Após um ano marcado pela pandemia da Covid-19, prefeitos eleitos no último pleito no Ceará se preparam para enfrentar novos e velhos desafios à frente das administrações públicas, em busca de tentar cumprir promessas de campanha. Diante das peculiaridades de cada município, as prioridades para o primeiro ano de mandato são unânimes entre os gestores: saúde, educação e equilíbrio fiscal. No entanto, enquanto para alguns o maior desafio é colocar as contas em dia para garantir serviços, outros têm planos mais vultosos de investimentos.
Apesar de as áreas apontadas sempre estarem figuradas nos primeiros lugares do ranking de prioridades dos gestores públicos, o sinal de alerta foi intensificado com a pandemia da Covid-19. É o que avalia o presidente da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece), Nilson Diniz, prefeito de Cedro até hoje.
Segundo ele, muitos municípios viram seus endividamentos aumentarem e os recursos ficarem mais escassos em meio à crise econômica e sanitária. Diante dessa realidade, Nilson Diniz afirma que a maioria dos prefeitos eleitos querem organizar as contas públicas, para garantir um plano operacional de vacinação e definir estratégias para a volta às aulas no ano que vem. O desafio, inclusive, é fazer com que todas as atividades da administração municipal tenham um bom desempenho com uma folha enxuta.
Diferenças
“A maioria dos prefeitos eleitos já estão encaminhando essas coisas, discutindo, mas sempre tem uns que vão por outro caminho. Por conta de promessas de campanha, acabam tendo outras prioridades. Mas a preocupação maior é com a vacina, preparar um plano operacional. Depois, a questão das voltas às aulas e gestão fiscal. Muitos prefeitos precisam reduzir gastos”.
Para o prefeito eleito de Granjeiro, o menor município do Estado, Chico Clementino (PSDB), o principal desafio é conseguir ordenar as contas da Prefeitura para garantir a continuidade de serviços públicos essenciais. Apesar das dificuldades, o gestor é otimista e promete “levar tranquilidade e melhorias” para a população. Além da pandemia, Granjeiro teve um ano marcado por incertezas políticas, com a passagem de três prefeitos em um único mandato. Em dezembro de 2019, o então prefeito João Gregório Neto, mais conhecido com ‘João do Povo’, foi executado. Sob suspeitas de participação no crime, o então vice-prefeito Ticiano Félix da Fonseca assumiu o comandado da cidade, mas em julho de 2020, foi preso junto com o pai, Vicente Félix de Sousa, por suspeita de participação no crime. Desde então, quem tem gerenciado a cidade é o presidente da Câmara Municipal, Luiz Márcio Pereira, o Marcim.
“No Granjeiro, depois da morte do João (do Povo), a população vive desconfiada, assustada. Eu sei que é um município pobre, o menor do Estado, tem muito problemas, a gente não arrecada imposto de quase nada. Por isso, vou começar com muita cautela, talvez tenha que colocar um secretário para cuidar de várias pastas, para economizar. Não vou acabar com as pastas. Quando vier recursos pode ser que melhore”, explica o novo prefeito.
De acordo com Clementino, a prioridade é garantir o pagamento dos funcionários públicos em dia e melhorar a gestão fiscal do Município para assegurar repasse de recursos federais. “Para garantir médicos, professores. Eu quero dar um pouco de paz para o povo”, ressalta.
Investimentos
Já o prefeito reeleito do Crato, Zé Ailton Brasil (PT), tem planos de aumentar os investimentos a partir do próximo ano. Para a Saúde, no ano posterior ao surgimento da pandemia, ele promete ampliar números de atendimentos e melhorar a oferta de exames e medicamentos.
Na Educação, o gestor projeta metas ambiciosas, como ultrapassar a média do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em todas as escolas do Município. “O Crato conquistou nota 10 em metade das 42 escolas avaliadas. Nós queremos continuar investindo para que todas as nossas escolas sejam de qualidade, priorizando principalmente a Educação Infantil”, pontua. Sobre gestão fiscal, ele diz que “o desafio será manter controle financeiro”.
Em Maracanaú, as perspectivas também são muitas para áreas prioritárias. O prefeito eleito Roberto Pessoa (PSDB) já assinou um termo de intenção de compra de quatro mil doses da vacina contra a Covid-19 produzida pelo Instituto Butantan (SP). Com dinheiro em caixa, afirma ele, a meta dele é garantir doses antecipadamente para profissionais da saúde, além de ampliar as unidades de atendimento na Cidade.
Na Educação, a meta é iniciar o processo para universalizar as creches de tempo integral, o que teria custo de cerca de R$ 30 milhões por ano. Além disso, ele quer atrair mais empresas para investir em Maracanaú. “Vamos vitalizar o Distrito Industrial, que é a nossa coroa de dinheiro, é de onde sai os impostos, construir um heliponto para os empresários, urbanizar a área”, planeja Roberto Pessoa.
Aulas
Os gestores ouvidos também compartilham uma expectativa em comum: todos dizem que vão aguardar orientações do Estado e do Ministério da Educação antes de definir uma data para a retomada das aulas presenciais.
Fora do âmbito das gestões municipais, a Educação, aliás, é apontada como preocupação para as futuras gestões. Para a diretora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Heulália Charalo, o ensino na rede pública foi o mais afetado durante a pandemia da Covid-19. Por isso, ela defende que os gestores devem se reorganizar não somente para um cenário de volta às aulas, mas para tentar garantir a diminuição da evasão escolar com o ensino remoto.
“O primeiro passo para o próximo ano para todos os municípios cearenses é fazer uma aproximação das políticas públicas com as escolas, para garantir inclusão digital de todos os estudantes, a formação de professores, porque as aulas virtuais devem continuar sendo um desafio”, ressalta a docente.
André Carvalho, consultor econômico do Aprece, por sua vez, projeta que “o principal desafio é conseguir navegar em 2021 sem gerar transações financeiras que transbordem o próprio ano. Ou seja, você conseguir com a arrecadação do próprio ano gerenciar todas as despesas e prover políticas educacionais, de Saúde”, argumenta.
Expectativas para o início da vacinação
Diante das marcas deixadas pela pandemia da Covid-19 na saúde pública e na economia das cidades, a presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems), Sayonara Cidade, projeta que os esforços de gestores públicos estarão voltados para a pauta da vacinação contra a Covid-19. Com as articulações em andamento para aquisição de doses, ela projeta que os prefeitos devem entregar os planos de operacionalização de imunização ainda no início do ano.
“O Governo Federal disse que a primeira vacina que for aprovada vai ser comprada. O governador Camilo (Santana) disse que vai garantir vacina para a população, caso não venha para todo mundo. Então, tem uma perspectiva das primeiras vacinas chegarem em fevereiro”, ressalta.
Ainda na avaliação da presidente do Cosems, apesar das dificuldades financeiras enfrentadas por muitas prefeituras, os municípios cearenses devem ter recursos para fortalecer as unidades de saúde, principalmente diante do crescimento da demanda. No Ceará, 80% dos habitantes dependem do SUS, conforme dados da Secretária da Saúde do Ceará.
Foco na retomada econômica
Com a projeção da chegada da vacina, os municípios devem ter no próximo ano uma melhora nas receitas, com a volta do funcionamento de mais serviços. É o que avalia o consultor econômico da Associação dos Municípios do Ceará (Aprece), André Carvalho. Para ele, além da retomada de geração de emprego e renda por conta da recuperação econômica, os novos gestores irão assumir as prefeituras com mais regras que limitam os gastos públicos.
“Você vai ter um início de gestão com mais regras sobre despesas de pessoal. Ao mesmo tempo que você tem a lei que concede auxílio financeiro aos entes públicos, a Lei 173, de maio de 2020, a mesma lei impõe restrições sobre o aumento de despesas com pessoal”, ressalta. Ele reforça, no entanto, que o ano que vem exigirá disciplina dos prefeitos eleitos para diminuir o rombo fiscal deixado em algumas prefeituras por gestores anteriores. Segundo os dados mais recentes do Tribunal de Contas do Ceará (TCE), 78 municípios gastaram mais do que o permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) com pessoal durante o segundo quadrimestre deste ano.