Alunos colocam mesa na calçada ou no quintal para assistir aula online no Interior do Ceará

Cerca de 20% de 910 mil alunos matriculados na rede municipal (dados do Censo Escolar de 2020) continuam sem acesso a nenhuma plataforma digital para acompanhamento das atividades pedagógicas.

Alunos colocam mesa de estudos na calçada ou vão ao quintal de casa para tentar pegar sinal de internet para assistir aulas remotas, na zona rural de cidades cearenses. Em Cedro, na região Centro-Sul do Ceará, no distrito de Ubaldinho, encontramos dois exemplos. Entretanto, essa é uma realidade que se estende aos outros municípios desde maio de 2020 a partir do início do ensino à distância após o agravamento da pandemia da Covid-19.

Cerca de 20% de 910 mil alunos matriculados na rede municipal (dados do Censo Escolar de 2020) continuam sem acesso a nenhuma plataforma digital para acompanhamento das atividades pedagógicas.

A aluna Ingrid Bezerra costuma colocar uma mesa em frente à casa para acessar melhor o celular e fazer as tarefas enviadas pelos professores e assistir às aulas remotas. Ela é aluno do nono ano do ensino fundamental, na Vila Ubaldinho.

“Pensava que neste ano iria para a escola com meus colegas, mas até agora nada e já começamos o segundo semestre. Estudo aqui fora porque o sinal (da internet) é melhor”.
Ingrid Bezerra
Estudante

Aplicada nos estudos, Ingrid Bezerra sempre dá uma força para a irmã, Isadora, do 2º ano do ensino fundamental, que tem dificuldades em fazer as tarefas na modalidade do ensino remoto.

Na localidade de Junco, em Cedro, no interior mais distante ainda da área urbana, a aluna Cândida Caroline Hipólito fala da dificuldade em aprender matemática e de acessar a internet.

“Sempre venho ao quintal quando o sinal fica fraco, caindo”, disse.
Ela também lamentou a continuidade da ausência dos alunos na escola. “Ninguém queria que fosse assim e nada substitui a sala de aula”, pontuou.

Apesar das dificuldades, Cândida é uma exceção à realidade da maioria dos alunos que têm pais agricultores, com pouca formação escolar. Ela conta com o reforço e orientação da mãe, Geane Hipólito, que é pedagoga.

“Eu sempre tiro as dúvidas dela, estudamos juntos, mas me preocupa a situação de outras famílias que têm três, quatro filhos ou mais e apenas um celular”, lembrou. “O prejuízo na aprendizagem vem ocorrendo desde o ano passado, mas as aulas remotas são a única maneira de não se perder tudo”.

Vacinação

A diretora da Escola de Ensino Fundamental Leandro Alves Correia, da localidade de Ubaldinho, Ionete Andrade, disse que “talvez em setembro próximo seja implantado o sistema híbrido, mas tudo vai depender do avanço da vacinação e do quadro epidemiológico”.

Para Ionete Andrade “a pandemia do novo coronavírus vai deixar um legado de enorme déficit no processo de aprendizagem, mas não há como dimensionar ainda”.

Após conseguir instalar um sinal melhor de internet, o aluno Samuel Mendonça Morais, do 7º ano da escola municipal da localidade de Bravo, zona rural de Iguatu, voltou neste segundo semestre a acompanhar as aulas remotas.

“Assistir às aulas em casa é melhor do que não estudar, mas prefiro estar na escola”, frisou. “Aqui fora, no quintal é melhor o sinal”.

Impactos

O professor de História e Filosofia, na rede municipal de ensino de Iguatu, Elton Ferreira aponta as distintas realidades no ensino remoto.

“O quadro atual apresenta diversas realidades, alunos com internet, outros sem acesso e há aqueles que têm condições, mas não participam do ensino remoto”, opinou. “Uma coisa é certa, sem o apoio da família o prejuízo na aprendizagem será bem maior”.
Elton Ferreira
Professor de História e Filosofia, na rede municipal de ensino de Iguatu

A secretária de Educação de Iguatu, Marluce Torquato, avaliou que “os prejuízos são enormes e estudos e pesquisas apontam que levaremos bom tempo para corrigir essa defasagem por causa da pandemia e da falta de ensino presencial”.

O tamanho da queda na aprendizagem será conhecido quando houver o próximo Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica (Spaece), que foi suspenso desde 2020.

“A vida escolar dos estudantes foi duramente afetada e quando houver um retorno às aulas, nós teremos uma constatação mais real desse impacto”.
Tereza Cristina Gonçalves.
Pedagoga

A professora e doutora em Educação, Silvana Holanda, estima que entre 50% e 60% dos alunos participam efetivamente, interagem, mas outros não nos dão retorno. “Os que têm apoio da família tiveram evolução no aprendizado”.