Em frente ao Shopping Leblon do Rio de Janeiro, no último sábado 12, um casal de jovens acusou um jovem negro de ter furtado uma bicicleta elétrica, e somente pararam o violento e abusivo assédio quando este conseguiu demonstrar, através de fotos antigas, a sua propriedade e inocência. Sorte sua que tinha um celular. Parte da ação foi filmada e colocada em redes sociais, sendo prova irrefutável e provocando muito burburinho, razão pela qual estou aqui para falar dos aspectos técnico-jurídicos.
Em primeiro lugar, não há dúvida: trata-se de racismo, definido assim no artigo 2, ponto 2 da Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1978.
Naquele diploma consta, como racismo, o comportamento discriminatório fundado em preconceito étnico.
Do ponto de vista da persecução criminal, é possível que o casal agressor seja culpabilizado pelo racismo, mas provavelmente não se a jurisprudência nacional majoritária for atendida – isto é, se a maneira como os tribunais têm decidido se mantenha.
Criminal
É que o delito de Injúria Racial, previsto no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, só tem se aplicado a quem ofende alguém verbalmente usando os elementos de raça, cor, etnia. Lamentavelmente os julgados não tem achado relevante a ofensa à dignidade ou o decoro quando o agressor age de maneira preconceituosa sem pronunciar expressões ofensivas relacionadas à cor da pele.
Assim, os tribunais entendem que chamar alguém de “macaco” em referência à etnia negra merece reprimenda – no que eu concordo -, mas não tem enquadrado no art. 140, §3.º as pessoas que ofendem a honra e dignidade das pessoas negras sem usar essas famigeradas expressões.
Exemplificando: sou vítima, por muitos anos, de ofensas representadas nas expressões “neguinha do Pajeú”, “caroço de ata” ou piadas infames relacionadas à cor da minha pele, mas reputo igualmente ou mais ofensivas situações em que sou acusado de ladrão por conta de meu fenótipo. Essas expressões não são punidas, como o racismo, conforme entendimento da maioria dos julgadores.
Já o crime de racismo, previsto no art. 20 da Lei 7.716/1989, provavelmente não será atribuído ao casal, uma vez que, segundo os tribunais brasileiros, o agredido deveria ter um direito seu cerceado, como a faculdade de entrar em espaço de uso público, e a etnia negra, coletivamente considerada, é que seria o objeto da proteção. Também não concordo com essa leitura, uma vez que, do exame da letra da lei, verifica-se que praticar discriminação implica em reclusão, ponto final, inexistindo quaisquer condicionantes ou distinções.
Há, entretanto, aparentemente, a incursão do casal na prática de calúnia, que está no art. 138 do Código Penal, por terem imputado falsamente fato criminoso à vítima.
Trabalhista
Soube que cada um dos agressores foi demitido dos seus respectivos empregos, e fui perguntado pelos meus alunos se é lícita tal punição. Ora, se a demissão foi sem justa causa – aquela em que o empregador paga todas as verbas rescisórias ao empregado – não há punição, mas o exercício de uma faculdade, o que também pode ser chamado de extinção do contrato por mera resilição contratual. A propósito, um dos estabelecimentos pertence à mãe de um dos demitidos.
Por fim, tenho sido perguntado por colegas advogados se a prática de discriminação acima estudada gera o direito ao empregador de demitir os empregados agressores por justa causa – aquela forma de desenlace contratual em que não é feito aviso prévio e nem se paga multa de 40% do FGTS, dentre outras verbas. A resposta, mais objetiva possível, é que, a preço de hoje, no Direito Brasileiro, a empresa não pode demiti-los dessa maneira. Explico.
É que o art. 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) proclama que são faltas graves do trabalhador atitudes que, no geral, são tomadas no âmbito da empresa. Assim, pertencem somente ao âmbito pessoal do trabalhador, pelo menos no que diz respeito à aplicação de justa causa, as atitudes que este realiza na vida privada.
A exceção seria a condenação criminal do casal, e sem mais recurso algum (“transitada em julgado”) – algo que, provavelmente, como já expliquei, não acontecerá, pela maneira que os tribunais têm tratado casos similares.
Vale lembrar que a “incontinência de conduta”, prevista na CLT, diz respeito à conduta sexual do empregado na empresa; e que “mau procedimento”, também ali elencado, é um “coringa” que só serve a atitudes realizadas na empresa. A embriaguez habitual fora do serviço ou a prática constante de jogos de azar são o que chamamos no mundo jurídico de “letra morta”.
Como consultor empresarial, militando faz duas décadas nos Recursos Humanos até de multinacionais, devo advertir que o comportamento do empregado fora do trabalho e, até mesmo, como se porta em redes sociais, é algo avaliado nas contratações e, muitas vezes, alvo de especial disciplina nos contratos de trabalho, com cláusulas que por exemplo proíbem até mesmo manifestações políticas ou envolvimento em confusões tornadas públicas. Essas punições, como é notável, são de caráter contratual, e não estão na lei.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.