Empresárias do Ceará sentaram à mesa com Jade Romero para um diálogo que você deveria acompanhar

De políticas para mulheres mães à urgência de uma reforma tributária que dê visibilidade à economia do cuidado foram pautas do encontro

"O que eu sonho é que, daqui a um tempo, seja tão natural que a gente não precise falar de equidade de gênero", disse a vice-governadora Jade Romero (MDB) no início de seu discurso de apresentação às quase 20 empresárias do Lide Ceará (Grupo de Líderes Empresariais) que sentaram à mesa da Vice-Governadoria, na manhã desta segunda-feira (20), para discutir temas que impactam a sociedade, mas principalmente as mulheres, com os múltiplos reflexos no desenvolvimento econômico, na capacidade produtiva do Estado, na geração de emprego e renda e, claro, na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Não dá mais para fugir da urgência de ações no combate à violência contra a mulher no Ceará e do fato de que, para ser efetivo, ele precisa estar aliado a estratégias de saúde mental, capacitação profissional, geração de renda, construção de redes de apoio, investimentos na infância, equidade salarial, dentre outras. E isso passa, essencialmente, por aliar políticas públicas e setor produtivo.

"Nós não queríamos tratar, nesse encontro, das questões usuais que normalmente se trata no mês das mulheres, que são muito importantes, é da nossa essência tratar dos múltiplos papéis como mães, como empresárias ou donas de casa, enfim. Mas nós queríamos focar mais na pauta da economia e da política. Fazer essa provocação de ter mais mulheres sentadas à mesa pra discutir temas que vão impactar na vida das pessoas, da sociedade, do desenvolvimento econômico, da produtividade, da geração de emprego, da geração de renda", ressalta a presidente do Lide Ceará, Emília Buarque.

Através dessa expectativa, empresárias de diversos setores, como metal-mecânico, automobilístico, de tecnologia e de alimentos, trouxeram à mesa questões que vão desde o suporte ao desenvolvimento educacional de meninas à necessidade de o País avançar numa reforma tributária.

Dada a importância dos debates, a coluna separou alguns tópicos que precisam de avanços urgentes e passaram pela discussão do grupo de mulheres.

Violência contra as mulheres

Em um Estado com alto índice de violência contra as mulheres, era impossível não dar o devido destaque a esse assunto, apontado pela vice-governadora como prioridade da atual gestão. Jade Romero, que também é secretária das Mulheres, apresentou projetos como a Casa da Mulher Cearense, uma rede integrada de suporte judicial, social e psicológico que, segundo ela, deve ser expandido para cada uma das 10 regiões administrativas do Estado.

Entre as preocupações apresentadas pelas lideranças econômicas, foram ressaltadas a necessidade de lidar com a violência para além da segurança, focando também na saúde mental, e de atentar para os impactos da violência urbana no ambiente de trabalho.

Em um dos depoimentos, foi narrado o caso de uma funcionária que tem deixado de comparecer à empresa por não ter com quem deixar o filho que está sem ir à escola por disputa territorial de facções criminosas. Uma das sugestões ao Governo foi de criar um canal próximos aos Recursos Humanos das empresas para mapear vulnerabilidades como essa. 

Economia do cuidado 

Outro ponto destacado foi a invisibilidade das mulheres que acumulam funções domésticas, mas não são reumeradas pelo trabalho de cuidado. Um cálculo da organização não governamental Think Olga mostra que esse acúmulo equivale a 11% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

"O que temos feito para reforçar papéis de gênero em que as mulheres são responsáveis por tudo?", questionou a vice-governadora.

O debate passa pela reforma tributária e pela criação de um conjunto de novas medidas fiscais que considere o cenário. 

Segundo Romero, neste ano, o Ceará deverá ter o primeiro orçamento sensível para raça e gênero, ou seja, vai avaliar mais objetivamente o impacto dos investimentos sobre mulheres e pessoas negras, por exemplo.

Capacitação profissional

Em diferentes falas, foi apontada a urgência em promover capacitação profissional para as mulheres, especialmente em áreas de tecnologia, como demanda do setor produtivo. 

A vice-governadora ressaltou que esse é um dos focos do Programa C-Jovem, lançado no final de 2022 e que tem meta de capacitar 100 mil estudantes em Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) nos próximos cinco anos. Segundo ela, o governo deve fomentar a presença de estudantes do sexo feminino na iniciativa.

Também foi cobrado mais diálogo entre governo e setor produtivo para que ambos estejam cientes das necessidades do mercado e de como podem unir esforços na formação profissional e geração de emprego.

"Foi falado muito do setor de aço, do setor mecânico, do automotivo, de tantos seguimentos de tecnologia que são ainda infelizmente dominados pelo público masculino, mas que existe essa possibilidade de que as mulheres sim venham a ocupa esses espaços", disse Emília.

Equidade salarial

Outro ponto foi o problema da desigualdade salarial entre homens e mulheres no mercado de trabalho. A vice-governadora apresentou as propostas do Executivo para incentivar empresas a obedecerem à legislação.

Tramita na Assembleia Legislativa um projeto que cria um selo de equidade de gênero para premiar empresas que promovam a igualdade salarial. Outra proposta do Governo é implementar um percentual de vagas nos contratos terceirizados para mulheres que foram vítimas de violência.

"Sabendo dos desafios que nós temos, com as mulheres tendo mais tempo de estudo e ganhando cerca de 30% menos do que os homens, desempenhando as mesmas funções, a gente precisa fazer esse debate e precisa encontrar os mecanismos para que a gente possa catalisar esse processo. Para que a gente não tenha que esperar várias gerações pra alcançar algo que deveria ser tão natural, que é a equidade, que é você receber pelo mérito, pelo pelo papel que você desempenha", pontua Jade.

Rede de apoio

A preocupação em criar uma rede de apoio para as mulheres, tanto para as que trabalham em casa como fora, foi ressaltada também. 

Uma das questões foi como o Estado pode ser parceiro das empresas no incentivo às mulheres que têm filhos e necessitam deixar os filhos em creches ou com mulheres cuidadoras.

Além disso, a liberdade da mulher em escolher os rumos que quer seguir foi ponto de consenso:

"Não é o caso de o estado dizer onde o cidadão deve atuar: se a mulher tem que deixar de ser dona de casa e ir pro mercado de trabalho. Não é essa a questão. Mas da possibilidade de ela poder tomar a decisão, de ter a sua liberdade. Se ela se sente confortável no controle e na orientação da família, ótimo. Se ela se sente mais confortável trabalhando fora de casa, bom também. Se a mulher tem o talento e a possibilidade de se capacitar para a área de serviços, ótimo, mas também, se ela quiser atuar na indústria, no setor metal mecânico, nessa nova oportunidade que nós vamos ter aqui no estado do Ceará, que é do segmento de transição energética, ou na área de tecnologia; que as mulheres tenham essa oportunidade"
Emília Buarque
Presidente do Lide Ceará

Investir nas meninas

E foi com o foco em criar cada vez mais mulheres livres que o debate passou também pela formação das meninas, especialmente no que diz respeito a se aproximar de uma educação que as incentive a atuar em áreas que, há alguns anos, eram vistas como "masculinas". 

Outro ponto foi a necessidade de cuidar da saúde mental de crianças que vivenciam situações de violência no lar para que, no futuro, não haja homens e mulheres repetindo comportamento nocivos e criminosos. 

E daqui para frente?

Um encontro só de mulheres do Lide Ceará não é habitual. O debate desta segunda-feira foi uma exceção, segundo a presidente do grupo, pela simbologia do mês de março e por ser o primeiro diálogo com a vice-governadora.

Entre os próximos passos, estão ampliar o debate com o setor produtivo, levando os pontos para uma discussão também com líderes homens.

O primeiro passo foi dado: conhecer as realidades e visualizar cenários possíveis de parceria entre os setores públicos e privados. Agora é mãos à obra porque geração de empregos, capacitação e combate às violências são fundamentais para qualquer projeto de desenvolvimento social e econômico.