Os livros chegavam pelo correio, no número 845 da rua Pierre Luz, no bairro Quintino Cunha, em Fortaleza. Afora os LPs comprados na Tok Discos da Praça do Ferreira, eu torrava meu minguado salário de técnico de raio-x no tão aguardado pacote que abria sofregamente, a cada início de mês.
Na mesma remessa, podia vir um volume de poemas de Leminski; um romance policial de Hammett; uma novela de Kafka. Mas, nas capas modernas e coloridas, estava sempre a mesma logomarca — a letra B, acompanhada do nome de minha editora então favorita, grafado na vertical: Brasiliense.
Aos 20 anos, jovem leitor em formação, identificava-me com os títulos e slogans das coleções. “Cantadas literárias: literatura sem frescura”, “Circo das Letras: uma nova coleção para uma nova literatura”. Ali, conheci de André Breton a Charles Bukowski, de Pier Paolo Pasolini a Caio Fernando Abreu, de Ana Cristina César a Jack Kerouac.
O boletim trimestral com informações sobre os lançamentos, “Primeiro Toque”, trazia sempre a sentença de Whitman: “O que pode haver de maior ou menor que um toque?”. O editorial intitulava-se “Lero” e os artigos podiam ser escritos em versos, por poetas da geração mimeógrafo, ou apresentados na forma de histórias em quadrinhos. Tudo assim, coloquial e arrojado.
Até hoje eu não sabia, mas a história do rejuvenescimento da velha casa editorial, fundada em 1943 pelo historiador Caio Prado Jr., passou por Fortaleza.
Foi quando esteve na 31ª reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), em 1979, que o filho do fundador, Caio Graco, decidiu pela guinada que faria da Brasiliense a editora responsável por formar toda uma geração de leitores.
Ao testemunhar a ebulição que reunia, no Benfica, intelectuais veteranos e estudantes cabeludos, Caio Graco teve o “estalo”: publicar livros de iniciação que unissem densidade e leveza, tratassem de temas urgentes com linguagem arejada: conhecimento e prazer do texto. Um então jovem estagiário, Luiz Schwarcz, concebeu o fenômeno editorial que abriria espaço para os posteriores, a coleção “Primeiros Passos”.
É o que conta o livro “Caio Graco Prado e a Editora Brasiliense”, organizado por Sandra Reimão e Gisela Creni, recém-lançado pela BBM — selo da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin — e que pode ser baixado, de graça, no site da instituição (www.bbm.usp.br).
Não é obra de fôlego. Na verdade, trata-se de breve compilação de excertos, editados anteriormente, aqui e ali, em outras publicações. Mas presta justa homenagem a Caio que, também fiquei sabendo no livro, foi o idealizador da cor amarela como símbolo das “Diretas Já!”.
Talvez valha a notinha de pé de página: foi graças a Caio Graco, aliás, que tomei gosto por biografias, ao devorar os livrinhos da “Encanto Radical”, cuja slogan era “Uma coleção que fala de gente, não de heróis”. Para quem, quando menino, tinha sido obrigado a engolir hagiografias de generais nos manuais de Moral e Cívica, soava como uma libertação.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.