Poluição sonora nas eleições: como identificar e como denunciar?

O uso de fogos de artifício com estampidos e de aparelhos de som de grande porte podem causar incômodos no ambiente

As campanhas de rua têm passado pelo seu bairro e perturbado o sossego com sons muito amplificados? Se você respondeu “sim”, provavelmente, tem testemunhado o descumprimento de regras relacionadas à poluição sonora, um problema recorrente durante o período eleitoral. Para se ter uma ideia, o uso de alto-falantes e amplificadores de som no pleito deste ano, no Ceará, já foi responsável por 13% do total de 3096 denúncias de irregularidades eleitorais. 

Esse tipo de irregularidade fica atrás apenas das queixas com propaganda na internet (14%) e com o uso do bem público (23%). Os dados foram tirados do painel de estatísticas da versão web da plataforma Pardal.

O uso de fogos de artifício com estampidos, de instrumentos como escapamento adulterado de cano de motocicleta, além de motociatas, carreatas, caminhadas e outros atos de propaganda eleitoral com som de grande porte podem causar incômodos a pessoas e animais nos municípios, despertando atenção das autoridades. 

Os efeitos na saúde são variados, podendo causar sintomas como arritmia cardíaca, cansaço, irritabilidade, insônia, falha de memória, doenças digestivas e até perda auditiva.

Segundo o promotor de Justiça Cleyton Bantim, coordenador auxiliar do Centro de Apoio Operacional Eleitoral (Caopel), a perturbação de sossego alheio pode acontecer até com latidos constantes de um cachorro, gritaria ou com som alto na vizinhança, que podem ser enquadrados nesse tipo de contravenção penal.

Já a poluição sonora é crime ambiental, com intensidade maior, que exige perícia com equipamento adequado. Quando as duas modalidades são praticadas no contexto das campanhas, configura-se ilícito eleitoral pelo uso de meios vedados de propaganda. 

As regras da emissão sonora

A Resolução Nº 23.610, de 2019, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fixa limites de emissão de sons e ruídos, regulamenta o uso de equipamentos de sons e indica as práticas vedadas. Normais estaduais e municipais também podem compor o regramento para a realização de campanhas de rua. 

Segundo a legislação eleitoral, o funcionamento de alto-falantes ou amplificadores de som é permitido somente até a véspera da eleição, entre as 8h e as 22h, sendo vedados a instalação e o uso daqueles equipamentos em distância inferior a 200m:

  • Das sedes dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das sedes dos tribunais judiciais, dos quartéis e de outros estabelecimentos militares;
  • Dos hospitais e das casas de saúde;
  • Das escolas, das bibliotecas públicas, das igrejas e dos teatros, quando em funcionamento.

Além disso, entre as 8h e as 24h, permite a realização de comícios e a utilização de aparelhagens de sonorização fixas, com exceção do comício de encerramento da campanha, que poderá ser prorrogado por mais 2 horas. Por outro lado, veda a utilização de trios elétricos em campanhas eleitorais, exceto para a sonorização de comícios.

A utilização de carro de som ou minitrio como meio de propaganda eleitoral também passa por limitações, sendo permitida apenas em carreatas, caminhadas e passeatas ou durante reuniões e comícios. Em complemento, deve ser observado o limite de 80dB de nível de pressão sonora, medido a 7 metros de distância do veículo.

Para isso, a resolução define as aparelhagens aqui citadas da seguinte forma:

  • Carro de som: qualquer veículo, motorizado ou não, ou ainda tracionado por animais, que use equipamento de som com potência nominal de amplificação de, no máximo, 10.000W e que transite divulgando jingles ou mensagens de candidatas ou candidatos;
  • Minitrio: veículo automotor que use equipamento de som com potência nominal de amplificação maior que 10.000W e até 20.000W;
  • Trio elétrico: veículo automotor que use equipamento de som com potência nominal de amplificação maior que 20.000W.

Até as 22h da véspera da eleição, ainda, a Justiça Eleitoral permite a distribuição de material gráfico, caminhada, carreata ou passeata, acompanhadas ou não por carro de som ou minitrio.

De toda forma, não será tolerada propaganda, que perturbe o sossego público, com algazarra ou abuso de instrumentos sonoros ou sinais acústicos, inclusive aqueles provocados por fogos de artifício. Em caso de desobediência, a pessoa infratora pode responder pelo emprego de processo de propaganda vedada e até por abuso de poder.

Como denunciar abusos sonoros

Em todo pleito, o aplicativo Pardal fica disponível para que a população possa fazer denúncias sobre práticas vedadas na propaganda eleitoral. Com a poluição sonora e perturbação de sossego, não é diferente. É possível baixar a versão atualizada do aplicativo gratuitamente nas lojas de dispositivos móveis (faça o download no Google Play ou na App Store).    

Para facilitar o trabalho das autoridades e fazer valer a queixa registrada, é importante que o cidadão anexe áudios ou vídeos do momento do ilícito. “O próprio cidadão é um parceiro, um aliado, de todos os órgãos de fiscalização, quando ele denuncia e utiliza os instrumentos (disponíveis para tal)”, avalia o promotor.

Nem sempre é possível atender às demandas de prontidão, admite Bantim, mas os materiais anexados podem motivar representações contra coligações, partidos e candidatos com condutas irregulares, resultando em sanções, como multas, e evitando a reincidência. 

“Sempre que ocorre algum indício de que os candidatos e partidos vão continuar abusando desses instrumentos, nós rapidamente acionamos a Justiça Eleitoral com alguma tutela inibitória para que esses partidos e candidatos fiquem inibidos de promover novamente essa prática, e aí os juízes eleitorais normalmente aplicam multas altíssimas, tudo com o intuito de impedi-los de continuar e reiterar essa prática”, explica. 

“Depois que eles ocorrem realmente fica mais difícil de atuar, mas nem por isso a gente deixa de agir, a gente busca outros meios, vídeos, fotografias, às vezes o próprio tamanho do equipamento, pelo próprio tamanho de um paredão ou de um carro de som, a gente consegue saber quanto, qual é o nível de pressão sonora que ele normalmente promove ao ser ligado”, completa. 

Fiscalização

Ciente dos efeitos negativos que a emissão sonora irregular pode causar na população, o MPE tem firmado acordos de cooperação, ajuizado representações, realizado audiências e emitido recomendações visando evitar a poluição sonora nestas eleições. Procedimentos do tipo já foram observados com candidaturas em Ipu, Campos Sales, Salitre, Nova Olinda, Santana do Cariri, Altaneira, Acaraú, Bela Cruz e Deputado Irapuan Pinheiro desde o início da campanha eleitoral, em 16 de agosto.

Mas a última semana é ainda mais delicada para a fiscalização de práticas ilícitas por parte das candidaturas. As campanhas intensificam as agendas de rua, e o volume de irregularidades pode crescer nesse período. 

Justamente por isso, o Ministério Público do Ceará reforçou as suas equipes pelo Estado e designou promotores eleitorais em todos os municípios cearenses, mesmo aqueles que não são sedes de Zonas Eleitorais, desde o último dia 30. Além disso, a fiscalização conta com equipes das polícias Militar, Federal e Civil para coibir esses atos. 

A Justiça Eleitoral desempenha papel central nessa discussão, pois tem poder de polícia em relação à propaganda, então pode regular, fiscalizar e coibir abusos. 

“Na Justiça Eleitoral, pode agir de ofício, regular a propaganda, ainda tem uma equipe de fiscal de propaganda dentro do próprio cartório para fiscalizar e também coibir os abusos. O Ministério Público e os partidos, os candidatos, as coligações, eles também se autofiscalizam, um fiscaliza o outro”, comenta.