Troca de partidos: deputados apostam em lealdade para manter bases eleitorais de prefeitos no Ceará

Eles esperam apoio do Governo em territórios estratégicos no Interior

Deputados estaduais têm apostado na "lealdade" do governador Elmano de Freitas (PT) para manter bases eleitorais no Ceará nas eleições do ano que vem, após mudanças de partidos entre prefeitos. Somente neste ano, diversos gestores eleitos ou em exercício se desfiliaram e embarcaram em uma nova legenda de olho nas eleições municipais de 2024. 

O baque mais recente foi no PDT, que perdeu seis prefeitos nas últimas semanas e está com outros 40 sob ameaça de saída. A agremiação passa por turbulência desde a eleição do ano passado, quando rompeu com o PT no âmbito do Governo do Ceará. O racha acabou dividindo o partido em duas alas: a do senador Cid Gomes (PDT), que defende a aliança com o grupo governista e deve deixar o partido, e a do deputado federal André Figueiredo (PDT) e da cúpula do PDT Fortaleza, que fazem oposição. 

A debandada de gestores do PDT ocorre devido à dificuldade das administrações em sobreviver fora da aba governista, já que a maioria dos municípios cearenses depende de repasses estaduais e federais. Soma-se a esse fator a transição de "ciclo político", com ascensão e consolidação de novas lideranças, como o ministro Camilo Santana (PT) — apontado como um dos principais cabos eleitorais do Ceará — e do governador Elmano de Freitas, que está no comando da máquina estadual, além do rompimento do grupo Ferreira Gomes, com os irmãos Cid e Ciro em lados opostos. É o que apontam especialistas. 

"O que a gente tem no Ceará é que a maioria desses prefeitos e deputados querem estar próximos ao Governo, querem um arranjo de governabilidade. Só que a gente sabe que, na disputa municipal, partidos aliados às vezes querem o mesmo espaço. Às vezes você tem três candidatos aliados do governador, mas que estão disputando uma mesma prefeitura. Então, a ideia é você garantir espaços, garantir que os partidos possam acolher esses nomes, possam preservar os espaços dos deputados" 
Cleyton Monte
Cientista político, professor universitário e pesquisador

'Lealdade administrativa' 

A mudança de sigla, todavia, não impacta somente os gestores, mas também deputados que têm os prefeitos como aliados para manter seus territórios no Interior. Muitos dos parlamentares, inclusive, já passaram pela gestão municipal ou têm familiares no poder das cidades. Com o troca-troca, alguns deles figurarão sem lideranças do Governo petista com seus candidatos na campanha eleitoral.  

Para driblar a limitação partidária, a alternativa é tentar viabilizar apoios à candidatura majoritária nas cidades. Onde não for possível, a aposta fica na "lealdade administrativa" para dar andamento às promessas da administração municipal. Além disso, em entregas das prefeituras, a participação das autoridades nos eventos deve deixar claro a parceria entre os entes. É o que esperam os parlamentares nos bastidores. 

Da base aliada do governador, o suplente de deputado estadual em exercício Audic Mota (MDB) reforça que não "está preocupado" com a mudança de legendas feitas por gestores municipais nos últimos meses. O MDB, por exemplo, perdeu quatro prefeitos — entre eleitos e em exercício — para o PSB em outubro último.  

"O que eu acho é que tem um grau de confiança muito grande no governador, nos compromissos que ele fez. Quem fez compromisso com ele em 2022, tem um grau muito grande de que ele vai cumprir esses compromissos. Esse é o sentimento da base do Governo. É preciso correção, é preciso ter o apoio administrativo, nenhum governo pode abrir mão disso", destacou Audic. 

Os gestores de Paramoti, Telvânia Braz; de Pacatuba, Rafael Marques; de Mulungu, Robert Viana; e de Palmácia, David Campos deixaram o MDB pelo PSB, que desde agosto passou a ser comandado pelo ex-deputado Eudoro Santana, pai do ministro Camilo Santana. Sob o comando de Eudoro, a legenda embarcou de vez no arco governista. 

A mudança de legenda foi anunciada pelo secretário de Assuntos Federais do Estado, Leonardo Araújo (MDB), ao qual os gestores são fortemente aliados. Apesar de ser do MDB, Leonardo Araújo é rompido com o presidente da sigla no Ceará, deputado federal Eunício Oliveira (MDB). 

Também da base do governador, o deputado Lucinildo Frota (PMN) é outro que espera manter alinhado com o arco governista de olho na eleição do ano que vem. O parlamentar pretende sair como candidato à Prefeitura de Maracanaú em 2024. Para isso, ele já entrou com ação para desfiliação do PNM por “justa causa” — já que o partido é base do atual prefeito da cidade, Roberto Pessoa (União) — e tem flertado com partidos do arco de alianças governista, como MDB, PP, PSD, e até com o PDT, que não faz parte da base de Elmano. 

“A gente acredita na lealdade administrativa, a gente sabe que não vai dar para compor junto em todos os municípios”, diz Lucinildo sobre apoio do Governo. 

“Já tenho vários convites, do MDB, PP, do PDT, do PSD, mas eu estou analisando qual o cenário melhor. Eu me sinto preparado, mas não é só estar preparado, o candidato tem que ter estrutura partidária, tem que ter apoios políticos e uma envergadura para disputar com chances reais”, acrescenta. 

Em Maracanaú, a disputa deve ser polarizada entre as legendas do arco governista. Além do prefeito manter uma proximidade administrativa com o governador, o deputado estadual Júlio César Filho (PT) é outro que tem interesse em lançar candidatura no Município. 

Em 2020, quando ainda era filiado ao Cidadania, o parlamentar saiu como candidato com o nome de urna “Julinho líder do Camilo”, para remeter à imagem do ex-governador, tendo em vista que o PT lançou o ex-vereador Daniel Baima como candidato à época. 

Coalizão de forças 

Professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Monalisa Torres explica que, devido à coalizão de forças que integra a base do Governo Elmano, nem todos os aliados poderão ser contemplados na mesma legenda. Por isso, em algumas cidades os candidatos filiados ao PT devem ter vantagem ao "colar" na imagem do governador, do ministro Camilo e do presidente Lula (PT). 

Todavia, nos municípios, a disputa tem peculiaridades próprias com protagonismo de lideranças locais. Assim, as legendas que integram a base aliada podem ser adversárias localmente sem interferir na aliança governista. Isso, claro, a depender da atuação dos líderes nos bastidores, como avalia Monalisa.  

"Vai depender da própria atuação e desempenho nos bastidores. Historicamente o Ceará tem conseguido fazer isso (manter lealdade administrativa), acho que o grupo dos Ferreira Gomes foi muito pedagógico nesse sentido. Embora os seus aliados estivessem distribuídos em legendas diferentes, todas elas eram legendas da base aliada e todas elas tinham um certo nível de lealdade administrativa (nos municípios)" 
Monalisa Torres
Professora de Teoria Política da Uece

Costuras 

As costuras políticas para contemplar aliados, inclusive, já estão em andamento. Dos seis prefeitos que deixaram o PDT recentemente, cinco se filiaram ao PT e um ao Podemos. São eles: 

  • Uruoca: Kennedy Aquino, que deixou o PDT e anunciou filiação ao PT 
  • Granja: Aníbal Filho, que deixou o PDT e anunciou filiação ao PT 
  • Chaval: Sebastiãozinho, que deixou o PDT e anunciou filiação ao PT 
  • Barbalha: Dr. Guilherme, que deixou o PDT e anunciou filiação ao PT 
  • Icó: Laís Nunes, que deixou o PDT e anunciou filiação ao PT 
  • Limoeiro do Norte: Dilmara Amaral, que deixou o PDT e anunciou filiação ao Republicanos 

As mudanças possibilitaram que os gestores continuem na base aliada do governador. O Podemos, inclusive, foi assumido pelo prefeito de Aracati, Bismarck Maia, em maio deste ano, em acordo articulado por Cid Gomes e Camilo Santana para levar o partido para a situação.  

Além disso, a legenda passou a ser uma possibilidade para acolher dissidentes pedetistas e outros aliados. Com a mudança realizada no início do ano, Bismarck tenta articular a disputa nos municípios de interesse do seu grupo, seja para emplacar um cabeça de chapa seja para firmar apoios. Como está no segundo mandato, ele não vai disputar a Prefeitura de Aracati em 2024, mas deve lançar um sucessor.  

O território, que é berço do suplente de deputado estadual em exercício Guilherme Bismarck (PDT) e do federal Eduardo Bismarck, filhos de Bismarck Maia, já foi alvo de disputa entre membros da base aliada governista. Em 2022, a vice-prefeita da cidade, Denise Rocha (PT), rompeu com o grupo do prefeito e lançou candidatura a deputada estadual com críticas à atual gestão de Aracati. 

Apesar do rompimento, o grupo do atual gestor espera escolher um nome para a disputa pela prefeitura da cidade que receba apoio do arco de aliança governista. É o que aponta o deputado Guilherme Bismarck. 

"O Governo está de olho lá, nós temos tido ótimas conversas com o Palácio da Abolição, secretários, para chegar um nome que eles possam apoiar e compor talvez a chapa" 
Guilherme Bismarck (PDT)
Deputado Estadual

Nessa articulação, Guilherme Bismarck destaca alguns nomes de pré-candidatos que já são cotados para a disputa, como os dos vereadores Marcelo Porto (PDT), Roberta Cardoso (PDT), Dr. Xavier (MDB), Doutor Falcão (PV), além do assessor do prefeito Felipe Costa Lima e da secretária de Educação de Aracati, Ana Mello. Caso um dos pedetistas seja o nome escolhido, eles provavelmente deixariam a legenda para se candidatar e ter apoio de lideranças do grupo governista. 

Guilherme está no grupo de deputados do PDT que devem deixar a legenda junto com o senador Cid Gomes. 

Ida para o PSB 

O cientista político Cleyton Monte ressalta, ainda, que as mudanças de partidos "são muito calculadas". Por isso, segundo ele, a debandada de pedetistas para o PSB busca manter o grupo político liderado pelo senador Cid Gomes unido e próximo do governo.

Para ele, a mudança de prefeitos e deputados do PDT para o PSB, assim como para outros partidos, são pragmáticas, já que a legenda é escolhida de acordo com as condições que são ofertadas para a disputa eleitoral do ano que vem. 

"A gente fala muito de partidos, mas, na visão das lideranças políticas, praticamente não existem partidos, existem grupos políticos. E seguem líderes, como um Elmano, um Cid Gomes, um Eunício Oliveira, um Domingos Filho, um Acilon Gonçalves. Essa identidade partidária fica em segundo plano em nome do pragmatismo. Então, qual partido vai me dar mais chances de disputar uma eleição para município e nesse ponto entra o apoio do deputado estadual", acrescenta. 

Por isso, segundo a professora Monalisa Torres, o movimento de Cid Gomes é tão importante, já que o senador tem o desafio de manter um grande grupo unido em outra legenda. 

"Uma figura que eu estou particularmente muito atenta é o Cid, com que força ele irá para esse novo partido, e falo força no sentindo de carregar essas lideranças, de manter esse grupo coeso e organizar esse grupo em um partido só ou em poucas legendas que ele consiga de alguma forma influenciar", frisa a professora sobre a articulação do senador. 

O anúncio oficial de filiação do senador ao PSB deve ocorrer até 4 de janeiro. Para disputar a eleição do ano que vem, os pretensos candidatos precisam estar filiados a uma legenda até abril de 2024.