Ora, eu falei com ele terça-feira, quarta ele ainda tava online. Intubou de madrugada e morreu de manhã? Não faz sentido.
Ele ainda viria aqui, só nós, esposas e filhos. Finalmente minha casa é grande e ventilada! Era necessário ainda segurar a Malu no braço, cozinhar, planejar, cantar. Lembrar as mesmas piadas. Ele dizer que me amava. Eu me proteger naquele abraço forte.
Porra, o Humberto? E agora?
Eu queria ser ele. Já na faculdade vendia computador, estagiava, tinha carro, era independente, morava praticamente só. Só tirava nota boa e gostava das aulas, até das ruins. Faltava toda sexta à noite pra guardar o sabath, mas foi o melhor aluno.
Fez júri sem estar formado ainda, com vitória expressiva. Nos anos 1990, naquele tempo ainda travado, já dizia que nos amava a todos e não escondia emoção. Brigava por cada um dos amigos e até se intrigava com quem ele achava que nos fazia mal.
Culto a ponto de conversar sobre tudo, mas tinha coisas que só ele sabia e fazia você ouvir abestalhado.
Tinha uma gaiatice contida que logo explodia em altíssima gargalhada se encontrasse espaço. Ele sempre calculava bem como chegar e como sair, sempre se preocupou em respeitar os ambientes e se apresentar muito bem.
Ah, eu sempre quis ser e falar bonito como ele. Era inspirado numa fé que nunca vi igual, tinha uma voz linda, um porte gigante, uma delicadeza na fala e um senso de observação que lhe permitia falar a coisa certa na hora oportuna. Falou ao lado do caixão do meu pai com um sorriso sincero na face e, naquele momento, tirou a dor de nossos ombros e nos deu esperança.
Gostava mesmo era de elogiar, de motivar, de levantar, e usava seu dom para isso. Amou seus pais e namorada à distância melhor que quem amava presencialmente, porque um telefonema seu, melhor que um simples comparecimento, era a versão sonora de um remédio revigorante.
Sempre uma palavra, uma lição, um conselho. Para seu amor disse, no derradeiro leito, que estava em paz; que se fosse vontade de Deus sua ida, iria feliz; que nos procuraria a todos por lá. Falou isso daquele jeito: voz suave e tom de certeza, jeito infantil e sabedoria madura, quase uma piada, quase um discurso, quase possível para nós fazermos parecido em algum momento.
Tão inspirador que é e sua esposa e filhos estão fortes a ponto de inspirar os amigos. Que discurso lindo da Márcia – e dos Pastores, do Médico, dos amigos.
Eu até que tentei, confesso, fazer um discurso do lado do seu caixão, mas só senti mesmo duas coisas: um nervosismo, que ele mesmo quase nunca tinha quando começava a falar, e sua presença gaiata, contidamente rindo de mim, grato por nós.
Consegui dizer, enfim, que o amava, e me arrependo de não ter dito antes e mil vezes. Mas tudo tem seu tempo sob os céus – Humberto diria, citando o nome do livro bíblico e talvez o versículo.
Uma amiga sonhou com Humberto tranquilizando-a. Eu, talvez perturbado, talvez num momento de fé, pedi um sinal do Humberto e, na mesma hora, recebi uma ligação informando que meus irmãos receberam a vacina em casa. Chorei triplamente.
Coincidência ou não, para mim recebi um recado segundo o qual a vida terrena segue, temos uma missão e ela é linda até o fim.
E aprendi mais: que não precisa de milagre, andar sobre a água, para haver inspiração. A verdade pode ser ou não mística, mas é verdade.
Humberto não queria que eu tivesse sua religião, mas sempre desejou sinceramente que eu experimentasse sua fé. Pois é. Você conseguiu.
O que podemos dizer pra você, Mano? Muito obrigado, te amo e até um dia.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.