Com assinaturas suficientes para iniciar o trâmite na Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca acabar com a jornada de seis dias seguidos de expediente por um de descanso ganha cada vez mais adesão. Esta é uma demanda antiga relacionada à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), mas nunca chegou a avançar, apesar de ser abordada em outros projetos em tramitação. A grande maioria, contudo, está estacionada em Brasília no momento.
Basicamente, o ponto central dessas propostas é o mesmo contido na PEC apresentada pela deputada federal Érika Hilton (Psol-SP), que está prestes a ser protocolada na Câmara. O que muda entre os textos é a quantidade de horas subtraídas e por qual meio a medida passará a valer – se por legislação ou por acordos coletivos, paulatinamente ou não.
Nesta semana, em reação, a oposição também usou o tema para lançar outra PEC, desta vez com garantias opostas às defendidas pela deputada Érika. A proposta do deputado federal Mauricio Marcon (Podemos-RS), denominada por ele como “PEC da Alforria”, flexibiliza o regime de horas laborais, mas abre a possibilidade de trabalhadores receberem menos por isso.
Assim, quem optar por seguir no modelo da CLT, com 44h semanais de trabalho, continua com o mesmo salário, enquanto quem escolher esse regime alternativo deve receber proporcionalmente às horas trabalhadas, com remuneração contabilizada com base no salário mínimo ou no piso da categoria.
A matéria ainda está em etapa de coleta de assinaturas para poder ser protocolada na Câmara. Uma das signatárias é a parlamentar cearense Mayra Pinheiro (PL). Pelas redes sociais, ela comentou o apoio à iniciativa.
“Com muita responsabilidade, pela autonomia e liberdade de escolha do trabalhador, assinei a proposta do deputado Mauricio Marcon, de flexibilização da jornada de trabalho, com a remuneração proporcional às horas trabalhadas e que não implica em retirar direitos, mas em ampliar as opções para o trabalhador. Modelo nas principais economias do mundo, como nos Estados Unidos e em diversos países da União Europeia”, disse na postagem.
Propostas no Senado
O mais avançado até o momento é o Projeto de Lei 1.105/2023, que possibilita – não obriga – a redução das horas trabalhadas diárias ou semanais por acordo ou convenção coletiva, sem perda na remuneração. A exceção seria o atual regime de tempo parcial (até 30h semanais, sem possibilidade de horas suplementares, ou até 26h semanais, com possibilidade de 6h suplementares).
O texto, de autoria do senador Weverton (PDT-MA), foi aprovado de forma terminativa pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) em dezembro de 2023. Assim, podia seguir diretamente para a análise em plenário na Câmara dos Deputados.
Contudo, o trâmite vai contar também com uma passagem pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), após pedido do senador Laércio Oliveira (PP-SE), aprovado pelo Plenário. Em 29 de fevereiro deste ano, Eduardo Gomes (PL-TO) foi definido como relator. Desde então, não houve movimentações no texto.
Diferente da proposta de Weverton, que não fixa carga horária específica, a do senador Paulo Paim (PT-RS) busca reduzir a carga de trabalho semanal a 36h (com 8h diárias, no máximo), como defendido por Érika Hilton, gradativamente.
Na PEC apresentada pelo petista em 2015, a implementação da medida começaria no dia 1º de janeiro do ano subsequente à sua promulgação, com uma escala de 40h. Esta seria reduzida em 1h a cada ano, até chegar ao valor almejado. Isso também mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
O texto foi à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas não chegou a ser apreciado e acabou arquivado, em 2022. Em março de 2023, Paim pediu o desarquivamento, e a proposta voltou a tramitar. Um ano depois, Rogério Carvalho (PT-SE) foi escolhido relator da matéria. No último dia 13, ele enviou o parecer à CCJ com duas emendas.
“Considerando que um dos objetivos da Proposta é assegurar maior tempo de descanso aos trabalhadores, sem prejuízos financeiros, orientamo-nos pela aprovação do Projeto, com duas emendas, que assegurem o gozo de, no mínimo, dois dias de repouso por semana, além de garantir a irredutibilidade salarial e realizar ajustes de técnica redacional”, encaminhou o senador sergipano.
As duas proposições se assemelham em parte à ideia defendida pelo Ministério do Trabalho, comandado por Luiz Marinho, na última semana, após a redução de jornada de trabalho repercutir.
O MTE acredita que essa questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados. No entanto, a pasta considera que a redução da jornada de 40 horas semanais é plenamente possível e saudável, diante de uma decisão coletiva
“O Ministério do Trabalho e Emprego-MTE tem acompanhado de perto o debate sobre o fim da escala de trabalho 6x1. Esse é um tema que exige o envolvimento de todos os setores em uma discussão aprofundada e detalhada, levando em conta as necessidades específicas de cada área, visto que há setores da economia que funcionam ininterruptamente”, completa, ainda, o ministério.
Em linha semelhante, tramita a sugestão legislativa 12/2018, que também foi arquivada no fim da legislatura passada e desarquivada em março de 2023, a pedido do relator, justamente Paim. O texto seguiu na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, e a última movimentação foi em setembro deste ano, com a aprovação de requerimentos para a realização de audiências públicas acerca do tema. Se tiver o seu teor aprovado, passa a tramitar na Casa Alta como projeto de lei.
Essa iniciativa tem um raio de regulamentação bem mais amplo que as demais matérias citadas até o momento, e chegou ao Senado com a proposta de ser um “Novo Estatuto do Trabalho”. Entre outras pautas, o texto diz que “a duração ordinária do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de oito horas diárias e quarenta horas semanais”.
A sugestão foi apresentada ao Senado por organizações ligadas à Justiça do Trabalho, como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho).
Outra proposta, esta de autoria da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), já tem um impacto mais simbólico na discussão. O Projeto de Resolução do Senado (PRS) busca conceder o Diploma Empresa Ideal a empregadores que adotem melhores práticas de trabalho, como a diminuição da carga horária sem perda salarial.
Propostas na Câmara
Uma PEC em tramitação na Câmara dos Deputados tem teor semelhante ao de Paulo Paim. O texto apresentado por Reginaldo Lopes (PT-MG) em 2019 também pretende reduzir de 44 para 36 horas a jornada semanal de trabalho, mas em prazo maior: dez anos. A análise seguia pela Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) com relatoria de Tarcísio Motta (PSOL/RJ), mas este deixou o colegiado em fevereiro deste ano.
Há outra iniciativa na Casa Baixa relacionada à redução de carga horária, mas voltada para pessoas com deficiência (PCDs). O Projeto de Lei 3290/23, do deputado Bruno Ganem (Podemos-SP), trata sobre a diminuição de 1h a jornada diária desse público. A proposta está parada na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, sob relatoria de Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP), desde março deste ano.
A tramitação ocorre em caráter conclusivo e contará com passagens pelas comissões de Trabalho; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Duração da jornada de trabalho
Atualmente, a jornada que está em voga no Brasil é aquela que institui seis dias seguidos de trabalho por um de descanso, preferencialmente aos domingos. A Constituição Federal diz que a duração do trabalho normal não deve superior a 8h diárias e 44h semanais, “facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.
A PEC proposta pela deputada Érika Hilton indica uma redução desse período de trabalho para 36h semanais, sem redução de salários. "O momento é o de transformar as garantias conquistadas por determinadas categorias profissionais em direito para todos os trabalhadores brasileiros, especialmente, requerendo o fim da escala 6x1 e adoção da jornada de 4 dias no Brasil", justifica o texto da PEC.
A adoção de uma rotina menor de trabalho é discussão antiga, que chegou a ser pautada, inclusive, na Assembleia Constituinte para a Carta Magna de 1988. À época, o debate girava em torno de uma carga horária de 40h semanais. Um dos principais defensores dessa redução, à época como deputado constituinte, foi Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“O Partido dos Trabalhadores chegou à conclusão que de houve alguns avanços na Constituição na ordem social, no direito dos trabalhadores. Mas foram avanços aquém daquilo que a classe trabalhadora esperava que acontecesse aqui na Assembleia Constituinte. Nós entramos aqui querendo 40h semanais e ficamos com 44h”, disse Lula, em discurso no dia 22 de setembro de 1988.
Apoiadores da mudança argumentam que, entre os impactos positivos da medida, está a promoção de bem-estar e saúde ao trabalhador. Em 2023, o Ministério da Saúde incluiu a síndrome do burnout, distúrbio causado pelo estresse crônico provocado pelo excesso de trabalho, na lista de doenças de trabalho.
Isso não acontece à toa: o Brasil é o segundo país com mais casos de burnout no mundo, conforme aponta a International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR), com um volume de 72% dos brasileiros estressados no trabalho.