A poucos meses das eleições, 80,89% dos diretórios municipais dos partidos no Ceará funcionam em caráter provisório. Isso quer dizer que esses colegiados podem durar até oito anos e ser constituídos por membros – em número menor que nos órgãos definitivos – indicados por instância superior, e não por eleição em convenção, entre outras características. Apesar disso, em termos de prerrogativas, as duas modalidades não se diferem.
Segundo balanço do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), com amostragem fechada no último dia 11, há 1.516 diretórios provisórios e 358 permanentes nos municípios. Juntos, formam um universo de 1.874 órgãos. Já no Estado, há 13 momentâneos e 16 definitivos, totalizando 29.
Essa provisoriedade atinge legendas de diferentes tamanhos e influências no Estado, com seus 184 municípios. Os sete maiores partidos, considerando dados parciais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), divulgados em junho de 2023, têm 532 órgãos provisórios e 263 permanentes em solo cearense.
Vale destacar que o volume do segundo grupo é puxado pelo PT, que, sozinho, tem 176 diretórios municipais definitivos. Os demais são MDB, PSDB, PP, União Brasil, PDT e PTB – este, à época, ainda não tinha se fundido ao Patriota. A fusão resultou no PRD, que tem 77 colegiados provisórios e nenhum definitivo no Ceará.
Guardadas as devidas proporções, seis dos setes menores partidos (PCO, UP, PCB, Novo, Rede e PMB) têm apenas cinco órgãos definitivos (concentrados somente nas três primeiras legendas) e 51 provisórios. O PSTU é exceção, já que só tem um diretório municipal ativo – o de Fortaleza –, que é permanente, assim como o estadual.
Desse grupo, apenas a Rede atingiu a cláusula de barreira nas eleições de 2022, sob federação com o Psol. Por isso, os demais não têm acesso à propaganda gratuita em rádio e televisão e aos recursos do Fundo Partidário, que custeia as atividades cotidianas das siglas, e têm mais dificuldade em expandir.
Para isso, deviam ter eleito ao menos 11 deputados federais, distribuídos em pelo menos nove unidades da Federação; ou obtido, no mínimo, 2% dos votos válidos nas eleições para a Câmara, distribuídos em pelo menos nove unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada um deles.
O levantamento do TSE considera apenas o número de filiados, que é apenas um dos fatores para medir o tamanho de uma legenda. Considerando o volume das maiores bancadas na Câmara dos Deputados, entram nessa equação, ainda, PCdoB e PV, pela federação com o PT; o Cidadania, pela federação com o PSDB; o PSD e o Republicanos. A situação desses é a seguinte, em termos de órgãos partidários municipais no Ceará:
Republicanos
Definitivos: 0 | Provisórios: 130
PSD
Definitivos: 9 | Provisórios: 119
PV
Definitivos: 12 | Provisórios: 62
PCdoB
Definitivos: 43 | Provisórios: 27
Cidadania
Definitivos: 0 | Provisórios: 31
Turbinada em ano eleitoral
Observando os gráficos anuais disponibilizados pelo TRE-CE, nota-se que o volume de diretórios municipais tem sido maior nos anos das últimas eleições de prefeitos e vereadores. A maioria dos órgãos, nesses casos, é de caráter provisório.
A mesma tendência de crescimento não é observada, contudo, em anos de eleições para deputados, senadores, governadores e presidente. Segundo Adriana Soares, chefe da Seção de Gerenciamento de Dados Partidários (Sedap) do TRE-CE e membro do Grupo de Pesquisa sobre Partidos Políticos do TSE, é natural que o gráfico seja diferente.
Isso porque, mesmo que haja a necessidade de movimentar as bases locais, não é necessário utilizar a estrutura administrativa das siglas nas cidades para isso, como numa eleição municipal.
“Na eleição municipal, as relações de poder se deslocam para os municípios, então é o momento em que os órgãos partidários municipais têm mais importância. [...] Nas eleições gerais, os candidatos precisam de base, mas o órgão partidário não é um órgão importante para outros objetivos, como distribuição de recursos”, explica a pesquisadora.
Instabilidade
Essa volatilidade, muitas vezes, impede a constituição de estruturas internas sólidas, dificultando o andamento de procedimentos burocráticos e a vigilância própria sobre programas de inclusão das mulheres na política, por exemplo. É o que avalia Karolina Roeder, professora de Ciência Política e Gestão de Partidos Políticos na Uninter e doutora em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Ela aponta que a existência de um diretório local pressupõe uma organização de base perene, mas não é o que ocorre, em muitos casos. Esse, na sua avaliação, é passo importante para o cumprimento da cota de gênero nas eleições, a fim de respeitar o piso de 30% de candidaturas femininas.
“Fica difícil, inclusive, para recrutar mulheres. Algo que se fala muito no senso comum e na classe política é que é difícil, que as mulheres não querem se candidatar porque não gostam de política. Não, tem que recrutar antes, formar politicamente uma pessoa. Não vai ser uma candidatura viável do nada”, avalia.
Adriana Soares, por sua vez, lembra que há 83 diretórios com registro suspenso por não informar o número do CNPJ dentro do prazo adequado e outros 62 inativos por falta de prestação de contas – a maioria esmagadora são órgãos provisórios.
Vale destacar que essas informações, consultadas no Observatório de Dados do TRE-CE, foram atualizadas até a última segunda (15), então podem mudar consideravelmente a partir da semana seguinte, já que o processo de reativação é simples nessas situações.
Essas descontinuidades têm efeitos muito mais visíveis em ano eleitoral, quando os partidos estão formando chapas proporcionais para as câmaras municipais e fechando as negociações das chapas majoritárias, que envolvem manejo de recursos de campanha, de equipe jurídica, entre outros.
Poder e representação
Na avaliação das especialistas ouvidas pelo Diário do Nordeste, o fato de os diretórios provisórios serem o modelo mais habitual nas instâncias estaduais e municipais é relacionado à centralização de poder nas cúpulas dos partidos, sobretudo com o fator financeiro.
Com a vedação do financiamento empresarial nas eleições, em 2015, e a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), em 2017, as direções nacionais passaram a aglomerar essa função, o que deu mais poder aos dirigentes superiores.
Tanto é que a maioria dos diretórios nacionais é definitiva, pois é necessária uma estrutura mais sólida para essas atribuições.
“Antes, (essas decisões) também passava pelas cúpulas, mas não tanto quando hoje. Agora, os partidos gerenciam quase a totalidade dos recursos, que são públicos, exceto as doações diretas de pessoas físicas aos candidatos e o autofinanciamento. O diretório nacional faz a distribuição aos estados e municípios que eles quiserem”, afirma Karolina Roeder.
Dessa forma, indicam as pesquisadoras, houve um certo controle da hegemonia interna, uma vez de presidentes de instâncias menores tiveram que recorrer diretamente à cúpula para garantir os recursos para cada atividade tocada. Contudo, ainda assim há desgastes, como pontua Adriana Soares.
Um diretório provisório é burocraticamente mais fácil de dissolver pela Executiva Nacional em caso de embate entre dirigentes, por exemplo. Quem ocupa a cadeira mais alta pode mover as peças no xadrez interno e adequar a composição dos colegiados a seu gosto. Assim, essas incongruências também se tornam mais simples de resolver.
“Mas gera insegurança para as pessoas que estão assumindo as direções. Você não sabe se vai ser candidato (a) pelo partido porque você não sabe se o partido vai te apoiar, porque, hoje, você está em um órgão provisório”, alerta a chefe do Sedap-TRE.
“Para alguns órgãos constituídos agora, o fim de vigência é antes das eleições (municipais). Claro que para renovar é fácil, é só mandar pelo sistema próprio e o Sedap valida, mas o desgaste que existe dentro de um partido com uma dissolução dessa, a falta de segurança que existe para os dirigentes, é enorme”, completa.
Há, ainda, o fator da crise de representação dos partidos políticos, em movimento iniciado e fortalecimento em meados de 2013. “Nem todo mundo tem, hoje, o interesse de participar de partidos políticos”, indica Roeder, como uma das dificuldades de organizar diretórios municipais.
“Existem as exceções, mas, no geral, ter todos ou metade dos órgãos municípios provisórios, meio que indica que o partido não tem certeza que vai ficar naquele município. É uma falta de vinculação com a comunidade. Há órgãos que estavam inativados há um ou dois anos, e agora foram ativados. Eles não estavam no município antes, mas passaram a ficar só neste período (em virtude das eleições). Essa falta de comprometimento também é uma característica dessa estratégia de provisoriedade”, comenta Soares.
Provisório x definitivo
A duração dos diretórios partidários tem sido objeto de discordância entre Judiciário e Legislativo nos últimos anos. Em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral fixou um prazo de 180 dias para a vigência dos órgãos provisórios, período prorrogável para fins de eleição da nova composição permanente.
O Congresso Nacional, contudo, aprovou uma lei no ano seguinte a fim de ampliar esse tempo para oito anos. O tema é regido dessa forma desde então.
A Lei dos Partidos Políticos assegura uma autonomia às legendas para a definição do prazo de duração dos mandatos dos membros dos seus órgãos partidários, independentemente de serem permanentes ou provisórios.