sexta-feira (15), até o próximo dia 24, data que marca os 80 anos da morte de Benigna, acontece a tradicional romaria em sua memória. A programação começou mais cedo, com missa no seu santuário, no distrito de Inhumas. Neste período, diariamente haverá missa às 19h, na Igreja Matriz de Sant’Ana com transmissão ao vivo nas redes sociais da paróquia. 

Ainda na sexta acontece uma live de preparação das relíquias de Benigna Cardoso. Segundo o padre Tiago Henrique, a preparação destas relíquias tem importância significativa para a Igreja. “A sagrada escritura é repleta de fundamentação. Um processo de beatificação ou canonização, é comum que faça a preparação das relíquias, que numa definição mais simples, é a presença física de um santo”, explica. 

Durante o processo de beatificação, a Igreja exige que os restos mortais passem por um tratamento para sua conservação. No caso de Benigna, isso aconteceu em janeiro.

“As vestes que pertenceram ou os pedaços de tecido que envolveram os ossos durante o tratamento são relíquias que são entregues ao povo para sua devoção. Onde a relíquia estiver, ela estará”. O primeiro pedaço de pano foi exibido hoje, mais cedo, na missa que houve no santuário. 

No dia 24, o desfecho das atividades contará com celebrações às 6h no santuário, uma missa campal em Inhumas às 9h e, às 11h, outra missa na Igreja Matriz. Às 16h30 acontece o terço e a bênção do sacramento no Santuário, de onde parte, em seguida, a tradicional condução de seu quadro até a paróquia de Sant’Ana. Às 18h, acontece o encerramento.