Quando o livro vira filme

Cresci ouvindo as histórias de uma avó sertaneja, do seu mundo de céu limpo, tempo lento, sem água encanada, luz elétrica, em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Norte. Eu era a única neta interessada em ouvir suas histórias, por horas e horas. Lembro de todas com detalhes.

Sei de tudo o que a família extraía da carnaúba, a diferença da cera que sai da palha para a outra, do olho da planta. Sei que quando meu tio-avô Chiquinho dava três espirros, é porque iria chover no outro dia. Sei músicas, casos de assombração, a infância, os segredos.

E de tudo isso eu lembro que me marcava o fato das pessoas naquele lugar levarem uma vida tão íntima dos ciclos da natureza. Assim nasceu a história de uma menina que fazia chover sempre que chorava, que contei no meu livro “Ela tem olhos de céu”.

Foi uma escrita despretensiosa, nascida da solidão e da saudade. Mandei o texto para Eny Maia, da Editora Gaivota, perguntando se por um acaso ela teria interesse. No dia seguinte escrevi de novo, dizendo que não desconsiderasse o envio, pois ainda precisava de reparos.

Quando recebi resposta, já chegou o livro ilustrado lindamente pelo Mateus Rios, diagramado e pronto para seguir para a gráfica. Não tive como dizer não, só achei que não daria em nada. Achei errado. No ano seguinte, ganhamos o Prêmio Jabuti de melhor obra infantil do ano de 2013.

Em 2015 o diretor Cláudio Martins me propôs a ideia de criar um curta de animação inspirado no livro. Foram seis anos de trabalho para que ontem estivéssemos todos juntos vendo “Sebastiana”, na tela grande do cinema Dragão do Mar, no Cine Ceará. Foi um sonho realizado. O som, a imagem, a mágica daquela sala tirou a todos nós da dureza do momento que estamos vivendo para um portal de esperança.

O filme é uma outra obra de arte, feita por profissionais que leram o livro e fizeram a sua versão desse fato insólito da menina que tem olhos de céu, cujas emoções controlam o humor das nuvens. Quanto poder tem Sebastiana! A cidade onde ela vive a considera amaldiçoada por isso. Chorar demais faz chover demais, alaga tudo. Só passa o choro chupando rapadura.

“Sebastiana” foi selecionado para vinte e quatro festivais de cinema no mundo inteiro. De Praga a Los Angeles. De Roma a Barcelona. O cartaz não tem mais espaço para tantas seleções e prêmios. E é a gente falando da gente.

Uma equipe de artistas do Ceará que fez um filme colorido, um sertão alegre, com uma música de flautas e acordeon. A miséria da seca deu lugar à mágica das cores que pintam a nossa América Latina.

Estar no cinema vendo isso tudo acontecer me fez lembrar do dia em que, sozinha em casa, escrevi essa história. Passou por mim, pela editora, pelo Mateus Rios, por tantos leitores, pelo coração do diretor Cláudio Martins, de sua equipe e agora leva nosso Brasil para o mundo tudo.

Nasceu da voz da minha avó Sebastiana, que continua falando no meu coração. Ainda bem que ouvi, que prestei atenção nela. Nós, nordestinos, somos o que está no filme do Cláudio: coloridos, mágicos, alegres, capazes de grandes belezas e milagres inacreditáveis. Que Sebastiana renove a nossa fé nos milagres.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.