Do arcabouço fiscal ao Orçamento, deputados retomam trabalhos com discussões urgentes para o Brasil

Combate à desinformação e discursos de ódio, regulamentação de apostas e alterações no arcabouço fiscal devem ter destaque no retorno da Câmara dos Deputados

A retomada dos trabalhos legislativos na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (1º), será marcada não só pela volta do presidente da Casa, o deputado federal Arthur Lira (PP-AL), do cruzeiro do cantor Wesley Safadão, mas também pelos debates em torno de assuntos caros ao Brasil - sobretudo os projetos que são de interesse do governo federal e de membros da base. 

Com a volta da programação habitual dos parlamentares, figuram, na lista de apreciação, a criação de dispositivos de combate à disseminação de conteúdo falso e discursos de ódio na internet, os pormenores do arcabouço fiscal, o Orçamento da União para 2024 e outras matérias, como a regulamentação de apostas esportivas e o estabelecimento de penas mais firmes para autores de ataques contra o Estado Democrático de Direito (EDD).

O Diário do Nordeste elencou cinco destas proposições e destrinchou outras questões relativas a eles que devem entrar no raio de preocupação da agenda pública e ocupar o noticiário político no decorrer dos próximos meses:

PL das Fake News

Apesar de ter sido protocolada em 2020, a proposição que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (o PL das Fake News), por exemplo, segue sobrestando a pauta da Câmara Baixa do Congresso. Em abril, a urgência da matéria chegou a ser aprovada pelo plenário, permitindo que o texto fosse votado a qualquer momento, sem a necessidade de que tramitasse pelas comissões temáticas. Entretanto, em maio, o projeto foi retirado de discussão.

O PL contém pontos que vetam, dentre outras coisas, a criação de contas falsas, o uso de contas automatizadas, a limitação de mensagens muito compartilhadas, a identificação de usuários que patrocinam conteúdos publicados, o bloqueio por contas de organizações governamentais e por perfis de pessoas de interesse público nas redes. Também estão previstas no texto a criação de um conselho cuja finalidade será monitorar a transparência e a responsabilidade na internet, além da imposição de sanções ou punições para quem descumprir a lei. 

A criação de dispositivos que possam coibir a desinformação foi alvo de críticas de integrantes da oposição, por considerarem uma limitação da liberdade de expressão, e de uma campanha contrária de grandes conglomerados de mídia como a Meta (proprietária de plataformas como o Facebook e Instagram) e o Google (responsável por serviços de busca e outras tecnologias digitais), que investiram valores volumosos para impulsionar conteúdos críticos ao projeto de lei. Em resposta, as empresas sofreram sanções do Supremo Tribunal Federal (STF) pela conduta adotada.

O assunto foi alvo de longos debates na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, sob a relatoria da deputada Lídice da Mata (PSB-BA). Segundo a relatora, o estágio atual requer uma articulação das lideranças e um compromisso do presidente Arthur Lira para que a matéria seja finalmente votada. "Há um novo momento com relação ao que tínhamos quando tentamos votá-lo, porque está cada vez mais claro que o mundo inteiro tem discutido e caminhado na busca por uma regulação das chamadas big techs", disse.

Na interpretação de Lídice, além da pressão das multinacionais que detém as plataformas, há um interesse de políticos que e se beneficiam das infrações que o projeto busca acabar. "Desde o início, a bancada ligada ao presidente Bolsonaro sempre se colocou contra", alegou, relacionando o grupo opositor ao fenômeno de disseminação de informações falsas. "É um movimento forte e que tem respaldo dentro da Câmara, porque é um partido grande no plenário", completa.

Ela ressaltou que, apesar de ser uma entusiasta do assunto e do projeto de lei em si, não se sabe se a tramitação vai progredir a ponto de ir ao plenário. "Com a chegada dos líderes, vai se tentar retomar essa discussão, para que a conversa seja iniciada", projetou.

Políticos mais distantes da agenda ideológica também defendem a relevância do PL. Um deles é Danilo Forte, do União Brasil. "Sou de um partido de centro, então a gente analisa ponto a ponto e discute da mesma maneira. Não tenho postura de ser oposição por oposição, nem de ser governista por atração de toma lá, dá cá", afirmou, no apoio ao cerco contra as informações falsas.

Arcabouço fiscal

Figurando como uma pendência no Legislativo, a conclusão da votação do arcabouço fiscal também era uma expectativa dos congressistas para o primeiro semestre deste ano. A proposição chegou a ser aprovada pelos deputados em maio. No entanto, por conta de alterações no texto-base durante a tramitação pelo Senado Federal, foi remetida para a Câmara a fim de ser votada novamente.

O projeto é de autoria do Executivo, substitui o antigo regime de teto de gastos e foi formatado para o cumprimento de uma das exigências previstas na Emenda Constitucional 126, criada pela "PEC da Transição". A proposta estipula uma série de regras de controle das contas públicas, com o objetivo de evitar a inflação e proteger o crescimento. Ela determina que alguns investimentos da União fiquem de fora do limite de gastos.

Nas palavras de José Guimarães (PT), líder do governo na Câmara, apesar do arcabouço ter voltado para o colo dos deputados em função dos destaques incluídos, a "espinha dorsal" do projeto continua a mesma, o que ele considera uma grande vitória do presidente petista. "Já votamos o novo regime fiscal sustentável, só falta votar as quatro pequenas mudanças que o Senado fez", ressaltou.

As "pequenas mudanças" ditas por Guimarães são as que retiram da regra fiscal o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação e as despesas nas áreas de ciência, tecnologia e inovação. Além disso, uma emenda apresentada pelo senador Randolfe Rodrigues (sem partido) e acolhida pelo relator Omar Aziz (PSD), mexeu na regra que delimita os gastos e poderá permitir que o governo use uma estimativa de inflação anual para ampliar a destinação de recursos ainda na fase de elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA).

Orçamento para 2024

O primeiro planejamento orçamentário elaborado durante o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve ser discutido com uma especificidade: as pendências em torno da reforma tributária e do regime de gastos. Os investimentos previstos no Orçamento de 2024 dependem do regramento estipulado nos dois textos que ainda tramitam no parlamento. 

Um dos instrumentos deste plano, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), tem como relator Danilo Forte. À reportagem, o político destacou algumas preocupações que serão consideradas prioritárias na definição de elementos que irão compor seu parecer. "Vamos apresentar um plano de trabalho, ela (a LDO) precisa ser dicutida posteriormente ao arcaboço fiscal, e o ideal também seria que fosse votada depois da reforma tributária, porque isso vai ter reflexo profundo na economia do País e não podemos fazer um orçamento fictício", ponderou, afirmando que a organização de tais recursos precisa ser mais próxima e embasada na realidade nacional para não oferecer riscos ao País.

De acordo com ele, algumas questões estão em jogo quanto à definição e à distribuição das verbas da União. "Quero iniciar em agosto as audiências públicas, que vamos fazer pelo Brasil afora, justamente para aproximar o Orçamento da realidade de cada região, cada estado, de cada setor social. Quero apresentar capítulos inovadores, como é o caso do incentivo à inovação tecnológica, principalmente casando energia renovável com transporte de água, como na questão da atenção à criança com deficiência, e quero avançar na pauta do empreendendorismo feminino", disse Forte, alertando que pretende ter como pilares a segurança jurídica e a sustentabilidade.

Para Guimarães, o Plano Plurianual (PPA) - que junto com a LDO e a Lei Orçamentária Anual (LOA) compõem o Orçamento - também é um esforço a ser empreendido como uma prioridade do momento. "É onde estarão as prioridades, tendo em vista a nova política fiscal e tributária do País", comentou o líder governista ao evidenciar a pertinência do planejamento para o desdobramento exitoso de realizações prometidas pelo grupo político.

Regulamentação das apostas

Temas mais recentes também deverão ganhar protagonismo e apresentam potencial para discussões acalouradas no plenário. Um deles, enviado pela equipe do presidente da República, na última terça-feira (25), visa formatar uma estrutura e estipular processos administrativos para fiscalização do mercado de apostas esportivas, segmento que é crescente no país.

O envio aconteceu como parte de um pacote de projetos divulgado do governo federal e no mesmo dia em que uma medida provisória para regulamentar as apostas virtuais, conhecidas como mercado de bets, foi publicada no Diário Oficial da União (DOU). As atribuições de controle ficarão a cargo dos ministérios da Fazenda e do Esporte, que são coautores do PL e da medida provisória. O governo federal espera arrecadar até R$ 2 bilhões ainda em 2024 e R$ 12 bilhões nos demais anos, com a MP.

Como rege o texto, as empresas do segmento deverão arcar com taxas de 18% sobre a receita obtida com os jogos. Serão descontados desse valor o pagamento dos prêmios aos jogadores e o imposto de renda devido sobre a premiação. O montante arrecadado deverá ser distribuído para a seguridade social (10%), o Ministério do Esporte (3%), o Fundo Nacional de Segurança Pública (2,55%), os clubes e atletas que tiverem nomes e símbolos ligados às apostas (1,63%) e para a educação básica (0,82%).

O instrumento de regulação do setor de apostas não foi bem visto pelas operadoras desde que a possibilidade foi aventada, a problemática estaria na taxação, assinalada como elevada por elas. Os políticos ligados a alas religiosas neopentencostais do Congresso também demonstraram insatisfação para com o tema, pois os "jogos de azar" seriam prejudiciais à população. As conversas em torno da MP, portanto, prometem ser acirradas. 

Pacote da Democracia

Ainda como um reflexo dos atos antidemocráticos do Oito de Janeiro, deve ter destaque na Câmara um pacote recente que prevê o endurecimento do combate de crimes cometidos contra a democracia. Os dois projetos de lei estão incluídos em uma iniciativa maior, o Programa de Ações na Segurança (PAS), e foram assinados pelo presidente Lula em uma cerimônia realizada na última sexta-feira (21), em Brasília.

Um dos projetos altera o código penal e aumenta as multas e penas para pessoas que financiarem, incitarem ou liderarem atos contra o Estado Democrátco de Direito. Pelo PL, quem atentar contra a vida de membros dos Três Poderes da República também poderá cumprir uma pena maior.

O outro projeto propõe uma alteração do Código de Processo Penal para facilitar a apreensão de bens e o bloqueio de contas bancárias e ativos financeiros, nos casos de crimes contra o estado democrático de direito. Uma vez que a mudança ocorra, o investigado ou o acusado poderá sofrer as medidas em qualquer fase do processo, e mesmo antes da denúncia ou da queixa.

Comportamento da bancada cearense

Formada por 22 deputados e deputadas, a bancada cearense na Câmara se configura como um agrupamento diverso do ponto de vista da localização nos espectros políticos, dos interesses e motivações políticas, e também no que diz respeito à relação que os membros têm com o governo.

Na interpretação do coordenador do grupo, Eduardo Bismarck (PDT), devido ao apelo social das pautas votadas no primeiro semestre, os integrantes votaram majoritariamente com os interesses governistas, mesmo os de oposição. "Acho que isso continuará, essa sensibilização. Nós cearenses, temos por hábito, um olhar voltado para as pessoas e o que elas precisam. Isso continuará ao longo do mandato, mas, em pautas polêmicas, o parlamentar vai tender para a opinião do eleitorado dele", exemplificou.

Questionado acerca do assunto, Guimarães indicou compartilhar da mesma visão, mas adiantou que, concluídas as votações, outro esforço deve ser empreendido, o de dar suporte às realizações que impactam diretamente no Estado. "O fundamental, nesse próximo período, é a bancada do Ceará se conectar com aquilo que vai ser fundamental para o segundo semestre, que é o lançamento do (novo) Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)", iniciou.

"A bancada tem que alocar as emendas dela para ajudar esses programas que são estrutruantes", acrescentou, citando como exemplo obras apresentadas como prioridade da administração estadual que devem ser concebidas como parte da política pública a ser criada, a exemplo da duplicação da rodovia BR-116 e da continuidade do projeto da ferrovia Transnordestina.

Os deputados enumeraram outras matérias que também irão ganhar força e deverão esquentar o clima no Congresso Nacional. Estão neste calhamaço a discussão sobre a especulada reformulação do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), a regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE), a medida provisória que criou o Desenrola e um pacote de projetos anunciado na quarta-feira (26), que têm a intenção de alterar a lei de responsabilidade fiscal e o regime de recuperação para favorecer crédito para os estados.