Por que o eleitorado de 16 e 17 anos entrou na mira de políticos e artistas para eleições de 2022

Segundo a Justiça Eleitoral, o número de adolescentes que solicitaram o título é o menor desde a redemocratização, mas tem crescido nos últimos dias

Campanhas no Instagram, hashtag no Twitter, desafios no TikTok ou mesmo discursos durante grandes festivais de música: muitas têm sido as estratégias para alcançar o eleitorado mais jovem e incentivar aqueles que têm 16 ou 17 anos a emitirem o título de eleitor para poderem ir às urnas em outubro. A mobilização começou após alerta da Justiça Eleitoral sobre o baixo número de adolescentes dessa faixa etária aptos a votar em 2022.

No final janeiro, eram apenas 730 mil jovens com título de eleitor - o menor número desde a redemocratização. Para reverter o cenário, artistas, influenciadores digitais e lideranças políticas têm se engajado para mostrar aos jovens eleitores a importância da participação política e do voto. 

Em dados atualizados no final de março, a Justiça Eleitoral apontou que o número de jovens entre 16 e 17 anos aptos a votar já cresceu, apesar de ainda ser inferior a pleitos anteriores. Os números ainda são inferiores a outras eleições, com 850 mil adolescentes com título de eleitor - apenas 14,1% do total dessa população no Brasil.

Os primeiros resultados da mobilização têm sido alcançados nos últimos dias: entre 14 e 18 de março, mais de 96 mil de eleitores nessa faixa etária solicitaram o título de eleitor. No Ceará, o número também têm crescido. Apenas entre os dias 24 e 27 de março, foram mais de 9 mil requerimentos para tirar o documento - processo que é feito inteiramente de forma virtual. Nem todos os solicitantes foram da faixa etária de 16 e 17 anos, mas ocorre também em meio a mobilizações.

Neste Dia Internacional da Juventude - instituído não apenas para celebrar a contribuição dos jovens, mas também para conscientizar sobre os desafios que terão na sociedade no presente e no futuro-, os jovens eleitores dizem como enxergam não apenas a votação, mas também a política. 

O que dizem os adolescentes?

Aos 17 anos, Giovana Araújo não pretendia tirar o título de eleitor em 2022. Mas, após incentivo da escola onde estuda, ela decidiu emitir o documento em fevereiro. "No meu colégio existe muito isso de que temos que ter nosso lugar na sociedade e realmente devemos, aí eu fui e fiz", resume. 

Ela considera, inclusive, que a escola pode ter um papel ainda mais importante para incentivar os estudantes a se interessarem por política. 

"Falta também informação. Os colégios deveriam se impor mais em questão de política. Tem gente que não sabe a diferença de Poder Judiciário, Legislativo e Executivo. Poderia colocar como se fosse uma matéria". 
Giovana Araújo
Estudante

O próprio incentivo a participar da votação poderia vir das instituições de ensino, completa a estudante Alícia Sales, de 16 anos. "Todo mundo frequenta. Acho que, pelo menos de uma forma mais simplificada, dava para conversar", afirma.

Ela vai completar 17 anos pouco antes do dia da eleição, em setembro. Antes disso, pretende tirar o título de eleitor para participar da votação. 

"Eu acho realmente importante ter oportunidade, ter uma opinião mais formada", ressalta. Apesar de admitir que o envolvimento com o tema "ainda é pouca, ela considera que participar da eleição é também uma forma de "estudar mais sobre o ramo e começar a entender mais cedo".

Diferenças de opinião

Jully Silva, por outro lado, já desejava votar bem antes de poder exercer esse direito. "Desde que eu tenho 12 anos, eu quero tirar", lembra ela. Agora, aos 15, ela conseguiu finalmente tirar o documento para poder ir às urnas. A Justiça Eleitoral autoriza todos os adolescentes que completem 16 anos até a data da votação a tirarem o título de eleitor. Apesar do aniversário ser apenas em julho, Jully já solicitou o documento.

"Eu queria votar nesse ano já, porque é importante. É importante para mudar o Brasil. Um voto muda tudo, por isso é importante as pessoas terem essa iniciativa de votar". 
Jully Silva
Estudante

Ela conta que amigas e familiares na mesma faixa etária que ela também tiraram o título, mas admite que o assunto ainda é visto como "chato" por outros colegas da mesma idade. Ela sugere que instituições, como a Justiça Eleitoral, poderiam investir em publicidade para atrair esses jovens.

"Colocar algum anúncio que é muito importante os adolescentes votarem. (...) Tem vários artistas (fazendo campanha), isso ajuda. Influência, né? Um influencia o outro", diz.

Indo na contramão, a estudante Ana Clara Alvez decidiu adiar o momento de votar para quando completar 18 anos. Com 16 anos, ela ainda não considera ter maturidade para participar da votação e quer se preparar antes de votar.

"Antes de tirar o título, quero estudar para ter mais conhecimento e votar. É um grande peso, por isso tem que estudar, tem que saber exatamente se é aquilo que eu quero.

Mobilização entre artistas e políticos 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) alertou, ainda no início de março, para o baixo número de adolescentes que resolveram tirar o título de eleitor em 2022. Até o momento, 850 mil adolescentes tiraram título de eleitor - apenas 14,1% do total dessa população no Brasil. A diminuição do interesse fica ainda mais explícita quando comparado aos dados de eleições anteriores: nesse mesmo período de 2012, por exemplo, mais de 1,8 milhões de jovens dessa faixa etária já haviam emitido o título de eleitor. 

A baixa adesão dos adolescentes mobilizou artistas e influenciadores digitais a fazerem campanha de incentivo à emissão do título de eleitor. 

Nas redes sociais, celebridades com forte apelo entre os mais jovens tem participado desse movimento. Figuras como as cantoras Anitta, Pablo Vittar e Luíza Sonza, a atriz Bruna Marquezine e mesmo ex-BBBs, como Juliette e Gil do Vigor. No palco do Festival Lollapaloza, que ocorreu entre os dias 15 e 27 de março, muitos artistas também aproveitaram para fazer discursos, a um público majoritariamente jovem. sobre a importância da participação política e do voto. 

Por sua vez, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro também iniciaram mobilização, levantando a hashtag #SouJovemSouBolsonaro22, com fotos de adolescentes de 16 e 17 anos que tiraram o título e apoiam a reeleição do atual presidente.

Aproximação com os jovens

A movimentação chegou, inclusive, a políticos cearenses que aderiram a campanha de incentivo para que os adolescentes solicitem o título de eleitor. Entre as lideranças, estão nomes como o do prefeito de Aracati, Bismarck Maia e do deputado federal Júnior Mano (PL). 

Socióloga e pesquisadora do Laboratório de Estudos de Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Paula Vieira compara essas mobilizações com o que ocorre nas eleições dos Estados Unidos, na qual o voto não é obrigatório, e incentivar o registro para votar é o primeiro desafio de quem concorre. "Com essa faixa etária, é o mesmo desafio: fazer com que votem, o que pode aumentar as chances de se eleger", completa. 

Ela aponta, por exemplo, que muito dos artistas engajados nessa mobilização têm um histórico de envolvimento com a política, seja em movimentos sociais seja ao tentar transformar as realidades em que vivem por meio da arte. 

Professora da Universidade Estadual do Ceará, Monalisa Torres considera que o movimento é importante, não apenas do ponto de vista eleitoral, mas para trazer esses adolescentes para mais perto da vida pública - que não se resume ao dia da votação. 

"Tudo isso veio num momento bom, para se pensar o lugar do jovem na política, para se pensar a importância da política na vida cotidiana. Como a política impacta diretamente, como é importante que eles tenham essa consciência e que eles percebam a importância desse lugar que eles podem ocupar dentro da democracia, dentro do município, dentro do bairro em que eles estão",
Monalisa Torres
Professora da Uece

Campanha para emissão do título

No Ceará, grupos formados por jovens também tem investido em campanhas para a emissão do título. É o caso do "Rolê da Democracia", campanha que vêm sendo desenvolvida pela Rede de Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim (Rede DLIS). 

"Quando nós percebemos os dados de que muitos adolescentes do eleitorado tinham emitido o título, nós nos inquietamos e pensamos em alguma forma de fortalecer esse processo de democracia, que é escolher o candidato ou a candidata que representa nossas lutas, nossos anseios", afirma a integrante da Rede DLIS, Ingrid Rabelo. 

O grupo atua, principalmente, em parceria com instituições de ensino do Grande Bom Jardim, na capital cearense. Além da campanha nas redes sociais, o objetivo é realizar rodas de conversas nas escolas e também mutirão para emissão do título. 

Ingrid Rabelo diz que um dos obstáculos é superar um sentimento de descrença com "quem ocupa os espaços de poder", além de uma sensação de distanciamento entre a juventude e a política, principalmente partidária e eleitoral. 

"O desafio é levar essa ideia de que as nossas escolhas, a nossa participação, que não se resume ao voto, é importante para o nosso presente e que é capaz de transformar esse cenário de tantos desafios e de tantas dores".
Ingrid Rabelo
Integrante da Rede DLIS

Razões para o desinteresse

Monalisa Torres aponta que a diminuição do interesse dos jovens pela política é parte de um processo de desinteresse crescente desde, pelo menos, 2016 e que não afeta apenas essa faixa etária. 

"A gente vem observando essa crítica profunda à política em si, às eleições e às instituições políticas de uma forma geral, sobretudo as de representação, como o Congresso. Inclusive sendo dando indicativos desse desinteresse pelo voto na quantidade de votos brancos e nulos. Esse desinteresse não é algo novo e os jovens acabam que também se contaminam por isso", explica.

O cenário foi agravado ainda pela pandemia de Covid-19 e o isolamento social necessário para impedir a disseminação da doença. Com as escolas e outros espaços de socialização - como igrejas e os próprios movimentos partidários - fechados, o convívio social ficou restrito, em grande parte, ao ambiente virtual.

Um espaço limitado para garantir uma participação na vida pública. "E o virtual, por mais público que seja, ainda é muito privado. (...) Então, os jovens que poderiam se mobilizar, não estavam tão próximos para criar um vínculo social no espaço público", afirma Paula Vieira. 
Com o convívio social restrito às redes sociais, a polarização ganhou ainda mais força nesses espaços e acabou dominando o debate político, afastando os jovens, apontam as pesquisadoras. 

"Na ausência desse espaço de politização, de debate e nesse receio, nessa tentativa de evitar a discussão política em ambientes virtuais, onde os jovens poderiam se informar e se educar politicamente para entender a importância, por exemplo, do voto? Então, você vai juntando todos esses fatores e chega ao cenário que a gente vê hoje", conclui Monalisa Torres.
 

SERVIÇO  

PARA SOLICITAR O TÍTULO DE ELEITOR  

Acesse o site do Título Net, preencha os campos solicitados e apresente os seguintes documentos: identidade, CPF e comprovante de endereço.

Podem solicitar o título de eleitor todos os jovens que vão completar 16 anos até 2 de outubro de 2022, data do primeiro turno do próximo pleito.