Sem acordo sobre a repartição dos recursos das emendas de bancada, os 22 deputados federais e os três senadores cearenses irão fatiar a aplicação dos R$ 284 milhões para ações no Ceará em 2023. A decisão foi tomada na sexta-feira (11), durante reunião virtual, e será homologada nesta segunda-feira (14). Cerca de 15 dos 25 parlamentares participaram do encontro.
Este é mais um ano em que os parlamentares não chegam a um consenso sobre indicação das emendas de bancada. Em 2021, o tema também foi alvo de impasse entre eles. Enquanto uma parte defendia que 50% dos recursos fossem destinados ao Governo do Estado, para aplicação nas obras do Hospital da Universidade do Estado do Ceará (Uece), outra parte queria investir de acordo com seus compromissos firmados com instituições e prefeituras.
Sem consenso, cada parlamentar deve indicar para onde sua fatia da verba irá conforme seus interesses. Neste ano, a situação se repetiu. Assim, os R$ 284 milhões em emendas de bancada de 2023 serão fatiados em 16 emendas a serem apresentadas à Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023 pela bancada do Ceará. Cada um dos representantes terá direito a indicar cerca de R$ 11,3 milhões para serem investidos pelo Governo Federal em algum projeto no Estado.
Até a manhã desta segunda (14), havia previsão de envio de emendas para universidades federais no Ceará, para a superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Estado, para Prefeitura de Fortaleza, para o Governo do Ceará e para a construção de uma policlínica em São Gonçalo do Amarante.
Como há mais parlamentar do que emendas, eles terão que chegar a um acordo sobre quanto cada órgão irá receber.
Teses defendidas
Uma das teses defendidas pelos parlamentares é que, da totalidade dos recursos de emendas de bancada, 50% fossem enviadas para o Governo do Ceará. Como não houve acordo e os parlamentares foram liberados para destinar sua fatia da verba como preferirem, o Poder Executivo deve receber cerca de R$ 76 milhões em 2023 de emendas de bancada – 26,7% do total, conforme explica o deputado federal Mauro Filho.
"Conseguimos que R$ 76 milhões fossem destinados para o Estado. Eu tinha feito a ponderação de que todo mundo deveria fazer pelo menos o que foi feito ano passado (enviar uma boa parte dos recursos). Esse valor deve ir para o Hospital da Uece", explicou.
A outra tese defendida por parlamentares de oposição e até alguns da base governista é que a bancada fosse liberada e cada um dos parlamentares indicasse o destino da verba. Essa tese saiu vitoriosa. Vale ressaltar que a verba que for destinada ao Poder Executivo do Ceará será utilizada na administração do governador eleito, Elmano de Freitas (PT).
Para o deputado Capitão Wagner (União), a divisão da verba entre os deputados e senadores garante compromissos assumidos pelos parlamentares com suas bases. Ele reforçou que a liberação da bancada foi apoiada, inclusive, por aliados do Governo Estadual.
"A gente defende, repito, que o recurso venha para o Estado do Ceará, mas conforme os entendimentos e compromissos que cada parlamentar fez, como acontecem em todos os estados", destacou Capitão Wagner.
O senador licenciado Cid Gomes (PDT) era um dos parlamentares da base governista cearense que defendia que 50% dos recursos fossem para o Poder Executivo do Ceará. Todavia, a tese não contou com apoio de integrantes de oposição nem de alguns correligionários de Cid.
Mesmo licenciado, ele chegou a participar da primeira reunião sobre o tema, na última quarta-feira (9), e convidou a bancada para discutir o assunto na Assembleia Legislativa, nesta sexta-feira (11). Poucos, no entanto, compareceram ao evento.
Para Cid, os recursos da emenda de bancada estão sendo "desvirtuados".
"Emenda de bancada passou a ser 1/25 de 22 deputados e três senadores. Não está correto. E a gente deixa de ter um projeto estruturante no Estado. E eu não estou falando de pouco recurso, não. Se dividir por 25, dá R$ 11 milhões de "emenda de bancada" para cada deputado. Mas estou falando de quase R$ 300 milhões. Com R$ 300 milhões, penso eu, a gente resolveria, por exemplo, uma demanda de construir um hospital infantil regional em Maracanaú", destacou antes da decisão sobre a distribuição dos recursos.
Defensor da mesma tese de Cid, o deputado federal Eduardo Bismarck (PDT) disse, na sexta-feira, que haveria uma disputa política até o último minuto do prazo para apresentar as indicações das emendas de bancada. Um relatório deve ser entregue pelo relator da bancada cearense, deputado federal Junior Mano (PL). "Vai ser uma disputa política até lá", acrescentou.
Sessão Especial esvaziada
Na sexta-feira, horas antes da reunião da bancada que definiu como os recursos seriam repartidos, os parlamentares foram convidados para uma sessão especial, na Assembleia Legislativa do Ceará, para debater a distribuição das emendas de bancada com o senador Cid Gomes (PDT), prefeitos e entidades.
No entanto, apenas três deputados federais compareceram ao encontro: Idilvan Alencar (PDT), Eduardo Bismarck (PDT) e Leônidas Cristino (PDT). Já entre os senadores, Júlio Ventura (PDT), que está em exercício durante a licença de Cid, também esteve presente.
No mesmo horário da sessão especial, o presidente do PDT, deputado federal André Figueiredo, participava de um café da manhã na Câmara Municipal de Fortaleza para deliberar sobre a sucessão da mesa diretora da Casa.
Em paralelo, o deputado federal AJ Albuquerque (PP) estava em uma reunião com o governador eleito Elmano de Freitas (PT) e também não compareceu.
O esvaziamento da sessão especial por parte da bancada já dava indicativos de que não haveria consenso sobre a destinação dos recursos. Na ocasião, inclusive, deputados federais e estaduais presentes deixaram transparecer o mal-estar instalado na bancada federal, cuja a maior parte sequer compareceu.
Falas como "essa reunião agrada a muitos e desagrada alguns" e "nós não estamos interferindo, queremos abrir espaço para o diálogo" estiveram presentes nos discursos dos parlamentares.
Nos bastidores, eles evidenciaram que alguns deputados federais não gostaram do fato de a Assembleia organizar uma sessão especial para discutir com a sociedade e com a bancada federal a distribuição das emendas do Ceará. Como os recursos são indicados no orçamento da União, cabe apenas aos 22 deputados federais e três senadores decidirem como irão aplicar a verba.
Em entrevista, o senador Cid Gomes reforçou que a Assembleia apenas disponibilizou o espaço para discutir o tema em solo cearense, alegando que os deputados federais e senadores não precisariam "pagar passagem para ir para Brasília" para tratar sobre o assunto. Ele isentou, ainda, os deputados estaduais de tentarem interferir no mandato dos federais.
"Para os menos avisados, não se trata de interferência do Poder Legislativo Estadual na representação federal do Poder Legislativo Cearense. Nada disso. Esse ambiente aqui é o mais legítimo de representação do povo cearense"