O que dizer do legado da Glória Maria?

O legado está tanto para os profissionais do jornalismo, pelo seu brilhante trabalho, quanto para a população negra, quando se abre a possibilidade de contrariar imagens estereotipadas.

Neste ano no dia 2 de fevereiro nos deixa a jornalista Glória Maria. Importante referência para a população negra e para a área do jornalismo pelo seu trabalho de excelência e dedicação.

A jornalista nos deixou um legado importante no campo da representatividade da mulher negra. As imagens veiculadas tem poder. Significa um ativo para o grupo étnico racial inviabilizado, estereotipado que convive com acusações do aparato de dominação de ser destituído de capacidade intelectual e potenciais criativos.

A representatividade da jornalista negra vem no sentido de demarcar o compromisso ao veicular sua imagem de modo positivo num dos maiores canais de telejornalismo do Brasil. Portanto, não foi necessário que a mesma tratasse diretamente da questão racial, ou de modo continuo denunciasse o racismo.

A presença do corpo preto já anunciava resistência, nos fazendo sentir-nos potentes, com coragem para seguir nos nossos propósitos de contrariar estatísticas de vulnerabilidade e resistir com engajamento político da luta antirracista. Como mulher carregava em seu corpo o significado de ser negra, e sem sombra de dúvida, sabíamos dos obstáculos que marcou sua trajetória de vida e profissional. Realizou reportagens em diferentes assuntos e formatos em muitos lugares que servem de referência.

Como jornalista demonstrou que apesar de pertencer a um grupo étnico sistematicamente desumanizado, desconsiderado e odiado conquistou importante espaço no meio de comunicação. Fato que demonstra o quanto a sociedade brasileira ganha quando ultrapassa o limite de ver negros/as como grupo incapaz de aprender.

O legado está tanto para os profissionais do jornalismo, pelo seu brilhante trabalho, quanto para a população negra, quando se abre a possibilidade de contrariar imagens estereotipadas. Provocou críticas à tentativa de reprimir os direitos das pessoas negras, à naturalização das hierarquias raciais e à aposta no modelo único do sujeito mulher, identificado apenas ao grupo racial branco e da classe média.

Durante mais de cinco décadas Glória Maria adentrou muitos lares com o telejornalismo. E as famílias negras foram tocadas pelo seu trabalho, posto que apresentou a possibilidade de sermos mais, de ocuparmos um lugar de vantagem na estrutura social. Nos orgulhava vê-la na TV, pois destonava de outros lugares ocupados pelo negro/as, principalmente nas telenovelas em posições subalternas e sem protagonismo.

Contar com oportunidade de expressar com engenhosidade a potência, faz com que pessoas negras alcancem seu propósito nos projetos profissionais, e os ganhos nunca são individuais, não se aparta do sentimento de coletividade. Dessa forma, a trajetória de vida profissional da Glória Maria beneficia a população negra, por ampliar as lentes de análise sobre o lugar de negros/as numa sociedade racializada e nos convida para a mudança.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.