O depoimento do vereador Sargento Reginauro (União Brasil) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Associações de Militares na Assembleia Legislativa do Ceará acabou tendo foco, em boa parte do tempo, em questões paralelas ao objetivo da CPI, que é investigar o possível envolvimento de associações no motim de policiais militares no Ceará, em 2020.
Desde o início do depoimento, um dos assuntos que ganhou destaque foi o acesso a documentos reunidos pela CPI. Ao final da sessão, parlamentares chegaram a alterar os ânimos diante da insistência da oposição em acusar a falta de acesso, apesar das afirmações do demais deputados de que o acesso é livre aos deputados da Casa.
Mais articulada e em maior número do que no primeiro depoimento da CPI, a oposição teve mais momentos de fala e pressionou com a presença física na sala das comissões no início da sessão.
Ao lado de uma comitiva de apoiadores, Sargento Reginauro foi o segundo convidado a depor na CPI. O parlamentar foi chamado porque, no início do motim, presidia a Associação dos Profissionais de Segurança (APS) - ele pediu exoneração dia 19 de fevereiro de 2020, um dia depois do início da paralisação. Atualmente, a entidade é comandada por Cleyber Araújo, que primeiro depôs à CPI e afirmou que a associação financiou o transporte de militares.
Na sessão, o parlamentar da Capital afirmou que não apoiou o motim dos militares em 2020 e que as associações não financiaram o motim. Entre os questionamentos feitos ao vereador, estavam os cheques assinados por Reginauro para saque em espécie em datas próximas ao início do motim e o pagamento à escritório de advocacia.
A expectativa é de que, em maio, seja iniciada a discussão sobre o relatório final da comissão.
Disponibilidade de documentos
Em fala inicial do depoimento, Sargento Reginauro questionou a disponibilidade dos documentos apresentados pela CPI na sessão do último dia 5 de abril.
"Encontramos um completo processo de desorganização em dados que deveriam estar ao alcance não só dos parlamentares, mas dos nossos advogados. (...) Por que estes documentos não estão disponíveis?", disse Reginauro.
“Acabamos de ir à sala onde ficam os autos dos processos da CPI e não encontramos os cheques que foram apresentados na sessão passada. Como pode apresentar cheques que não constam nos autos? A CPI vai dentro da ilegalidade para tentar de qualquer forma macular a imagem das pessoas”, afirmou o deputado estadual Soldado Noélio, único de oposição como membro titular da CPI.
O presidente da CPI, Salmito Filho (PDT), rebateu as críticas de Sargento Reginauro. Segundo o deputado, todos os dados da comissão estão disponíveis "como manda a lei". Ele disse ainda que os advogados tiveram acesso, inclusive, às fotocópias dos documentos, com exceção dos sigilosos.
Suplente na CPI, Delegado Cavalcante (PL) afirmou que irá entrar na Justiça para ter direito à cópia de informações sigilosas da comissão. O presidente da CPI reforçou que os deputados têm acesso aos documentos, mas, no caso de dados sigilosos, não podem levar cópias.
Soldado Noelio disse que também irá "procurar outra forma" de ter acesso e a cópia de dados. Em resposta, Elmano de Freitas afirmou que "revelar ou facilitar a revelação de dados sigilosos é crime".
Bate boca
Deputados estaduais acabaram batendo boca por conta dos procedimentos de acesso a dados da CPI de Associação Militares. Soldado Noélio voltou a questionar o acesso e requereu que parlamentares fossem, no momento da sessão, até a sala da comissão para ver a documentação.
Durante resposta de Salmito Filho, Noelio levantou e disse que iria naquele momento até a sala com documentação. Em resposta, Elmano Freitas disse que ele "poderia fazer o que quisesse". Durante a discussão, Delegado Cavalcante questionou se tinha algo "escondido", e o presidente da CPI acabou se exaltando e levantando da cadeira.
"Tem parentes que nós estamos preservando, tem dados sigilosos que estamos preservando. Tem e é por força de lei, para guardar o sigilo, para preservar", disse Salmito.
A deputada Augusta Brito, também integrante da CPI, afirmou que se "sentiu coagida" pela postura de Noelio, ao levanta da cadeira e querer sair para a sala da comissão. O deputado rebateu: "Eu não coagi ninguém". Com a continuidade da discussão, o presidente da CPI, Salmito Filho, decidiu encerrar a sessão.
Mesmo com o fim, Soldado Noelio permaneceu no auditório aguardando a comissão técnica da CPI finalizar a ata. Ele ainda exige ter acesso a documentação ainda na noite desta terça. Anteriormente, Salmito Filho reforçou que os deputados têm acesso, "mas existem regras". "Aqui tem um rito. Ter acesso não é na hora que o senhor quiser não, na hora que o advogado quiser ou o assessor quiser", disse.
Cheques assinados por Reginauro
O deputado Elmano de Freitas (PT), relator da CPI disse que o vereador de Fortaleza Sargento Reginauro (União Brasil) assinou cheques de quase R$ 90 mil para serem sacados "na boca do caixa" pouco antes do motim de policiais ocorrido em 2020.
De acordo com o parlamentar, além da assinatura e dos saques, uma sequência de fatos anteriores ao motim levanta suspeita sobre o possível financiamento do ato por parte da Associação de Profissionais de Segurança (APS), que, àquela época, era presidida por Reginauro.
"O vereador Reginauro era presidente da APS. No dia 10 (de fevereiro de 2020), ele faz um cheque de R$ 40 mil para ser sacado na 'boca do caixa'. No dia 14, ele faz um ofício pensando em se afastar (do cargo de presidente da entidade). No dia 17, ele assina outro cheque de R$ 49 mil. No dia 18, ele protocola o afastamento no cartório para, no dia seguinte, o motim já acontecendo, sair da presidência", elencou Elmano, que, em seguida, afirmou: "Evidentemente é um conjunto de atos encadeados preparando o motim".
O relator citou também o financiamento do transporte de policiais para ato na AL-CE como parte desse processo. "Todo crime tem ato preparatório", disparou.
Pagamento à escritório de advocacia
O vereador foi questionado sobre o pagamento de R$ 400 mil a escritório de advocacia para defender a APS em ação para retomar o pagamento da mensalidade dos associados via crédito consignado, bloqueado à época em ação judicial movida pelo Governo do Estado. Segundo o relator, não há registro oficial da atuação do escritório nos autos do processo.
Sargento Reginauro ressaltou a importância da ação judicial para a APS e disse que é comum a associação ter um corpo jurídico que assina um processo sob orientação de um escritório maior de advocacia.
Procurado pelo Diário do Nordeste, o escritório disse que não irá se manifestar oficialmente sobre o assunto.