Desconheço uma mulher que não tenha proferido, na última semana, a frase "estou cansada". Algumas inserem neste dito um pouquinho de orgulho, afinal, estamos em uma sociedade que enaltece a exaustão e a estafa como supostos símbolos do “trabalho duro”. Outras, contudo, falam do seu cansaço como um genuíno pedido de socorro – um apelo que ninguém escuta.
O cansaço, na nossa sociedade, não é um atributo exclusivo de um gênero. Na verdade, todos nós estamos cansados. As demandas contemporâneas por performance, desempenho, a incessante busca por autoaperfeiçoamento, a instabilidade social e econômica que enfrentamos são fatores que contribuem para a fadiga generalizada. Mesmo quando atingimos um patamar financeiro desejável, somos instados não ficarmos parados, a “superar-se”, a buscar mais e mais “resultados”. Ansiamos na necessidade, ansiamos na bonança – e, portanto, estamos sempre ansiosos, inquietos, esgotados.
Entretanto, quando se trata das mulheres nesta Sociedade do Cansaço, há fatores agravantes adicionais. O cansaço das mulheres reflete pressões sociais, culturais e estruturais profundamente enraizadas. Sim, todos estamos cansados, mas o fardo invisível do trabalho doméstico, corriqueiramente, recai sobre as mulheres.
Ainda são poucos os parceiros que compreendem as complexidades envolvidas no cuidar de um lar. Há maridos que não sabem, por exemplo, a logística que demanda a manutenção de um simples banheiro – com qual a periodicidade se deve repor as escovas de dentes, comprar papel higiênico, pasta de dentes, desinfetante sanitário?
Sim, estamos todos cansados, mas é a mulher que frequentemente assume a função de "cuidadora". Há homens que se autoproclamam pais presentes, porém desconhecem o número do calçado do filho, não estão a par de seu calendário de vacinação, não sabem a data da próxima consulta pediátrica ou sequer conhecem o nome da professora da escola.
Costumeiramente ignoramos que muitas mulheres casadas, na verdade, são mães solos - vivenciam todas as atribuições da maternidade sozinhas, apesar de terem o genitor ao seu lado.
Sim, todos estamos cansados, mas a vigilância sobre a aparência, que vai da cor do fio do cabelo à cutícula da unha, passando por tentativas de maquiar, retirar ou ocultar as texturas naturais da pele, também estão na conta da mulher. Mulheres são vítimas de padrões de beleza inalcançáveis e chegam a apelidar de “autocuidado” aquilo que, na verdade, decorre das pressões estéticas exigidas por uma sociedade adoecida.
Por sua vez, os homens, em sua maioria, nunca saberão o que é ter que destinar parte de sua renda mensal para serviços como design de sobrancelhas, depilação, manicure, pedicure, hidratação capilar - sob o risco de, se o não o fizerem, serem tachados de “desleixados”.
Sim, é verdade que estamos todos cansados, mas a constante hipervigilância, que nós mulheres precisamos ter em relação aos ambientes que transitamos, e às nossas vestimentas, a fim de evitar assédios oportunistas, também entram na nossa conta de exaustão.
Homens não precisam pensar estrategicamente se seus shorts estão curtos demais, se suas roupas marcam seus corpos em demasia. No cotidiano, não faz parte do pensamento masculino a possibilidade de sofrerem uma violência sexual. Entretanto, desconheço uma mulher que não apenas nunca tenha pensado sobre isso, como também não tenha agido ou se precavido, diversas vezes, a fim de se proteger de uma situação de assédio ou violência sexual.
Cada vez que uma mulher ignora que sua exaustão também é fruto de uma estrutura social injusta e sexista, e se apresenta como uma “guerreira” ou como protótipo da mulher maravilha, que desempenha várias funções, que está sobrecarregada, mas que se porta como uma heroína fictícia de quadrinhos em um mundo real, ela está contribuindo para seu próprio esgotamento e adoecimento. Cada vez que nós aplaudimos essas “guerreiras”, essas “mulheres maravilhas”, estamos contribuindo para a perpetuação do status quo de uma sociedade injusta.
Muitas ações individuais podem ser tomadas por essas mulheres que querem despertar do torpor de sua exaustão, como: aprender a dizer não, valorizar-se, aprender a ser admirada por quem você é e não pelos serviços prestados, aprender a delegar, ter melhores escolhas conjugais – lembrando que um homem que divide equitativamente as tarefas domésticas não é um homem maravilhoso, é apenas um adulto funcional, etc.
No entanto, reduzir a exaustão feminina à uma lista de afazeres individuais é negar que estamos diante de um problema estrutural. É preciso que a sociedade se conscientize que a exaustão das mulheres é uma pauta coletiva, que gera adoecimento e graves repercussões biopsicossociais. Sem conscientização, nenhuma mudança será possível e, como de costume, apenas continuaremos culpabilizando as vítimas; e estas, por sua vez, continuarão a acreditar que mulheres-maravilhas existem no mundo real.
*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora