A finitude da vida se mostrou de forma tão cruel novamente na última sexta-feira. Em uma tarde triste, partiu para os palcos espirituais a cantora Marília Mendonça em um acidente de avião. Seria impossível, diante desse falecimento tão assustador, não tentar homenagear a artista que viveu pouco tempo mas de forma tão bonita.
O sentimento atordoado que tomou a minha cabeça é independente de gostar ou não do gênero da cantora. É como se alguém que caminhasse por perto sumisse de sua vista e isso é desconfortante, triste e severo. Se torna perturbador assistir o desfecho de uma carreira tão forte mas ceifada pelo destino.
A compositora nascida em Goiás alcançou o estrelato na casa dos vinte anos, sendo dona de seus próprios passos, competente diante sua proposta musical e consciente quanto à personalidade. Sua presença no sertanejo é de grande importância dentro da representatividade feminina no estilo e fortalecendo a ideia que o Brasil é um país de cantoras.
Mesmo adotando a sofrência como marca de suas letras, por dignidade diante o público e colegas, ganhou o respeito até de astros sagrados do nosso cancioneiro popular agora enlutados diante uma morte tão inexplicável. Tudo isso prova que Marília não era qualquer cantora!
"Mar(av)ílha Mendonça”
“Estou chorando. Acho que nem posso acreditar”, era o que dizia a publicação do grande Caetano Veloso no twitter após saber a notícia do falecimento da artista. O baiano expressou em poucas palavras o sentimento de todo um país prostrado diante um irremediável acidente que destruiu cinco vidas em Minas Gerais.
Muitos podem questionar a relação entre os dois e as más línguas deduzirem que o reconhecimento só veio depois da morte, mas nesse caso posso provar o oposto. Em seu último álbum lançado há poucas semanas, Caetano Veloso menciona a voz sertaneja na música inédita “Sem Samba não dá”.
Na letra, o tropicalista e sua desconstrução fala das novas tendências, nomes e gêneros da música popular. No refrão vem a homenagem chamando a compositora de "Mar(av)ílha Mendonça” e em sequência a palavra afinação. Agora, a imagem de altivez de Marília segue viva não só em suas composições, mas em outras vozes e cantos.
Quem também a admirava era a querida Alcione que chegou a prometer em entrevista uma parceria com artista goiana. Na ocasião, a maranhense ainda afirmou que uma parceria das duas era para “derrotar mesmo”, mas não deu tempo…
Felizmente em 2018, em seu álbum “A pele do futuro”, a incrível Gal Costa fez questão de convidar Marília para participar de seu repertório e interpretou no disco a música “Cuidando de longe”. A parceria das duas ganhou até clipe que nesta fatídica sexta-feira encheu os olhos de lágrimas da veterana.
A voz jamais calará
Mesmo em uma trajetória curta e ainda repleta de muitos sonhos a serem conquistados, Marília Mendonça exerceu seu papel de forma plena no cancioneiro popular do país. Desfrutou do carinho e prestígio no qual agora sabemos que só os grandes possuem. Alcançou respeito e reconhecimento sem impor a popularidade, o que é louvável.
Dentro de seu estilo sertanejo inovou com coragem. Mostrou que a mulher também tem direito de se expressar, pedir uma cerveja em um bar e chorar por sua dor de cotovelo. Aliás, a tal da sofrência adentrou corações magoados que muitas vezes clamaram em coro nos bares o grito: Infiel!
Como já escrevi, Marilia Mendonça e o sertanejo não fazem parte da minha playlist cotidiana, mas quem da minha geração não sofreu escutando a sua voz potente e se identificando com as mesmas decepções? É por isso que ela se faz tão presente na minha caminhada, por vezes indiretamente, em outras, trilhando até rápidos e intensos amores.
A artista continuará sendo encontrada nos CDs, plataformas, bares, shows e nos corações de inúmeros fãs que agora caem em prantos diante a notícia tão inacreditável. “Os bons morrem jovens” é o que afirma o trecho de uma música do Renato Russo, talvez seja verdade, mas as marcas de uma história sempre viverão presentes em sua qualidade e bravura.