Senador vitalício: os impactos da proposta rejeitada no passado que o Centrão quer emplacar em 2021

Articulação pretende dar como alternativa a Jair Bolsonaro a possibilidade de não concorrer à reeleição, mas garantir privilégios

Já proposta – e rejeitada – ao menos duas vezes nos últimos 20 anos, a criação do cargo de senador vitalício para acomodar ex-presidentes da República voltou, há cerca de dois meses, a ser ventilada em Brasília. A ideia da articulação, encabeçada por caciques do Centrão, é dar como alternativa ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a possibilidade de não concorrer à reeleição, mas garantir a ele privilégios, como o foro privilegiado. 

A “Operação Blindagem”, como é conhecida nos bastidores da política, foi revelada pelo podcast Papo de Política, do G1. A ideia é que uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) contemple todos os ex-presidentes. Os ex-mandatários do Executivo teriam a vaga no Senado Federal garantida, além de imunidade parlamentar e direito a serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, não poderiam participar de votações na Casa.

Entre cientistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste, a avaliação é de que a proposta pode gerar repercussões negativas para o Poder Legislativo e também impactar a imagem de Bolsonaro frente à sua base.

“Auto-interesse”

Para o cientista político e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Cláudio André de Souza, a eventual aprovação de uma proposta desse tipo trará danos à imagem do Legislativo perante a opinião pública. 

“A sociedade brasileira, historicamente, mantém uma desconfiança no legislativo brasileiro, visto como um espaço repleto de privilégios pessoais, busca pelo auto-interesse e ‘pouco trabalho’. Esta medida pode ser vista desta forma”, alerta. 

A cientista política Gabriella Bezerra, professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC), acrescenta que a criação de mais privilégios também pode impactar diretamente a imagem do atual presidente, que seria diretamente beneficiado com a PEC. 

“O cenário da eleição de Bolsonaro foi um em que a Lava Jato estava em seu ápice, com figuras de grande destaque sendo presas e expostas. A própria campanha dele tinha um tom de combate a privilégios. (...) Então é uma proposta muito estranha se observarmos de onde ele vem e como foi eleito, o que mobiliza a base bolsonarista”, avalia a pesquisadora. 

“É estranho também que o Centrão esteja disposto a salvar alguém com a popularidade tão baixa. É interessante observar se esses eventos não fazem parte de estratégias futuras para passar a ter prerrogativa dessa proteção. Ainda assim, se apresenta como uma contradição, mostra como a política é muito mais complexa”, afirma Gabriella. 

A um ano de uma nova disputa eleitoral, uma das possibilidades para a proposta do Centrão é que Bolsonaro possa desistir de uma eventual disputa pela reeleição e apoiar um nome indicado pelo grupo de políticos. O professor Cláudio André de Souza, no entanto, pondera que, como se trata de uma articulação de bastidores, a proposta ainda precisa ser concretizada e detalhada.

“Esta proposta afeta o cenário, em especial, porque pode dar a entender que os políticos ex-presidentes querem continuar na política sem precisar de voto. Como outros sistemas políticos adotam a medida, tratando-se de uma medida republicana, o melhor é que este debate seja feito com mais tempo e mobilização de ideias, após as eleições nacionais”, afirma.

De novo

A ideia de criar o cargo de senador vitalício para ex-presidentes não é nova. Em 2002, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) chegou a aprovar uma PEC que criava o cargo. 

A regra passaria a valer para os presidentes eleitos após a aprovação da legislação, ou seja, não beneficiaria o então presidente Fernando Henrique Cardoso nem os ex-presidentes Itamar Franco e Fernando Collor de Mello. A matéria acabou arquivada no ano seguinte pela Câmara dos Deputados. 

Em 2015, em meio à votação da reforma política, novamente uma PEC com a intenção de criar o cargo de senador vitalício – e vetar a participação em novas eleições de ex-presidentes – foi apreciada pelos parlamentares. A proposta também foi rejeitada na Câmara.