Partidos pequenos no Ceará se mobilizam para alcançar cláusula de barreira em 2022

Legendas que não alcançaram os percentuais mínimos nas eleições de 2018 traçam estratégias para mudar o quadro

Obrigados a repensar a organização interna após não alcançarem a cláusula de barreira nas eleições de 2018, partidos pequenos buscam estratégias para se viabilizar para a disputa eleitoral em 2022, inclusive no Ceará. Sem coligações para o Poder Legislativo, o foco é buscar fortalecer as chapas de candidatos que irão disputar vaga na Câmara dos Deputados.

Entre os mecanismos apontados como alternativa para favorecer a sobrevivência das legendas está a proposta de criação das chamadas federações partidárias. Contudo, embora alguns dirigentes cearenses defendam a proposta em tramitação no Congresso Nacional, outros trabalham a construção das chapas sem contar com a possibilidade de aprovação.

A cláusula de desempenho, também conhecida como cláusula de barreira, começou a funcionar nas eleições gerais como forma de limitar o acesso de partidos a recursos financeiros e tempo de propaganda no rádio e na televisão a partir da representatividade alcançada por eles.

Em 2018, as legendas precisavam obter, no mínimo, 1,5% dos votos válidos na disputa para a Câmara dos Deputados, além de eleger, pelo menos, 11 deputados federais. Nos dois casos, era necessário que este número fosse distribuído em um terço das unidades da Federação.

Desempenho na disputa para deputado federal

Dos 30 partidos que elegeram representantes na Câmara dos Deputados, nove não conseguiram alcançar a cláusula de barreira. Foram eles: DC, Patriota, PCdoB, PHS, PMN, PPL, PRP, PTC e Rede.

Dentre estas legendas, algumas optaram por se unir com outras como forma de alcançar o percentual exigido pela legislação eleitoral.

O PRP foi incorporado pelo Patriota, enquanto o PPL foi incorporado pelo PCdoB. Além disso, o PHS também teve incorporação ao Podemos aprovada. Essas mudanças foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)em 2019.

Quando ocorre incorporação, a legenda incorporada adota o estatuto e o programa da outra agremiação partidária. Nessa situação, o partido incorporador permanece com o seu nome e sigla, por exemplo.

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Partidos não receberam recursos do Fundo Partidário em 2020 por não alcançarem a cláusula de barreira.

Outras siglas, no entanto, preferiram não passar por alterações - seja por meio da incorporação ou da fusão com outro partido. Nestes casos, acabaram sofrendo consequências já nas eleições de 2020.

Rede, DC, PMN e PTC, apesar de terem representantes na Câmara dos Deputados, não receberam recursos do Fundo Partidário para a disputa municipal. Os candidatos destes partidos também não tiveram tempo de rádio e televisão para a propaganda eleitoral.

Além deles, outras legendas que não elegeram deputados federais em 2018 - portanto, não alcançando a cláusula de desempenho - também tiveram estas limitações. Foram elas: PCB, PCO, PMB, PRTB, PSTU e UP.

Estratégias para a disputa eleitoral

Em 2022, os partidos terão que obter um desempenho maior do que em 2018 para conseguir alcançar a cláusula de barreira. A emenda constitucional que estabeleceu a regra eleitoral está em fase de transição e deve atingir o ápice para as eleições de 2030.

No ano que vem, todas as legendas precisam obter, no mínimo, 2% dos votos válidos na disputa para a Câmara dos Deputados, além de eleger, pelo menos, 11 deputados federais.

Partidos menores e que não alcançaram a cláusula de barreira em 2018, agora traçam estratégias para mudar o cenário em 2022.

Em convenção nacional da Rede Sustentabilidade, alcançar a cláusula de desempenho foi colocada como foco da legenda para o próximo pleito, afirma o porta-voz nacional da Rede Sustentabilidade e tesoureiro do diretório no Ceará, Wesley Diógenes.

"A questão central é a superação da cláusula de barreira. Somos um partido que consideramos essencial, trazendo um programa de desenvolvimento sustentável e a defesa do meio ambiente. (Então) Temos trabalhado para superar a cláusula. Sabemos que é difícil, mas não impossível.
Wesley Diógenes
Liderança partidária do Rede Sustentabilidade

A atração de novas lideranças para o partido, além de conversas com "quadros orgânicos" estão sendo realizadas. Entre os argumentos, o de que na Rede seria possível ser eleito com uma quantidade menor de votos do que em partidos maiores - e mais disputados.

"Se tivermos dez candidatos com 20 mil votos, a gente consegue fazer um deputado federal com 20 mil votos. Isso é impossível em legendas maiores", sustenta.

2%
de votos válidos para a Câmara dos Deputados é o percentual para alcançar a cláusula de barreira em 2022

O dispositivo também tem sido o foco das estratégias eleitorais do PTC, detalha o presidente estadual do partido, Tomaz Holanda. A legenda, que mudou o nome para Agito 36, tem feito um planejamento focado na disputa para a Câmara dos Deputados liderada pela executiva nacional.

"O partido está organizado em todo o País, chamando a responsabilidade dos presidentes estaduais, para que tenhamos o compromisso de trabalhar (para atingir o percentual)", afirma. "Onde não puder ser feito um deputado federal, iremos trabalhar a cota para que o partido alcance a cláusula de barreira".

Segundo Holanda, o objetivo é que a chapa de candidatos de cada estado obtenha entre 80 e 100 mil votos para deputado federal. Para isso, devem ser lançadas lideranças do partido e também vereadores eleitos em 2020.

"Sabemos da dificuldade no Ceará, mas queremos bater o mínimo de 2% para, junto com os demais estados, alcançar a cláusula e voltar a ter recursos e tempo de televisão".
Tomaz Holanda
Presidente estadual do Agito 36 (antigo PTC)
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Também sem ter conseguido atingir o percentual exigido pela legislação eleitoral, o presidente estadual do PMN, Reginaldo Moreira, explica que o trabalho tem sido para montar a chapa da legenda não apenas para a disputa ao Legislativo, mas também ao Executivo.

"Nós vamos lançar chapa completa, tanto para estadual como federal", garante. As primeiras reuniões com pré-candidatos já estão ocorrendo e devem discutir não apenas a disputa legislativa, mas também para os cargos de governador e senador.

Ele critica o modelo adotado com a aprovação da cláusula de barreira, mas afirma que o propósito do PMN é continuar buscando formas de sobrevivência. "A questão (da cláusula) é aniquilar os partidos pequenos, é acabar com as pequenas legendas. Mas nós vamos continuar resistindo, nem que nos tornemos partidos municipalistas", ressalta.

Criação das federações partidárias

O PCdoB foi um dos partidos que não conseguiram alcançar a cláusula de barreira em 2018, mas, com a incorporação do PPL em 2019, cumpriu os percentuais de desempenho exigidos pela legislação eleitoral. "Com isso, o partido ficou mais forte, agregou experiência e quadros do PPL", afirma o presidente do PCdoB no Ceará, Luis Carlos Paes.

Esta não foi a primeira vez que o partido incorporou outra agremiação e o dirigente aponta que este mecanismo fortalece a legenda. Contudo, ele critica a cláusula de barreira.

"A tentativa de limitar a representatividade dos partidos nos parlamentos, e isso traz problemas principalmente para os partidos menores, mas não só para eles", argumenta. "O que vai ocorrer nas eleições é que parlamentares, mesmo tendo identidade com um partido, se não tiver condição de montar uma boa chapa, vão migrar. Isso enfraquece a instituição partido".

Paes considera que essa limitação acaba interferindo na autonomia das agremiações partidárias e que a criação das federações partidárias pode oferecer uma alternativa às legendas.

"E ela (federação partidária) não acaba com os partidos. Eles continuam existindo, mas estão unidos em função de uma proposta política. Nós achamos que é um instituto avançado, até mais do que as coligações proporcionais".
Luis Carlos Paes
Presidente estadual do PCdoB

Parlamentares e partidos têm defendido a criação das federações partidárias como alternativa às legendas que podem não conseguir atingir a cláusula de barreira de maneira isolada na próxima eleição.

O projeto de lei, de número 2522/15, permite que dois ou mais partidos se reúnam em uma federação e, após registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atuem como se fosse uma agremiação única. Diferente de outros mecanismos, entretanto, ficam asseguradas a identidade e a autonomia dos partidos integrantes da federação.

"O tempo de existência das coligações (por exemplo) era o período eleitoral. As federações terão uma existência maior e registrada pelo TSE. É temporária, mas tem um vínculo jurídico pelo tempo de duração", explica a professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Machado.

Possíveis efeitos negativos

Segundo o projeto de lei, as federações partidárias teriam um tempo de existência mínima de quatro anos. Outras regras estabelecidas são que só partidos com registro definitivo podem integrar uma federação e ela terá abrangência nacional.

Esta última regra é apontada por Raquel Machado como um ponto complexo dentro da proposta.

"A política brasileira é muito regionalizada. A Constituição garante que partidos podem coligar em âmbito nacional diferente do regional. (Os partidos da federação) vão ter que ter as mesmas alianças. Eles podem atuar isoladamente, mas não de forma contraditória. Então, fazer a federação tem esse problema de não considerar o caráter local da política".
Raquel Machado
Professora de Direito Eleitoral da UFC

A possibilidade de que as federações voltem à pauta do Congresso foi despertada com a chegada de Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Câmara dos Deputados. A proposta havia sido rejeitada em 2017.

Lira autorizou a criação de dois grupos de estudo, formados por parlamentares, para analisar mudanças nas normas eleitorais. A proposta tramita em regime de urgência na Câmara.

Entretanto, qualquer mudança na legislação eleitoral precisa ser aprovada até outubro para passar a valer no pleito de 2022. Uma pressa que pode atrapalhar a discussão, aponta Raquel Machado.

"Quando a cláusula de barreira foi feita, estavam pensando nos partidos de aluguel, que não têm representatividade histórica e social. Mas ela acabou atingindo partidos pequenos, mas que tem historicidade e relevância social", explica.

Um efeito que, segundo ela, pode ser revertido com a criação das federações, mas também pode gerar outras consequências.

"Talvez fazer a federação seja refletir pouco sobre algo que terá muito impacto depois. A legislação eleitoral sempre sofre com essa pressa. Não é o caso de refletir sobre os percentuais da cláusula de barreira? Não existe um caminho menos rigoroso para chegar no mesmo caminho?".
Raquel Machado
Professora de Direito Eleitoral da UFC

"É um quebra cabeça, se mexer em uma peça sem pensar que ela tem que encaixar em outro lugar, você vai tomar uma medida que terá efeitos que podem ser nocivos", completa.

Alguns dirigentes de partidos menores no Ceará preferem não contar com a aprovação da medida ao traçar estratégias para 2022. Tomaz Holanda, do Agito 36, acredita que o Congresso "não aprova" a medida. "Não estamos pensando em federação, porque talvez ainda nem passe. Não tem consenso", concorda Reginaldo Moreira, do PMN.

Wesley Diógenes, da Rede, afirma que a legenda não discutiu a federação em convenção partidária.

"É uma ação verticalizada. Se tomar uma decisão nacional com partido A e B, todos os estados terão que fazer essa federação, que dura por quatro anos", pondera ele. "Acreditamos que vamos ultrapassar (sozinhos) a cláusula de barreira e toda a nossa estratégia está voltada para a eleição de deputado federal".