A operação da Polícia Federal (PF), na última sexta-feira (11), contra auxiliares do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), revelou novas faces do esquema de desvio de joias, relógios, esculturas, entre outros bens, que teria o ex-mandatário como centro das investigações — apesar de não ter sido alvo dos mandados até agora.
Responsável por autorizar a operação, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), chegou a indicar que há fortes indícios de que o ex-presidente ordenou o esquema.
“Foi criada uma estrutura para desviar os bens de alto valor presenteados por autoridades estrangeiras ao ex-presidente da República, para serem posteriormente evadidos do Brasil, por meio de aeronaves da Força Aérea brasileira e vendidos nos Estados Unidos, fatos que, além de ilícitos criminais, demonstram total desprezo pelo patrimônio histórico brasileiro e desrespeito ao Estado estrangeiro”
Com tais suspeitas, os investigadores pediram a quebra de sigilo fiscal e bancário do ex-presidente e de sua esposa, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. O Diário do Nordeste lista agora cinco pontos para entender o caso e os impactos dele para o ex-presidente.
A origem das investigações
A operação deflagrada na última sexta-feira faz parte de uma investigação maior, que já se estende desde março do ano passado. À época, foi revelado que, em outubro de 2021, uma comitiva do ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, e de auxiliares tentou entrar no Brasil com um conjunto de joias e um relógio de diamantes não declarados na mochila.
Os bens, presenteados pelo Governo da Arábia Saudita, eram avaliados em R$ 16,5 milhões. O material foi apreendido pela Receita Federal na Alfândega e, no próprio Aeroporto Guarulhos, em São Paulo, os integrantes do governo brasileiro tentaram pressionar pela liberação do material, sem sucesso.
Nos meses seguintes, até dezembro de 2022, o Governo Bolsonaro e o próprio Bolsonaro atuaram em pelo menos oito ocasiões para tentar liberar os bens. Ele também acionou três ministérios para forçar a liberação dos itens. Contudo, o material seguiu apreendido na Receita Federal.
Nova parte do esquema
A operação da última sexta-feira revelou um novo capítulo do esquema e teve como alvo auxiliares e aliados diretos do presidente: o general da reserva do Exército Mauro Lourena Cid, pai de Mauro Cid, ex-ajudante de ordem do presidente que está preso desde maio; além de Frederick Wassef, advogado de Bolsonaro, e Osmar Crivelatti, tenente do Exército e ex-ajudante de ordens da Presidência.
No esquema, integrantes do Governo Bolsonaro teriam desviado peças de luxo recebidas pelo mandatário para o acervo privado do político, evitando que os bens fossem incorporados ao acervo da União.
Mauro Cid teria recebido ajuda do pai para negociar essas peças com o intuito de repassar o dinheiro vivo ao ex-mandatário. Em uma das provas, o general Mauro Lourena Cid aparece no reflexo de uma escultura anunciada para venda.
Com o dinheiro em mãos, os auxiliares do presidente usavam laranjas para ocultar a origem dos recursos e facilitar a incorporação ao patrimônio de Bolsonaro, segundo as investigações.
"Os recursos, então, seriam encaminhados em espécie para Jair Messias Bolsonaro, evitando, de forma deliberada, não passar pelos mecanismos de controle e pelo sistema financeiro formal, possivelmente para evitar o rastreamento pelas autoridades competentes, conforme informado pela Polícia Federal"
Em uma das conversas obtidas pelos investigados, Mauro Cid revela, em janeiro deste ano, o esquema em conversa com Marcelo Câmara, assessor especial da Presidência da República
“Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente. (...) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né?”, disse.
Já Wassef, advogado de Bolsonaro, entrou em cena para tentar recuperar alguns bens depois que o caso envolvendo as joias sauditas apreendidas pela Receita Federal veio à tona. Ele e Mauro Cid agiram em busca dos bens nos Estados Unidades. O advogado chegou a recomprar um relógio da marca Rolex recebido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em viagem oficial e depois vendido pelo grupo. Depois de recuperado, o bem foi entregue ao TCU no âmbito dessas investigações.
Como Bolsonaro entra no caso
Além de estar cercado de suspeitos de operar o esquema, o ex-presidente teria utilizado a máquina pública para desviar presentes recebidos por ele, o que desencadearia toda a atuação de Mauro Cid e Mauro Lourena, seu pai.
Segundo relatório que consta na decisão do ministro Alexandre de Moraes, parte dos bens teria sido somado ao acervo privado do presidente — e não ao da União — sem nem sequer ser submetido ao Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência (GADH).
Outra parte dos presentes também teriam tido o mesmo destino por ordem do presidente ao GADH.
“Quanto ao relógio Patek Philippe, os indícios colhidos na investigação apontam que o referido bem sequer foi submetido à catalogação pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica – GADH e teria sido desviado, de forma direta, ao patrimônio do ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro”, narra Moraes em seu relatório.
Evasão de bens
Outro elemento que pesa contra o ex-presidente é uma suposta evasão de bens em dezembro do ano passado, quando Bolsonaro deixou o País e se abrigou nos Estados Unidos para evitar a transmissão do cargo para o presidente Lula (PT).
Conforme os investigadores, o ex-mandatário teria levado um conjunto de joias e relógio da Chopard estimados em até R$ 713 mil, além de um relógio Rolex e outro Patek Philippe, estimados em R$ 333 mil, totalizando mais de R$ 1 milhão em bens.
Também estaria em posse da comitiva esculturas de baixo valor, que chegaram a ser vendidas, mas os recursos não foram incorporados às finanças do ex-presidente em razão do baixo valor.
“Os elementos colhidos evidenciaram que as esculturas foram evadidas do Brasil, em uma mala transportada no avião presidencial, no dia 30 de dezembro de 2022. Em seguida, com auxílio de seu pai, o General Mauro Cesar Lourena Cid, Mauro Cid encaminhou os bens para vários estabelecimentos especializados nos Estados Unidos, para avaliação e tentativa de venda”
Impactos políticos e investigações
O aprofundamento das investigações sobre o caso envolvendo joias, esculturas e outros artigos de luxo recebidos pelo ex-presidente fecha o cerco contra Bolsonaro e expõe ainda mais os supostos esquemas de corrupção praticados em seu governo.
Em 5 de abril deste ano, o ex-chefe do Executivo nacional chegou a prestar depoimento à Polícia Federal sobre as joias sauditas.
O presidente ainda é alvo de diversas outras investigações, entre elas a que apura possíveis incitadores dos atos de 8 de janeiro em Brasília, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas.
Ele também é alvo do STF em uma ação que apura o comportamento do político durante a pandemia da Covid-19, quando o ex-mandatário promoveu aglomerações e desestimulou o uso de máscara e da vacina. O ex-presidente ainda é investigado no inquérito que apura as milícias digitais. Nesta apuração, ele chegou a ser alvo de busca e apreensão em maio deste ano.
O presidente também responde a um processo por incitação ao estupro e por injúria, após ter dito que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada porque é "muito feia".
É na Justiça Eleitoral, no entanto, que as investigações contra o ex-presidente mais avançaram. Em 30 de junho deste ano, por maioria (5 a 2), o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou a inelegibilidade de Jair Bolsonaro por oito anos, contados a partir das Eleições 2022.
No processo, ficou reconhecida a prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho do ano passado, quando o então presidente difamou sem provas o processo eleitoral brasileiro.
O outro lado
Na noite da última sexta-feira, a defesa do presidente informou que a movimentação bancária do ex-mandatário está à disposição das investigações. O presidente reforçou ainda que entregou joias que possuíam em março e que "jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos".
Já o advogado Frederick Wassef alegou estar “sofrendo uma campanha de fake news e mentiras de todos os tipos”. Ele disse ainda que está sendo “acusado falsamente de ter um papel central em um suposto esquema de vendas de joias”, crime que ele nega ter participado.
“Nunca participei de nenhuma tratativa, nem auxiliei nenhuma venda, nem de forma direta nem indireta. Jamais participei ou ajudei de qualquer forma qualquer pessoa a realizar nenhuma negociação ou venda”, disse.