Por que atrair prefeitos para um partido traz vantagens numa disputa eleitoral

Desembarque de 12 mandatários no PT nesta semana chamou a atenção para a influência dos prefeitos sobre as bases eleitorais

A filiação de 12 mandatários ao PT, na última quinta-feira (13), colocou os prefeitos cearenses no centro do debate político. Mesmo estando no meio do mandato municipal, eles devem ter papel fundamental como cabos eleitorais de candidatos ao Governo do Ceará e de políticos em busca de cadeiras nos legislativos estadual e federal. Prova disso é que o redesenho de forças promovido pelo PT nesta semana não deve ser o único. Dirigentes partidários de diversas siglas já se mobilizam para trazer reforços para suas bases

Atualmente, o PDT é a maior força política no Estado em número de prefeituras. Ao todo, são 64. A vantagem é tanta que ela pouco foi afetada pela saída de quatro gestores com rumo ao PT. Com o reforço dos 12 prefeitos nesta semana, os petistas se tornaram a segunda maior força do Ceará, somando 29 municípios. O PSD vem em seguida com 26. Mais atrás está o MDB, com 16. 

Além do domínio da maioria das prefeituras, PDT e PT também ocupam cargos de peso na administração pública do Ceará, como as chefias do Executivo e do Legislativo do Estado. Conforme o cientista político Raulino Pessoa Júnior, professor da pós-graduação de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Ceará (Uece), historicamente, há uma correlação entre o número de prefeitos – e vereadores – eleitos nas cidades e o crescimento das siglas a nível estadual e federal. 

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Em seu doutorado, o pesquisador analisou as articulações partidárias cearenses do PMDB (atual MDB), PSDB e PT no Ceará. “Na ciência política, temos o termo ‘puxador de votos', como é o caso do ex-presidente Lula e do governador Camilo Santana, que, neste momento, cumprem esse papel no PT, eles são responsáveis por essa ida de lideranças ao partido”, aponta.

O ganho que esses puxadores de votos têm, sejam eles do PT ou de outras siglas, é a conexão com o eleitorado, já que os prefeitos (e vereadores) estão mais próximos do dia a dia da população, aponta Monalisa Torres, professora de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece). 

“As eleições municipais são um fator importante para mensurar o poder dessas lideranças no Estado. (...) Uma relação boa pode favorecer a ida de recursos e projetos para o município, o que é bom para o prefeito acumular capital político, mas ocorrem ganhos também para o outro lado, porque o deputado, por estar mais em Brasília, precisa desses políticos ao lado para se fortalecer junto ao eleitor”, afirma.

64
Prefeituras são lideradas por pedetistas no Ceará

Para se ter uma ideia da força sobre as bases no interior, caso PDT e PT mantenham a aliança nas eleições deste ano, as duas siglas terão, sozinhas, 93 prefeitos sob seu comando. A quantidade representa mais da metade das prefeituras do Estado. 

A força municipal

Para o cientista político Cleyton Monte, que também é professor universitário e pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), um dos maiores poderes de um prefeito está ainda na distribuição de cargos, o que pode ser fundamental nas eleições. 

“Na maioria dos municípios do Ceará, o maior empregador é a gestão municipal. Está sob o domínio do prefeito um número grande de cargos diretos, indiretos e terceirizados. Isso cria uma rede que deixa um número considerável de pessoas sob influência da atual gestão”, avalia.

Esse poder sobre as bases “enche os olhos” de candidatos a vaga no Legislativo, mas também é um fator decisivo até mesmo na definição de nomes que irão disputar um cargo majoritário. “É tão importante que, quando os candidatos começam a colocar os seus nomes para a disputa majoritária, uma das primeiras coisas que se leva em consideração é qual o apoio esses nomes têm entre os municípios do interior”, acrescenta Cleyton Monte. 

Mudanças eleitorais

No caso das disputas por vagas nos parlamentos, Monalisa Torres ressalta que, no pleito deste ano, devido às novas regras eleitorais, como o fim das coligações, além da incidência da cláusula de barreira, os dirigentes partidários precisam reforçar ainda mais as bases eleitorais.

“Com todas essas novas variáveis, os partidos vão estar muito preocupados em fortalecer suas bancadas, a depender da estratégia que foi priorizada pelo partido. E aí eu coloco o MDB e o PSD entre esses partidos, que devem priorizar o fortalecimento da legenda a partir de uma votação expressiva das bancadas – e isso é proporcional ao peso e à força das alianças com os prefeitos”, afirma.

Conforme relata a cientista política, o MDB já foi um dos maiores partidos políticos do Ceará, sob a liderança do ex-presidente do Senado, Eunício Oliveira. Contudo, com o avanço das investigações da Lava Jato, a legenda começou a perder força nacionalmente em 2016. No Ceará, o enfraquecimento da sigla não foi diferente, culminando com a derrota de Eunício na disputa por uma vaga para o Senado em 2018.

A volta do MDB

“Pelo histórico que tem, o líder influente, o partido forte, expressivo e que pesa nos arranjos eleitorais, é óbvio que o MDB vai tentar se reestruturar no Ceará. O próprio Eunício deixou isso claro, que quer fortalecer a bancada e se fortalecer como liderança política”, aponta Monalisa Torres. 

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Prefeitos do MDB exercem mandato no Ceará

Eunício Oliveira, atual presidente do MDB do Ceará, confirma que o principal objetivo da sigla é reforçar a bancada do partido. O próprio político é cotado para disputar uma vaga na Câmara dos Deputados. 

"Vamos ter uma movimentação grande, nem tanto de prefeitos, mas de ex-prefeitos e de lideranças. São candidatos a deputados estaduais e federais, então é uma procura grande, principalmente gente nova, mas alguns casos de nomes mais tradicionais. Temos conversas abertas", afirma o emedebista.

Planos eleitorais

No caso do PSD, que detém o comando de 26 prefeituras, a cientista política destaca que essa ampla base pode ser fundamental nos planos do presidente da sigla, Domingo Filho (PSD), de montar um grupo político descolado dos Ferreira Gomes. 

“Ele tem um histórico de atuação política importante e quer montar seu próprio grupo. A base dele está consolidada nos Inhamuns e em alguns municípios importantes, mas ele precisa ampliar o raio de atuação se quiser pleitear cargos mais altos. Como ele faz isso? Filiando prefeitos eleitos, vereadores e lideranças importantes nas regiões”, acrescenta. 

Conforme o deputado federal Domingos Neto (PSD), há interesse de prefeitos em se filiarem ao partido, mas, no momento, o foco está na filiação de potenciais candidatos. 

“Estamos atuando nas candidaturas proporcionais, federais e estaduais. Até o mês de março, as pessoas que pretendem ser candidatos precisam estar filiados. Para além dos que já estão no partido, outras forças têm sido trabalhadas, temos recebido sinalizações de desejo de se filiar ao PSD”, afirma.

Migração para o PT

Até o momento, o movimento mais concreto para atrair mandatários para a sigla foi feito pelo PT nesta semana. O reforço que chegou ao partido também foi uma uma demonstração de força da ala liderada pelo deputado federal José Guimarães e do poder de influência do governador Camilo Santana.

Ambos são defensores contumazes da manutenção da aliança entre PT e PDT no Ceará. “Toda essa movimentação que estamos fazendo está sendo informada à presidente nacional (Gleisi Hoffmann), ao presidente Lula, ao Camilo e está em sintonia com a nossa aliança estratégica com o PDT”, sinalizou Guimarães em entrevista ao Diário do Nordeste, na última terça-feira (11).

A força do governismo

A chegada das novas lideranças ocorre em um momento de fortalecimento da sigla, após a legenda assistir ao antipetismo atingir seu ápice em 2018 diante da eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

No Ceará, o governador Camilo Santana chega ao último ano de mandato batendo recorde de aprovação de um chefe do Executivo no Estado. Já o ex-presidente Lula desponta como favorito na disputa presidencial.

Diante da conjuntura favorável à sigla, o cientista político Cleyton Monte acrescenta o poder do "governismo”. “Nessa correlação de forças, o partido do governo sempre tem um peso mais considerável porque essas prefeituras dependem muito dos repasses estaduais. Assim, há uma tendência muito grande ao governismo – com raras exceções. Tanto que, desde o ano passado, até as prefeituras da oposição começaram a se aproximar do governo”, conclui. 

O deputado federal André Figueiredo, presidente do PDT no Ceará, foi procurado pela reportagem por liderar a sigla com maior número de prefeitos do Estado, mas ele não respondeu à reportagem.