Justiça determina cassação de vereadores em Potengi por fraude em candidaturas femininas

Sentença precisa ser confirmada pelo TRE-CE. Corte estadual já determinou a cassação da chapa completa em Croatá e Nova Russas

Dois vereadores eleitos e oito suplentes no município de Potengi, no Cariri, podem perder o mandato por fraude na cota de gênero nas últimas eleições. A acusação recai contra o PSD, partido que abriga os parlamentares. Na última quarta-feira (30), o juiz Sylvio Batista dos Santos Neto, da 68ª Zona do Ceará, cassou os mandatos dos vereadores e determinou a anulação dos votos da chapa. 

Neste caso, o efetivo cumprimento da sentença se dá com a confirmação da decisão do juiz eleitoral e após esgotados todos os recursos em segunda instância, no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). Em processos recentes, a Corte estadual determinou a cassação da chapa completa em duas ocasiões. 

Cota de gênero

No caso de Potengi, a denúncia foi apresentada à Justiça por dois candidatos à Câmara Municipal que não conseguiram se eleger. Simone Guedes (MDB) e Nicodemos Rodrigues (PT) alegam que as candidatas Carina de Morais Sousa (PSD) e Maria Marly Duarte Passos (PSD) foram inscritas no pleito, mas o objetivo delas era apenas cumprir a cota de gênero. 

Conforme a Lei nº 9.504/1997, os partidos precisam ter, no mínimo, 30% de candidaturas femininas. Ao todo, o PSD de Potengi concorreu nas eleições de 2020 com dez candidatos, sendo sete homens (70%) e três mulheres (30%), cumprindo a legislação.

A irregularidade apontada no caso é de que Carina e Marly não “estavam concorrendo de fato, posto que não praticavam campanha e não buscavam os votos dos eleitores, não tendo sequer confeccionado panfletos e/ou adesivos”, acusam os adversários. 

Eleição sem campanha

Ainda segundo a acusação, as duas mulheres nem sequer divulgaram nas próprias redes sociais que eram candidatas. “Curiosamente, a candidata Marly Duarte Passos é irmã do então candidato ao cargo de prefeito, Samuel Carlos Alves Tenório de Alencar, não tendo este se prestado a divulgar uma única publicação em suas redes sociais pedindo voto ou apoio àquela”, acrescenta a acusação. 

O resultado das eleições também não foi favorável às duas candidatas. Carina recebeu apenas dois votos. Já Marly conseguiu reunir o dobro de apoiadores da correligionária e obteve quatro votos. 

Desistência

Ao juiz, a defesa do PSD alegou que as duas mulheres desistiram de concorrer a uma vaga na Câmara Municipal, por isso o baixo número de votos. De acordo com os advogados, a candidata Carina precisou cuidar do pai, vítima de um AVC, e não conseguiu se dedicar ao pleito. 

“Outro fato peculiar que provocou o desestímulo das candidatas indicadas foi a desistência do candidato majoritário do PSD, Samuel Carlos, ao qual estavam vinculadas, já que o mesmo, no decorrer da campanha, desistiu de sua candidatura para apoiar um de seus concorrentes”, acrescentam. 

A defesa ainda apresentou ao juiz uma cópia de material de campanha e mídia com propaganda eleitoral na rádio das candidatas. 

Cassação

O juiz Sylvio Neto, na decisão, disse ter considerado a “votação pífia, os gastos mínimos com material de propaganda eleitoral, a semelhança no registro de despesas nas prestações de contas das candidatas, a denotar claros indícios de maquiagem eleitoral; a ausência de apoio por parte de parentes líderes políticos, a ausência de propaganda eleitoral ou sequer anúncio da candidatura nas redes sociais, o apoio por parte do esposo de Carina a candidatos que com ela concorriam na mesma chapa, a divulgação de propaganda nas redes sociais dos candidatos majoritários dos pré-candidatos proporcionais que concorreram pelo PSD, com exclusão apenas das candidaturas ‘laranjas’”. 

Na decisão, o magistrado determinou a anulação de todos os votos recebidos pelo PSD em Potengi. Ele também ordenou a cassação de todos os diplomas e mandatos dos candidatos eleitos e suplentes. Carina e Marly foram declaradas inelegíveis por oito anos. 

As duas candidatas, assim como o presidente e advogado do PSD em Potengi, Normando José de Sousa, foram procurados pela reportagem, mas não foram localizados ou não atenderam as ligações. 

Decisão inédita no Ceará

Desde maio deste ano, duas decisões do TRE-CE confirmaram sentenças de juízes eleitorais que cassaram chapas inteiras por fraudes na cota de gênero.

O primeiro caso foi em Croatá. Os magistrados entenderam que três mulheres se candidataram de forma fictícia, também pelo PSD, em busca de vaga na Câmara Municipal.

Entre as evidências apontadas pela Corte está a votação ínfima das postulantes. Geislaine Lorrayne Martins Bezerra e Luana Ferreira de Oliveira não receberam votos. Já Cinaria Maria dos Santos teve apenas um voto. 

A decisão, até então inédita na Justiça cearenses, se baseou em julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2019, no qual foi definido que a presença de candidaturas laranjas ou fictícias para fraudar a cota de gênero deve levar à cassação de toda a chapa eleitoral, com a perda do mandato dos eleitos.

Nova Russas

Em Nova Russas, o caso envolveu candidatos do PDT. A chapa era composta por Cynthia Lopes Chaves Rosa, Lina Vanessa Diogo Nunes, Tamyres Rocha Diogo e Diego Rocha Diogo – único eleito do grupo.

Na decisão, o juiz George Marmelstein também destacou o baixo desempenho das candidaturas femininas, a realização de campanha eleitoral inexpressiva e as despesas irrisórias na campanha dessas candidatas.

"O que se percebe é que houve uma simulação de candidatura para ludibriar a Justiça Eleitoral e permitir o lançamento de candidatos do sexo masculino. Dissimular uma solicitação de votos e a distribuição de santinhos não torna verdadeira uma candidatura fictícia"
George Marmelstein
Juiz

Pacatuba

Em Pacatuba, o alvo da denúncia foram as candidatas a vereadoras Eureni (DEM) e Suinane Freitas (DEM). A primeira obteve apenas dois votos e não realizou movimentações financeiras para a campanha, de acordo com a prestação de contas.

Já Suinane não prestou contas e nem sequer votou em si, não recebendo votos na eleição. Neste caso, a sentença foi dada pela Justiça Eleitoral de Pacatuba e também precisa ser confirmada pelo TRE-CE.