Feira orgânica mais antiga do Cariri volta a funcionar após mais de um ano

As barracas foram erguidas novamente na última sexta-feira (29)

De importante impacto na economia da agricultura familiar, as feiras de produtos orgânicos estão retornando aos poucos em todo o Ceará, desde a liberação pelo Governo do Estado

A mais antiga do Cariri, a Feira Agroecológica de Crato, criada há 18 anos, ergueu novamente suas barracas na última sexta-feira (29) pela primeira vez desde a chegada da pandemia da Covid-19 no Ceará. Ainda com número de clientes discreto, a volta foi comemorada pelos produtores.

Sem a feira por mais de um ano e quatro meses, José Coelho da Silva, do Sítio Páscoa, teve que se adaptar. Chegou a vender no mercado municipal e na própria comunidade, mas com os rendimentos caindo pela metade.

Num dia, chegava a apurar cerca de R$ 150 com tomate, couve, rúcula, alface, coentro, cebolinha e outras verduras e legumes. “A feira fez muita falta e não cheguei a fazer entrega porque não tinha esse negócio de celular”, desabafa.  

No sábado, o agricultor voltou a montar sua barraca, que fica em frente à Associação Cristã de Base (ACB), organização que com os agricultores assistidos por ela criou a Feira Agroecológica, na Rua dos Cariris. “A volta foi até boa. Vendi umas coisinhas, mesmo com pouca gente sabendo. Hoje, já vi os clientes e contei. Vai melhorar daqui pra frente”, projeta. 

Apesar da liberação do funcionamento das feiras livres em alguns momentos da pandemia, a ACB e os agricultores optaram por adiar essa volta justamente para preservar a saúde dos comerciantes, que, em sua maioria, são idosos. Com o avanço da vacinação, o retorno foi melhor acolhido.  

Incentivo e valorização

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Orgânicos e Ecológicos do Cariri, o agricultor Expedito Guedes, a volta das feiras orgânicas é importante para os dois lados: produtor e clientes. “É uma forma de garantir o incentivo e a valorização da agricultura familiar, além de levar ao consumidor uma melhor saúde. Ele sabe da procedência e enxerga que está protegendo a vida, além de contribuir para a renda”, acredita.  

Ainda na visão de Expedito, as feiras orgânicas e seu estímulo representa o fim da figura do “atravessador”, aquele que intermedia a compra dos produtos da agricultura familiar para mercados e supermercados. “Compra abaixo do valor e o consumidor também é impactado porque não sabe a origem daquele produto”, completa. 

Adaptação

Neste período sem a feira, alguns agricultores conseguiram, através da divulgação de sua produção nas redes sociais, manter as portas abertas para seus clientes. As compras acontecem por encomenda com entrega à domicílio.

No caso de Ronaldo de Góes, do Sítio Bebida Nova, a alternativa foi um sucesso. “Já tinha a lista de clientes e postei sem pretensão e começou a rodar por todo canto”, lembrou. Mesmo assim, admite um impacto sem as feiras. “Caiu uns 50%. O cliente na feira leva o que tem. Vai à procura de uma coisa e acaba levando outra”, explica.  

A agricultora Ana da Silva, que costumava apurar entre R$ 250 a R$ 280 por dia como feirante, levando legumes, verduras e galinha caipira, foi fortemente afetada pela pandemia.

A alternativa foi vender em sua comunidade, “mas foi coisa pouca”, confessa. Apesar de não ter voltado ainda por problemas de saúde, confessa: “Estou com saudade. Não é só as vendas, mas o encontro com as pessoas, amigos que fizemos”.  

Foi por iniciativa de Ana e sua amiga Maria Agostinho, ambas do Assentamento 10 de abril, que a Feira Agroecológica de Crato foi criada. De forma espontânea, as duas juntavam alface, galinha, couve, ovos, abobrinha num balaio e vendia para os funcionários da ACB. O sucesso criou a feira ao ar livre toda sexta-feira, a partir das 5h. “Essa é a ‘mãe’ de todas as feiras orgânicas do Cariri”, gosta de classificar a agricultora.  

Expansão

Em 2014, outras três feiras foram criadas pela ACB, em Santana do Cariri, Nova Olinda e Milagres. Todas elas funcionam semanalmente, aos sábados, no centro das cidades.

Em Juazeiro do Norte, a Associação Agroecológica Mãe Natureza, criada pelos próprios agricultores, conduz outras duas feiras, no Cariri Garden Shopping, e outra em Caririaçu. Ainda na terra do Padre Cícero, há outra venda na Praça José Geraldo da Cruz.   

 Através de projetos, outra ONG, a Flor do Piqui, de Crato, também ajudou a criar e consolidar feiras orgânicas em Abaiara, Brejo Santo e Potengi.

Já por iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, em Mauriti, também há outra feira em frente à instituição. Enquanto em Crato, que foi pioneiro em todo o Estado, viu o comércio de orgânicos crescer, na Encosta do Seminário, toda quarta-feira, na Praça Bicentenário, aos sábados.  

Até 2012, em todo Ceará, apenas oito feiras orgânicas existiam. “O Cariri cearense tem experiências inspiradoras em relação à organização de agricultores em torno da produção agrícola livre de veneno e baseada em uma economia solidária”, reforçou a professora e engenheira agrônoma da Universidade Federal do Ceará (UFC), Maria Inês Escobar.