Ao ler as notícias, como decidir o que é mais importante? É com esta frase que Margo Glantz, uma escritora mexicana de 91 anos inicia o seu livro “E por olhar tudo, nada via”, publicado no Brasil pela editora Relicário. Depois de começar assim, com uma pergunta de difícil resposta, ela escreve um texto em que elenca notícias, manchetes, eventos que acontecem em todos os lugares do planeta, fatos políticos, sociais, mudanças na natureza, avanços tecnológicos, dados, estatísticas, cultura inútil, um atrás do outro.
A pontuação frouxa e os parágrafos infinitos começam a provocar um barulho ensurdecedor no leitor, várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, importantes, banais, repetições de temas, guerras, mortes, nascimentos, músicas. Tudo encadeado, com velocidade.
Depois de Jorge Luís Borges, ela foi a autora que conseguiu definir a sensação da internet em um texto. Borges escreveu o conto “Livro de Areia” contando a história de um homem que vende um livro que não tem começo, nem fim e que, a cada vez que alguém abre, entra em uma página diferente, saltando para a outra, sem ordem.
Margo Glantz transpõe para a literatura a confusão ensurdecedora da internet, das redes sociais. É assim que estamos, cercados de barulho por todos os lados e é por isso, também, que vivemos exaustos. E como decidir o que é mais importante? Não decidimos, as coisas se atropelam, são vídeos, sons, mais vídeos. É divertido, é uma maneira de manter conexão com as pessoas, mas também esgota os recursos valiosos da atenção e da memória.
“E por olhar tudo, nada via” é um título perturbador porque nos reconhecemos nele. A memória não é capaz de reter uma exposição tão frenética a tantas coisas por dia, sem tempo de parar para pensar sobre nada. Nesse contexto, a leitura é um tempo de silêncio, uma pausa da vida real para o mergulho em outras vidas.
Nos tempos em que estamos muitos falam e poucos escutam. Poucos conseguem ouvir. O livro de Margo Glantz tem um único parágrafo e parece que nunca terá fim. Os fatos são organizados com alguma lógica que vem da erudição da autora: uma mulher de mais de noventa anos, que já foi professora nas melhores universidades do mundo e chegou em um lugar da vida onde é possível saber o que importa de verdade.
Ouvir o outro, talvez, seja a coisa mais necessária e parece que a contemporaneidade não deixa espaço para o silêncio.
Ler é um exercício silencioso de paciência, calma, memória. É uma forma de meditação. Já tem gente demais dando conselhos sobre como viver bem, mas acredito muito no poder do silêncio que a leitura proporciona. Ou do silêncio por ele mesmo, uma pausa no dia sem redes sociais, sem esse jorro compulsivo de palavras, imagens e vídeos que engolem minuto a minuto, horas, dias inteiros da nossa vida.
Margo Glantz nos ensina muitas coisas na sua obra inclassificável. Não é conto, nem romance, nem novela, muito menos ensaio. É uma compilação dos sons do mundo, das vozes de todos os lugares. Uma lembrança de que precisamos escolher para onde olhar, sempre para o canto que nos faz bem.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.