Após mais de um ano e meio, romeiros vão a Juazeiro do Norte festejar Nossa Senhora das Dores

Mesmo com poucas pessoas, esta é a primeira romaria, desde o início da pandemia, onde foi permitida a chegada dos devotos

Aos 81 anos de idade — destes, 64 dedicados à vida de romeiro do Padre Cícero —, João Antônio da Silva cravou: “Antes de morrer, tenho que ir pro Juazeiro”. E assim o fez. O idoso é um dos fiéis que vieram à primeira romaria desde o início da pandemia, há um ano e meio, na qual foi permitida a chegada dos devotos.

O medo pela pandemia da Covid-19 afetou a própria família de João Antônio, que, mesmo devota, preferiu ficar em Chã de Alegria, no Pernambuco. Ele, pelo contrário, mesmo com idade avançada, organizou um ônibus e levou mais 50 pessoas até Juazeiro do Norte para a Romaria de Nossa Senhora das Dores, padroeira da cidade.  

O reencontro do pernambucano com a terra do “padrinho”, como o sacerdote e fundador da cidade é carinhosamente chamado pelos romeiros, foi de muita emoção.

“Eu chega vinha sonhado com isso. Foi a primeira que vi isso. Uma carência tão grande como agora”, confessa o aposentado, que de chapéu, sentado em frente a pousada que alugou, comemora, pelo menos, pisar na terra que considera santa. 

Menos devotos que o habitual

O retorno dos devotos não repetiu o grande número de pessoas que Juazeiro do Norte se acostumou a receber. Em 2019, por exemplo, a Secretaria de Turismo e Romaria do Município estimou que 250 mil pessoas circularam na cidade durante os festejos da padroeira.

“Está mais parado (neste ano). Isso foi a doença e também porque tem muita gente parada, sem trabalhar, sem ter dinheiro até para comer”, acredita João Antônio. 

"Nunca imaginei"

Desde os quatro anos de idade, a alagoana Lucília Santos da Silva, 58, visita a “capital da fé” duas vezes por ano. Da cidade de Atalaia, em Alagoas, trouxe mais 48 romeiros em devoção ao Padre Cícero e à “Mãe das Dores”. “Nunca imaginei isso acontecer. Foi preciso que Deus parasse o mundo para que o homem acordasse”, profetiza em relação à Covid-19.  

No ano passado, mesmo sem a romaria em formato presencial, veio até a cidade em carro particular e, aqui, se deparou com um cenário inédito. “Estava tudo fechado e muito pior. Pedi ao Padre Cícero para ajudar e que no próximo ano a situação fosse outra. Hoje, já está diferente”, comemora a romeira, que visita o município duas vezes por ano: nas romarias de Nossa Senhora das Dores, em setembro, e na de Nossa Senhora das Candeias, entre janeiro e fevereiro.  

A fé que traz na sua bagagem se intensificou aos 19 anos de idade, quando Lucília sofreu um acidente que causou fraturas no braço, clavícula e na perna, membro que correu risco de ser amputada. Após 14 meses sem conseguir andar e depois de passar por quatro cirurgias, rogou ao “padrinho” e, contrariando os médicos, deu seus primeiros passos. “Me levantei da cama, já para a cirurgia, e andei”, conta.  

Com sua graça alcançada, decidiu visitar Juazeiro 14 vezes vestida de preto na viagem de ida, e de azul na viagem de volta, as cores que vestem o sacerdote e a padroeira, representando o período que não conseguia andar. “Então, eu sempre consegui várias graças”, garante a romeira.  

Contudo, o retorno à romaria não tem sido o esperado pela maioria dos romeiros pelo baixo número de devotos que visitam a cidade. “Você olha o estacionamento (do Horto) e não tem nenhum ônibus. Faz muita falta. É difícil”, desabafa a alagoana. Por causa da pandemia, um decreto municipal restringiu a capacidade de hotéis, pousadas e ranchos em até 60% da sua capacidade.  

Já a Basílica de Nossa Senhora das Dores, mudou os momentos com caráter de aglomeração, como o show do chapéu, por exemplo, para o formato virtual, com transmissão ao vivo da TV Web Mãe das Dores.

Já a tradicional procissão dos transportes, que aconteceria nesta terça-feira (14), foi suspensa. “Tudo isso faz falta. É um cotidiano que a gente já tem”, acrescenta a romeira.  

Comerciantes animados

Diferente da romaria em memória da morte do fundador da cidade, que aconteceu no último mês de julho, os romeiros não foram proibidos de entrar na cidade. Além disso, a visita aos museus e à estátua do Padre Cícero, na Colina do Horto, foram permitidas.

Só isso já animou os comerciantes que trabalham aos pés do monumento. “O movimento está começando agora. É pouco, mas vai clareando o negócio”, ressalta o fotógrafo Carlos Bezerra Ferreira, que há cinco décadas trabalha ali.  

Contudo, o próprio Carlos reconhece que a expectativa era bem maior: “Se falou que seria 60%, mas não tem nem 30% do que tinha antes”, garante. 

Num dia normal, o estacionamento tinha 80 a 100 ônibus. Hoje, chegaram aqui 25. Caiu muito. Acredito que pela pandemia. Muitos são idosos e ainda não querem vir”
Carlos Bezerra Ferreira
Fotógrafo

Descumprimento do decreto

O decreto municipal proibiu comerciantes de outras cidades a instalar-se na cidade, mas continuam permitidas o funcionamento de barracas e outros tipos de lojas que já desempenham atividades em locais permanentes e que estejam cadastrados junto à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Serviços Públicos (Semasp).

Porém, o que se viu nos arredores da igreja matriz tem sido diferente: ambulantes de vários locais se concentram vendendo rapadura, roupas, artigos religiosos e eletrônicos, entre outros produto.  

O vendedor de ervas medicinais José Luciano de Lima, natural de Garanhuns (PE), foi um dos que resolveram apostar no retorno dos romeiros à cidade. Há 20 anos, sempre comercializa nos eventos religiosos.

“Eu venho porque adoro Juazeiro. Se pudesse, morava aqui. O movimento está fraco, mas tá bom. Tem que conformar com o que Deus dá. Agora é rezar e pedir para que a doença acabe, porque ainda não terminou. Tem gente sem máscara, aí desgraça tudo”, alerta.  

Em nota, a Semasp reforçou que está realizando fiscalizações constantes para assegurar que as determinações estabelecidas em decreto sejam cumpridas. A pasta realizou cadastro pregresso de todos os profissionais que iriam atuar como ambulantes nas ruas da cidade, entregando-lhes crachás de identificação no último fim de semana.

“O uso dos crachás é obrigatório para todos os permissionários públicos cadastrados para a Romaria de Nossa Senhora das Dores”, ressaltou.

A pasta disse ainda que vem mantendo fiscais nas ruas a fim de manter as medidas sanitárias e os demais regramentos. Caso seja encontrado algum ambulante de forma irregular, os agentes solicitarão a desmontagem das barracas, liberando o espaço público ocupado. “Havendo resistência, outras ações podem ser adotadas”, reforçou, sem detalhar. Até o momento, segundo a Semasp, não foram registradas nenhuma ocorrência problemática, tudo segue dentro da normalidade.  

Programação  

Durante a Romaria de Nossa Senhora das Dores, os atos litúrgicos, como missas, ofícios e oração do terço, acontecerão de forma presencial, respeitando os limites de 60% de capacidade de cada templo. 

A Basílica de Nossa Senhora das Dores, que tem capacidade para receber 350 fiéis sentados, poderá receber até 200 pessoas. Já a Capela do Perpétuo Socorro, onde também acontece os atos litúrgicos, chega a acolher 60 devotos. 

 A programação completa está no site da Basílica