Recentemente, assistindo à entrevista de Denise Fraga para o programa Dando a Real, da TV Brasil, fui impactado por alguns assuntos levantados pela atriz. Em uma coluna passada, falei sobre a “Ditadura da Comédia” e hoje quero dar continuidade, abordando sobre algo que atravessa muito o meu trabalho: o teatro do discurso.
Na entrevista, Denise expressa sua paixão pelo teatro de histórias ficcionais e uma certa inquietação com o teatro do discurso, o teatro autobiográfico ou documental, que tem crescido nos últimos anos, e isso me fez refletir muito sobre a minha própria atuação e sobre o tempo teatral que estamos vivendo.
Sou um artista que acredita muito que a arte é a expressão do seu tempo. Sempre tracei meus trabalhos pautados em discussões latentes e necessárias para a sociedade, porque partia de mim o interesse de provocar, fazer refletir sobre questões muitas vezes silenciadas ou esquecidas. Durante minha trajetória, isso me fez optar pelo caminho do discurso algumas vezes, inclusive agora.
Acredito na arte como um verdadeiro sintoma de uma sociedade que adoece e encontra nas expressões artísticas a forma de demonstrar suas deficiências nas práticas político-sociais. Na Grécia Antiga, por exemplo, temos clássicos como Édipo Rei, Medeia ou Antígona.
Outro grande exemplo é Shakespeare, um autor que retrata a estrutura social e a realeza da Inglaterra por meio de suas obras na comédia ou na tragédia. Brecht usa da contação de história e da música para produzir denúncias políticas e injustiças sociais.
Chico Buarque, ao adaptar Medeia para Gota D’água, trabalha com os artifícios da aproximação cultural nacional, para questionar as diferenças entre homem e mulher. Temos também um panteão de autores expressando suas percepções a respeito de suas vivências ou observações do cotidiano, interessados em instigar assuntos como relações familiares, machismo ou injustiças de gênero, tudo dentro da ficção.
A magia da história ficcional está no poder de produzir conhecimento e reflexão através de algo, aparentemente alheio, mas de extrema identificação.
Afinal, a afeição do espectador está justamente em conseguir se relacionar com a obra. O que mantém o teatro vivo é, justamente, o poder da arte de fazer o espectador ser co-criador da experiência artística.
Assim, refletindo sobre o que já se construiu no teatro e o que temos atualmente em cartaz, de fato, é provável que estejamos vivenciando um processo de produção de dramaturgias documentais ou autobiográficas “em massa”. Isso não quer dizer que a ficção seja menor ou menos importante agora, mas que talvez isso esteja acontecendo pela necessidade de acontecer, como um reflexo quase óbvio.
Vivemos o tempo do discurso não só nas artes, mas na vida também. A tecnologia nos possibilitou ter “autonomia” de fala e qualquer pessoa com uma rede social tem espaço para discursar os mais variados temas. Se essa demasia de falas está presente na internet e, consequentemente, na sociedade, o teatro naturalmente acaba refletindo isso. Há uma demanda de fala, de voz, de autorrepresentatividade que é muito sintomática.
Esse modelo de expressão mais direta, “nua e crua” nunca será capaz de extinguir a produção de histórias, fábulas e ficções, mas como nenhuma experiência é individual talvez o poder do teatro do discurso, a troca direta, a história real gere hoje tanta identificação, porque estamos o tempo inteiro consumindo as experiências dos outros pelo toque dos dedos na tela do celular.
Entretanto, enquanto houver necessidade de troca humana e conexão com o que se levanta no palco, enquanto ir ao teatro partir da nossa tentativa de abstração e do envolvimento com uma história outra, a linguagem teatral permanecerá forte, seja no tempo da história ou no tempo do discurso.
Inclusive, é bem possível que essa fase do discurso seja passageira, mas é impossível que ela seja esquecida, porque o teatro é a sociedade, inclusive suas mazelas.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor