Lá se vão cinco décadas desde que a ideia de explorar urânio no Ceará começou a pairar sobre o imaginário de autoridades públicas, empresários e população, em especial de moradores da região de Santa Quitéria e cercanias. Transformar em energia a riquíssima reserva da mina de Itataia, descoberta nos anos 1970, é uma ambição quase ancestral, resistente à passagem de gerações.
Uma pesquisa realizada nos arquivos do Diário do Nordeste encontrou registros que datam de 1983 (quando o Jornal tinha menos de dois anos de fundação) os quais já mostravam a intenção de executar este empreendimento energético. Conforme matéria de 20 de agosto daquele ano, o então ministro de Minas e Energia, César Cals, que também fora governador do Estado e senador, anunciava o projeto piloto de uma usina, que contaria com parceria com a iniciativa privada.
Ao longo de todo este tempo, muito foi traçado, discutido e noticiado sobre a exploração de urânio no interior do Ceará, uma empreitada que agora parece contar com um cenário favorável para, enfim, sair do papel.
No início deste mês, o País retomou, após hiato de cinco anos, a produção de urânio, em Caetité, na Bahia, um marco que não só reacende expectativas em relação à usina de Santa Quitéria, mas também a posiciona como um empreendimento estratégico nos planos energéticos do Governo Federal.
De acordo com o diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), o cearense Tomás Figueiredo Filho, na gestão Bolsonaro, a produção de urânio ganhou uma nova conotação, mais voltada à produção e à independência energética, e isto vem acelerando as iniciativas do setor de energia nuclear. Neste contexto, a mina de Itataia, a maior reserva de urânio associado ao fosfato do planeta, é vista como um ativo de destaque para o futuro da produção de energia no País.
“Houve reestruturação administrativa dos ministérios, e a INB (Indústrias Nucleares do Brasil) saiu da estrutura do Ministério da Ciência e Tecnologia e passou ao Ministério de Minas e Energia. Com base nesta mudança de viés, resolveu-se partir para a abertura de uma nova lavra dentro da mina de Caetité e também avançar com o Projeto de Santa Quitéria. Hoje, diante desta perspectiva do Governo, o projeto de Santa Quitéria é fundamental”, frisa Tomás Figueiredo.
Para se ter uma ideia, ele ilustra, o potencial de Santa Quitéria é cerca de quatro vezes superior ao de Caetité. Na Bahia, a produção inicial é de 270 toneladas de urânio por ano e deve crescer para 400t; já em Santa Quitéria a partida é de 1.500 toneladas de urânio anuais.
Demanda futura
O presidente da INB, Carlos Freire, ressalta que a mina cearense tem papel essencial para os planos do setor nuclear. “O Plano Nacional de Energia (PNE) prevê a conclusão de Angra 3 e contempla a ampliação de geração nuclear entre 8 GW e 10 GW até 2050, então teremos uma grande demanda futura”, projeta. “Com a entrada de Caetité e o início de Santa Quitéria (com sua maturidade prevista para 2024-25), teremos condições de atender Angra 1, 2 e 3, e o que está previsto no PNE 2050, gerando ainda um excedente de produção que o País poderia exportar – caso sejam levadas adiante algumas flexibilizações que vêm sendo discutidas no âmbito do Governo Federal”, diz Freire.
Mas, afinal, como está o cronograma do projeto? A expectativa é que o empreendimento receba a licença prévia, após análise do Ibama, no próximo ano, informa o Consórcio Santa Quitéria, responsável pelo projeto, e composto pela Galvani e a INB. O início da construção está previsto para o segundo semestre de 2022. O objetivo é que em 2024 se inicie a operação assistida. O investimento previsto é de US$ 400 milhões.
Pesquisas de campo
O Consórcio relata que técnicos e pesquisadores estão realizando atividades de campo e coletando informações para o diagnóstico ambiental da região que será apresentado no Estudo de Impacto Ambiental e no Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima).
Os resultados da pesquisa serão apresentados ao Ibama e “indicarão os programas socioambientais que deverão ser implantados para o desenvolvimento de uma produção mais responsável e sustentável do complexo, tanto para os colaboradores quanto para a população da região”.
Questão ambiental
Os possíveis impactos ambientais da exploração de urânio sempre vêm à tona quando se fala em Itataia. Nas redondezas da mina, conforme o Diário reportou em outubro, a população vive um contraste de sentimentos, do medo de episódios de contaminação à esperança de que a famosa jazida leve oportunidades a um lugar de inerente escassez.
“É importante esclarecer que não há risco de acidente nuclear nos empreendimentos de Caetité e Santa Quitéria, pois na mineração não há manipulação de materiais que façam a fissão nuclear”, pontua Freire. Nessas localidades, complementa, o urânio é associado às rochas encontradas na natureza. “Portanto, um eventual acidente nos complexos seria a liberação acidental de efluentes líquidos ou atmosféricos do processo. Esse risco é mitigado a partir da implementação de sistemas de monitoramento e controle que são adotados para a prevenção desse tipo de evento”, explica.
Mesmo diante do crescimento do uso de fontes renováveis, como solar e eólica, o presidente do INB defende o avanço da geração nuclear. De acordo com ele, o Brasil necessita ter uma matriz energética diversificada. “As energias renováveis como a solar e a eólica são importantes, porém são consideradas fontes intermitentes. A geração de energia elétrica por fonte nuclear é uma opção eficaz para colaborar com a diversificação da matriz energética brasileira e mitigar os impactos das mudanças climáticas, pois como não emite gases de efeito estufa, é considerada uma energia limpa”, justifica.
Ele destaca, ainda, que o Projeto Santa Quitéria será um foco de desenvolvimento não só para aquela área, mas para o Nordeste e o Brasil. A perspectiva é de 2,5 mil empregos gerados. “Trará uma série de benefícios socioeconômicos, como geração de empregos e de renda na região e desenvolvimento da infraestrutura local. Trará também benefícios para o País, com a produção de fertilizantes fosfatados de alto teor para abastecer lavouras de agricultores do Norte e Nordeste, fosfato bicálcico para composição de suplementação animal e concentrado de urânio, como matéria-prima para a geração de energia nuclear no nosso País”.