O Governo do Ceará divulgou, nesta terça-feira (11), o último estudo técnico sobre a disputa entre o Ceará e o Piauí por parte do território localizado no limite entre os dois estados. Na nova publicação, dividida em quatro notas técnicas, os pesquisadores compilaram estudos técnicos de várias áreas e elencaram fatores sociais, econômicos, ambientais, culturais e históricos para que o impasse secular seja decidido a favor do Ceará.
O documento é resultado do Grupo de Trabalho do Litígio, implementado pelo governador Elmano de Freitas (PT) em março de 2023. Agora, o levantamento será apresentado pela Procuradoria Geral do Estado do Ceará (PGE) ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o impasse é analisado desde 2011, atualmente sob relatoria da ministra Cármen Lúcia.
"Os estudos deixam, de formar inconteste, por meio de seus dados, elementos e resultados, que o Estado do Ceará se faz presente na região. Não há nenhuma relação ou presença do Estado do Piauí para aquelas pessoas, o Estado do Ceará tanto se faz presente nos serviços públicos quanto em demais serviços que são essenciais à população, como a proteção ao meio ambiente", ressaltou Rafael Machado Moraes, procurador Geral do Ceará.
Essa deve ser uma das últimas ações dos cearenses antes do Serviço Geográfico do Exército Brasileiro apresentar à Corte a perícia territorial, prevista para a última semana de junho. A expectativa de cearenses e de piauienses é que a disputa por parte do território de 13 municípios — atualmente cearenses — localizados na Serra da Ibiapaba chegue a um desfecho.
"Temos uma expectativa positiva em relação ao resultado desse laudo, a fim de que o Supremo tenha toda a sensibilidade, a partir dos dados que estão sendo apresentados, de julgar de forma sensível para a causa e responsável em relação ao direito dessas pessoas", acrescentou Rafael Moraes.
No entanto, entre as notas técnicas apresentadas, o Governo do Ceará deixa claro que também se prepara para uma eventual determinação de consulta pública aos moradores dessa região. A base da defesa do Estado, inclusive, é que já existe uma forte identificação histórica, cultural e econômica dessa fatia da população com o Ceará.
"A defesa do Estado do Ceará se baseia tanto no pertencimento, que é um direito que nós entendemos incontestável sob todos os aspectos, mas também se baseia fortemente em documentos históricos, em mapas, em documentos de autenticidade reconhecida por órgãos e instituições públicas, documentos que refutam absolutamente a tese do Estado do Piauí e os mapas apresentados pelo Estado do Piauí (...) Nossa tese está alicerçada tanto em elementos históricos, elementos científicos, mas também em relação ao pertencimento, que para nós é o que mais caro nós temos para defender no processo, que é o direito das pessoas que ali habitam e vivem"
Veja os detalhes do estudo elaborado pelo Governo do Ceará:
Argumentos socioculturais
No estudo, feito em outubro de 2023, os técnicos do Governo do Ceará visitaram a região e ouviram a população sobre a identidade e o vínculo cultural com o território; as raízes familiares e documentação; a qualidade dos serviços públicos; a facilidade de acesso a esses serviços; e a administração e desenvolvimento da região.
O relatório apresentou uma estimativa de que 87,5% de pessoas na área de litígio se declaram cearenses e não piauienses.
“Uma das descobertas mais significativas do estudo foi a forte conexão histórica e cultural dos moradores com o estado do Ceará. Essa conexão é evidenciada pelo perfil dos entrevistados, a maioria dos quais nasceu no Ceará, possui mais de 50 anos de idade e reside na região há décadas. Além disso, constatou-se que os moradores têm plena consciência da existência do litígio territorial, com cerca de 95% deles declarando conhecimento sobre a questão”, aponta o estudo.
Os técnicos fizeram entrevistas aprofundadas com lideranças religiosas da região, além de vereadores, agricultores, donas de casa e empresários. A conduta se deve a uma estratégia do Governo do Ceará, que se prepara para uma possível consulta pública determinada pelo STF.
“A coleta de dados foi feita com uma amostragem previamente selecionada e organizada por setor da sociedade. O objetivo aqui foi realizar um mapeamento das lideranças que residem na área de litígio e que, portanto, poderão auxiliar na estratégia de defesa do Ceará. Deseja-se fazer um cadastro desses importantes agentes para tornar possível uma célere mobilização”, informa a nota técnica.
Na consulta, o Governo do Ceará elencou os principais motivos apontados pelos entrevistados para defenderem a permanência no território cearense:
- Identidade e vínculo cultural com o território — 45,6%
- Raízes familiares e documentação — 5,8%
- Qualidade dos serviços públicos — 22,1%
- Facilidade de acesso e proximidade — 17,5 %
- Melhor administração e desenvolvimento da região — 9,1%
“A referida pesquisa socioeconômica, realizada no ano de 2023, identificou, por exemplo, que 95,4% dos entrevistados disseram ter conhecimento do litígio envolvendo os estados do Ceará e do Piauí e que mais de 50% da população mora, há mais de 30 anos, no local”, aponta o estudo.
A pesquisa também identificou a quem essa população recorre para ser atendida pelos serviços públicos. Dos 62,1% que disseram que algum morador do domicílio estuda em escola pública municipal ou estadual, 96,6% informaram que frequentam escolas públicas que são do Ceará. Sobre o atendimento em saúde e segurança, 89% e 96,9% dos entrevistados, respectivamente, declararam que são atendidos em unidades vinculadas ao Ceará.
da população da área de litígio se declara cearense
O abastecimento de água e o fornecimento de energia elétrica também são, majoritariamente, atendidos pelo Ceará, de acordo com o resultado da pesquisa. A Enel atende a um total de 95,9% dos domicílios. Já o abastecimento de água pela rede geral, cisterna ou carro-pipa, para 96,6% dos respondentes é garantido pelo estado ou por municípios cearenses. Verificou-se, ainda, que 81,8% dos entrevistados nasceram no estado do Ceará e 17% no Piauí.
Perfil econômico
Na nota técnica que considera fatores econômicos, o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) ressalta a extensa infraestrutura pública na região, resultado de investimentos feitos ao longo dos anos pelo Governo do Ceará, incluindo unidades de saúde e sistemas de abastecimento hídrico. “Além disso, a presença de terras indígenas, quilombolas e estabelecimentos agropecuários reforça os laços econômicos e sociais estabelecidos na região”, acrescenta.
O estudo econômico destaca os setores agropecuário, de energia renováveis e de turismo para a área em disputa com o Piauí. O Ipece demonstra ainda que o Produto Interno Bruto (PIB) dos 13 municípios cearenses pertencentes à área de litígio correspondeu, no ano de 2021, a R$ 6,9 milhões, equivalente a 3,6% do total do PIB cearense.
O PIB per capita desses municípios foi de R$ 13,5 mil, equivalendo a 64,1% do PIB per capita estadual. À época, a população desses municípios era de 517,1 mil habitantes, 5,6% da população total do Estado.
Considerando os setores econômicos em 2021, a agropecuária respondeu por 22,7% da economia desses treze municípios, enquanto a média do Estado foi de 6,2%. No caso da indústria, a fatia foi de 7,9% nos municípios disputados, com destaque para a produção e distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana. No Estado, a fatia é de 20,49%.
“Nesse contexto, é importante destacar algumas iniciativas do Governo do Estado voltadas para os municípios inseridos na área de litígio. Estas ações incluem, por exemplo, projetos para fortalecer as cadeias produtivas locais, promover a agricultura familiar, oferecer assistência técnica às comunidades rurais, elaborar políticas públicas de apoio à produção agrícola e mitigação dos efeitos do semiárido, regularização fundiária, distribuição de alimentos adquiridos de agricultores familiares, cobertura vacinal do rebanho bovino, além de programas como Garantia Safra, Hora de Plantar e São José IV, entre outros”, defende o Estado.
“A presença marcante do estado do Ceará na área litigiosa é inegável. Com 136 localidades administradas, escolas, unidades de saúde e infraestrutura hídrica, energética e viária, o Estado demonstra seu comprometimento em prover serviços públicos essenciais”, conclui.
Ações ambientais
Nos estudos técnicos, o Governo do Ceará defende que o litígio “não se limita apenas a questões cartográficas”. “Ela também desencadeia questões ambientais cruciais que impactam diretamente a sustentabilidade e a qualidade de vida das comunidades locais”, aponta.
O levantamento detalha as áreas protegidas na região litigiosa, destacando sua importância para a preservação da flora, fauna e recursos hídricos locais. Analisa ainda as ações de fiscalização ambiental realizadas pelo Governo do Ceará e compila os processos de licenciamento ambiental.
A região disputada abriga duas unidades de conservação estaduais: o Parque Estadual do Cânion Cearense do Rio Poti (totalmente dentro área de litígio) e a APA do Boqueirão do Rio Poti (48,3% de sua área inserida na área de litígio).
A APA Boqueirão do Poti é a maior Unidade de Conservação do Estado do Ceará, com 63.332,20 hectares, fauna e flora da Caatinga preservadas, abrangendo os municípios de Crateús (entre os distritos de Ibiapaba e Oiticica), Ipaporanga e Poranga.
“Essas unidades de conservação gerenciadas pela Sema (...) estabelecem uma ligação histórica e cultural entre a população local e o Estado. A presença e atuação da Semace na regulação e monitoramento das atividades na área de litígio ressaltam ainda mais o reconhecimento da jurisdição administrativa do Ceará pela comunidade local”, completa a nota.
“Esses elementos não apenas sustentam a defesa do território cearense no processo judicial, mas também evidenciam o papel fundamental do Ceará na promoção do desenvolvimento sustentável da região e a melhora da qualidade de vida da população ali residente”, conclui o estudo.
Mapeamento hidrográfico
O Governo do Ceará, por meio da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh), apresenta ainda o arcabouço legal sobre a gestão de recursos hídricos. A entidade usa como argumento o Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, estabelecido há cerca de 30 anos. “Qualquer decisão sobre a alteração da divisa na área de litígio entre o Estado do Ceará e o Estado do Piauí implicará na insegurança jurídica dos marcos regulatórios estabelecidos”, argumenta.
O Estado reforça que há instrumentos regulatórios que tratam das regiões hidrográficas que passam pela área litigiosa e, em tais documentos, tanto a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) quanto as pastas estaduais de gestão de recursos hídricos consideram a atual demarcação territorial como válida.
O Ceará destaca ainda que a própria ANA reconhece o Estado como entidade competente para exercer as atribuições de gerenciamento das águas e a entidade responsável pela emissão de outorga na área de litígio. Esta segunda função, inclusive, é reconhecida pelo Estado do Piauí, segundo a Cogerh.