A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (16), o texto-base do Projeto que revisa a Lei de Improbidade Administrativa. A matéria recebeu o apoio de 408 deputados e teve 67 votos contrários.
Na prática, a medida estabelece que apenas medidas dolosas (intencionais) possam ser punidas, cria um escalonamento de sanções, além de delegar exclusivamente ao Ministério Público a legitimidade para propor ações de improbidade. Juristas cearenses criticam a mudança, mas ressaltam a necessidade de ajustes na legislação.
As alterações aprovadas pelos parlamentares estão previstas no Projeto de Lei (PL) 10887/18 e são defendidas pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP). Ele, inclusive, é uma das pessoas que podem ser beneficiadas com a mudança nas regras. O texto aprovado na Câmara segue para o Senado.
Combate à corrupção
A mudança no texto é criticada por integrantes do Ministério Público e ativistas anticorrupção.
“O projeto dificulta ainda mais o combate à corrupção. A proposta está em ritmo acelerado na Câmara sem que a sociedade tenha conhecimento e sem abrir um debate com as instituições, para que sejam esclarecidos os pontos que prejudicam o combate à corrupção. Em meio à crise sanitária que vive o país, com a população brasileira voltada para a pandemia, o risco é enorme de termos mais retrocessos”, criticou, em nota, a Associação Cearense do Ministério Público (ACMP).
A entidade reconhece que a legislação precisa de avanços, mas pede mais diálogo do Legislativo com a população.
“A Lei de Improbidade deve ser eficiente contra o enriquecimento ilícito e em favor do patrimônio público. A Lei precisa de avanços, entretanto a discussão precisa ser feita de maneira democrática e com prudência, sob pena da sociedade enfrentar prejuízos irreversíveis e retrocessos enormes”.
O advogado Fernandes Neto, presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE, faz críticas mais cautelosas ao projeto de lei em discussão na Câmara. “As medidas impostas pela Lei tem consequências graves na vida de uma pessoa, e essa lei tem sofrido, desde 1992, modificações decorrentes da jurisprudência de interpretação, que tem tipos muito abertos, por isso, há uma série de contendas jurídicas que envolve a problematização da improbidade”, ressalta o advogado.
Mudanças na lei
Entre os pontos referendados pelo relator, Carlos Zarattini (PT-SP), estão a eliminação do tipo de improbidade "culposa" (sem intenção) e trecho que estabelece que só o Ministério Público poderia encaminhar ações desse tipo – hoje a União, por exemplo, também pode cobrar ressarcimento de recursos dessa maneira.
Também muda as regras de punição com a perda da função pública. A matéria barra a perda do cargo em casos em que o acusado não ocupa mais o posto que motivou o processo, excetuando apenas casos "de caráter excepcional". Um prefeito, por exemplo, não perde mais o mandato em decorrência de uma ação da época em que foi secretário.
Conforme explica o advogado Fernandes Neto, a Lei de Improbidade Administrativa aborda situações em que o agente público provoca prejuízos aos cofres públicos, enriquece ilicitamente ou viola princípios da administração pública. Diferentemente do que ocorre na esfera penal, as penalidades não incluem a possibilidade de prisão, mas sim de perda de função pública, suspensão de direitos políticos e de ressarcimento de prejuízos.
Se houver condenação colegiada (por um grupo de juízes), o réu pode ainda ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa.
Perseguição política
Para o advogado, o foco das mudanças deve reduzir o uso das normas com a finalidade de perseguição política. “As ações civis públicas têm sido usadas por gestores como objeto de perseguição. Prefeitos que ganharam eleição começam a perseguir o adversário que estava na prefeitura, muitas vezes sem fundamento. Não há o mesmo critério como tem o Ministério Público”, aponta.
“Por outro lado, há entes estaduais e municipais que efetivamente são lesados por atos de improbidade. Talvez o ideal fosse um meio termo, em que ações movidas por entes federativos tivessem como máxima penalidade possível o ressarcimento”
Em pronunciamento, Arthur Lira minimizou críticas ao projeto. “Vão dizer que o que fizemos é açodamento, outros vão dizer que é flexibilização talvez, e uma grande maioria respeitada neste País de prefeito, de gestores e de membros do Ministério Público vão dizer o que já vem dizendo: que a linha da lei é boa, é moderna”, disse.
O QUE MUDA NA LEI
Descrição dos atos de improbidade
Como está hoje:
O texto da lei é muito genérico sobre as situações que podem configurar improbidade, deixando margem para que até decisões e erros administrativos sejam enquadrados na legislação.
Como fica:
O projeto de lei aprovado traz definições mais precisas sobre as hipóteses de improbidade e prevê que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente da divergência interpretativa da lei.
Forma culposa de improbidade.
Como está hoje:
A lei estabelece que atos culposos, em que houve imprudência, negligência ou imperícia podem ser objeto de punição.
Como fica:
O novo texto deixa na lei apenas a modalidade dolosa (situações nas quais houve intenção de praticar a conduta prejudicial à administração). Medida deve promover redução significativa nas punições, pois é muito mais difícil apresentar à Justiça provas de que o agente público agiu conscientemente para violar a lei.
Acordo judicial
Como está hoje:
Lei proíbe expressamente a realização de acordo judicial.
Como fica:
O texto do projeto de lei estabelece a possibilidade de um tipo de conciliação entre as partes, tecnicamente chamado de acordo de não persecução cível.
Titular da ação
Como está hoje:
O Ministério Público e outros órgão públicos, como a AGU (Advocacia-Geral da União) e as procuradorias municipais podem apresentar as ações de improbidade à Justiça.
Como fica:
O Ministério Público terá exclusividade para a propositura das ações segundo a proposta em trâmite na Câmara dos Deputados.