É verdade que incesto não é crime no Brasil?

Esta semana o Diário do Nordeste, no seu dever de informar, divulgou em primeira mão um caso que, além de surpreendente, trouxe dúvidas jurídicas

Uma mulher de 36 anos, casada com um homem de 39, foi presa suspeita de tentar matar, na mesma ocasião, o referido marido e a filha deste. Segundo a Polícia, o delito teria sido motivado 1. pela descoberta de um relacionamento amoroso entre seu marido e filha deste, e 2. pela revelação de um encontro sexual triplo, do pai e da filha com o namorado desta.

Ademais dos detalhes surpreendentes, e do debate moral e religioso, o caso traz uma dúvida: incesto é crime? Se pai e filha quiserem manter um relacionamento, isso é possível à luz do Direito? E o que diz a ciência a esse respeito?

No Direito Criminal

O incesto, por si só, não é crime no Brasil. O delito específico de estupro do art. 213 do Código Penal só é assim considerado quando há violência ou grave ameaça. O intercurso sexual de pai e filha, com consentimento e sem violência, assim, em regra, não é proibido. Entretanto, quando há envolvimento de menor de 14 anos, há o chamado estupro de vulnerável (art. 217-A, Código Penal), que é punido com reclusão de oito a quinze anos. Incorre na mesma pena quem pratica sexo com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Há, entretanto, o Projeto de Lei 603/21, do deputado Sanderson (PSL-RS), que, se aprovado, criminalizará a prática de incesto no Brasil. O texto prevê reclusão de um a cinco anos para quem mantiver relação sexual com pai ou mãe, filho ou filha, irmão ou irmã e ainda avô ou avó, seja parente consanguíneo ou por afinidade. O projeto propõe a inserção de um artigo no Código Penal. Ainda tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados; se obtiver aprovação naquela casa, será votado também pelo senado e, depois, submetido ao aval do presidente.

Na Exposição de Motivos do Projeto, o deputado ressalta “a necessidade de uma legislação penal de combate ao incesto, por se tratar de prática que contraria os costumes e a legislação civil”.

Outros Ramos do Direito

No Direito de Família, conforme artigos 1.521, I e 1.723, § 1.º do Código Civil, não é permitido que pais e filhos casem entre si, e nem mesmo desenvolvam união estável com essência familiar, sendo clandestino para o Direito de Família qualquer ajuntamento neste modelo.

Para o Direito das Sucessões, disso resulta que os filhos permanecem herdeiros, e não meeiros, mantendo-se integral a regra dos artigos 1.829 e 1.790 do Código Civil.

No Direito Previdenciário, fica claro que um pai não deixa para a filha com quem tenha relacionamento amoroso uma pensão por morte “vitalícia”, como é o caso da viúva, mas apenas uma pensão por morte que ordinariamente cessará quando aquela completar vinte e um anos de idade (art. 77, § 2.º, II, Lei 8.213/91).

Além da questão moral e biológica, a Instabilidade Jurídica seria um desafio se fossem reconhecidos os efeitos civis ao incesto, uma vez que a posição do pai e do filho é clara e bem posicionada nos ramos acima estudados, não se sabendo como se acomodariam novos direitos com o reconhecimento. Por exemplo: a filha que casa com pai com ele gera filhos ou netos? A filha seria meeira, herdeira ou ambos? A pensão seria vitalícia ou até os vinte um anos, ou ambos?

Uma visão da Ciência

Para o Mestre em Psicologia pela UFRN Francisco Wilson Nogueira Holanda Júnior, em trabalho referência para o tema, admite-se hoje, no campo “da psicologia evolucionista, da etologia, das neurociências e de ramos da antropologia” que a proibição do incesto não é um fenômeno estritamente sociocultural, mas algo “influenciado por fatores psicobiológicos”.

Um desses fatores, prossegue o professor, seria o “Efeito Westermarck”, um mecanismo que evoluiu para inibir o incesto e uma habilidade que inicia seu desenvolvimento na infância. Segundo essa teoria, a exposição íntima e a convivência familiar entre pessoas durante a infância enfraquecem a atração sexual quando adultas. O estudo demonstra várias visões da utilidade desse mecanismo: uniões fora dos círculos familiares melhoram as redes de cooperação social, fortalecem a noção de autoridade dentro da família e evitam riscos biológicos.

Com relação à biologia, conforme estudo citado por Holanda, proles provenientes de relações consanguíneas de primeiro grau são de 17% a 40% mais prováveis de sofrer doenças ou morrer quando comparadas às crianças nascidas de relações não consanguíneas; ademais disso, nos casos de endogamia entre pai e filha, há uma probabilidade maior que 50% para diagnóstico possível de transtorno autossômico recessivo.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.