Uma das principais fontes de recursos dos municípios brasileiros, as emendas individuais impositivas dos parlamentares são também um dos fortes instrumentos eleitorais dos deputados e senadores. O método de distribuição de recursos, contudo, acaba criando desequilíbrios na divisão do orçamento.
A constatação fica clara com o mapeamento dos municípios que mais receberam recursos, aqueles que têm a verba “travada” e, principalmente, as gestões que sequer tem recurso previsto.
No Ceará, enquanto municípios de grande e médio porte, com representação no Legislativo Federal, recebem recursos milionários, pequenos municípios, que dependem dessas verbas para funcionar, recebem valores menores ou às vezes nem recebem.
Conforme a Constituição Federal, os parlamentares são livres para escolher como irão distribuir os recursos. Alguns preferem beneficiar suas bases eleitorais enquanto outros apostam em locais onde possuem baixa votação como estratégia para atrair aliados.
Esse diagnóstico é resultado de um cruzamento de informações disponíveis na Câmara dos Deputados e no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). Ele toma como base os pleitos eleitorais e o envio de emendas individuais impositivas dos deputados federais cearenses até o último dia 30 de novembro. Indicados no ano passado, os recursos foram pagos ao longo deste ano.
Essa reportagem integra a série “Rota das Emendas”, que segue os caminhos dos recursos enviados por parlamentares cearenses aos municípios do Estado e revela como as decisões políticas afetam a distribuição do recurso público. Para este ano, os deputados federais puderam decidir o destino de até R$ 32,1 milhões, já os senadores tiveram à disposição R$ 59 milhões.
No topo
Capital do Estado, Fortaleza recebeu R$ 49,5 milhões em emendas destinadas individualmente por parlamentares ao longo deste ano, mas o valor empenhado é ainda maior, podendo chegar a R$ 53 milhões. Praticamente todo o recurso foi destinado ao Fundo Municipal de Saúde, para custear o atendimento à população na Capital.
O empenho refere-se ao montante em recursos reservado para uma determinada ação pública, já a liquidação ocorre quando constata-se que o serviço foi realizado e, por fim, o pagamento é quando o recurso é efetivamente repassado. Para esta reportagem, o Diário do Nordeste tomou como base os valores de despesas pagas.
Municípios privilegiados
Logo depois de Fortaleza na lista de mais beneficiados aparece Tauá. A cidade é berço de uns dos principais grupos políticos no Estado: a Família Aguiar. Em Brasília, o grupo tem como representante o deputado federal Domingos Neto (PSD), filho do ex-vice-governador Domingos Filho (PSD) e da prefeita de Tauá, Patrícia Aguiar (PSD).
Para a Prefeitura comandada pela mãe, Domingos Neto enviou mais de R$ 14 milhões em emendas. Além dele, o correligionário Célio Studart (PSD) também enviou R$ 6 milhões. Do total, R$ 13 milhões foram destinados à Saúde e R$ 7,6 milhões sob gerência da Prefeitura para investimentos em outras áreas.
foi o valor em emendas individuais que os deputados puderam distribuir
Todos os recursos inicialmente previstos para a cidade já foram pagos. Apesar de constar como orçamento impositivo, em muitos municípios os recursos podem ficar “travados” por pendências entre a prefeitura e a União ou mesmo pela falta de cobrança dos deputados.
Também na lista de municípios que mais receberam recursos está Ipu. A cidade foi beneficiada com R$ 17 milhões em emendas já pagas, sendo R$ 9,8 milhões para investimentos da Prefeitura e R$ 7,4 milhões para a Saúde.
foi o valor em emendas individuais que os senadores puderam distribuir
Outro município com forte influência em Brasília é Parambu, que recebeu R$ 17,2 milhões. Toda a verba teve como origem as emendas do ex-deputado federal Genecias Noronha (PL), que indicou R$ 11,3 milhões para a Prefeitura e R$ 5,8 para a Saúde. O atual prefeito de Parambu, Rômulo Noronha, é sobrinho de Genecias.
O político, que não disputou a reeleição depois de ter sido cassado, manteve a vaga no Congresso Nacional para a família ao conseguir eleger seu filho, Matheus Noronha (PL), como deputado federal no ano passado.
Muita promessa e pouco recurso
Na outra ponta da lista estão municípios que tiveram recursos empenhados, mas até agora nem R$ 1 foi pago. É o caso de Uruburetama, Milagres, Granjeiro, Choró e Capistrano. Somados, foram empenhados cerca de R$ 3 milhões para essas prefeituras neste ano, mas até agora nada foi efetivamente pago ou mesmo liquidado.
No Estado, o montante de recursos que os prefeitos aguardam chega a R$ 169 milhões. Ao todo, para 2023, foi empenhado em emendas individuais de deputados cearenses o valor de R$ 817 milhões e, até agora, foram pagos R$ 648 milhões.
Em visita ao Ceará para receber o título de cidadão, o ministro das Relações Institucionais do Governo Lula (PT), Alexandre Padilha (PT) prometeu o que até o fim do ano o Executivo irá destravar o repasse de emendas para os municípios.
“Estamos com um ritmo acelerado de execução das emendas em todo Brasil, já executamos um valor 80% maior do que foi executado no último ano no governo anterior, não quero nem comparar com o que foi no primeiro ano, não é fácil fazer isso quando você está montando o novo governo, tivemos que reconstruir ministérios inteiros”
De acordo com o político, mais de 80% das emendas empenhadas já foram pagas. “As transferências especiais, que o parlamentar coloca direto no FPM, no ano passado foram de R$ 3,5 bilhões, (o Governo anterior) executou metade, deu um calote de R$ 1,7 bi. Nós já pagamos todo esse pacote e vamos chegar ao final do ano com execução de emendas de transferências especiais. São R$ 7,6 bilhões, já pagamos 75% delas e já começamos a pagar os 25% que restavam, até 31 de dezembro vão estar lá”, concluiu.
Vice-presidente da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece) e prefeito de Jaguaribara, Joacy Junior, o Juju, explica que “sempre vai haver um déficit entre o valor empenhado e o liquidado ou pago”. “Às vezes se empenha mais recurso do que deveria, embora seja crime de responsabilidade, na prática não acontece”, aponta.
O gestor acrescenta que ainda que as emendas sejam pagas, elas demoram até mais de um ano.
“Embora haja a garantia orçamentária, nem sempre é pago no ano indicado. Muitas emendas individuais que seriam alocadas para o próximo ano não serão. O Ministério da Saúde e o Tesouro Nacional são os dois que pagam já no ano que é destinado, mas as que vão para a Caixa, por exemplo, demoram de dois a três anos”
Em meio a essa incerteza sobre os repasses de recursos, o mandatário reclama da dificuldade de gerir um município. “Neste ano sofremos muito porque houve uma demora no pagamento de emendas de custeio da saúde. E hoje as emendas de custeio, elas nos dão um alívio financeiro nas contas municipais. A partir do momento que eu não tenho emendas para comprar medicamento, para pagar médico, veículos, a gente vai ter que aportar recurso do tesouro municipal, recurso esse que já é bem limitado, recursos do FPM e do ICMS”, aponta.
O Diário do Nordeste procurou os prefeitos de municípios que não receberam recursos, mas não houve retorno.
Emendas parlamentares
Como os recursos costumam ser usados?
Quanto os parlamentares tiveram à disposição em emendas individuais para distribuir neste ano?
Como são aplicadas as emendas individuais?
Quais tipos de emendas existem no Brasil?
Quando é feita a distribuição?
O que são emendas parlamentares?