No fascinante universo da construção de marcas, somos frequentemente bombardeados com mantras publicitários sobre a importância de valores sólidos, propósito e, claro, da perpetuação da boa reputação. Esse papo de “seja uma rocha, seja confiável” já soa como reza de cartilha para executivos de marketing de primeira viagem. A máxima, contudo, não deixa de ser verdadeira: um posicionamento sólido e estratégico é essencial para quem quer prosperar por décadas.
Especialistas como Philip Kotler, o “papa” do marketing, não cansam de repetir que uma marca bem-sucedida se baseia em confiança, consistência e relacionamento com o consumidor. Da mesma forma, Al Ries e Jack Trout, em “Posicionamento: A Batalha por Sua Mente”, reforçam que se destacar em um mercado saturado depende da habilidade de se manter estável enquanto todos os outros balançam. Mas é fácil pregar isso quando se está num escritório climatizado de consultoria, com décadas de planejamento meticuloso para sustentar gigantes como Coca-Cola, Apple ou Disney.
Do lado oposto da moeda, há os chamados “Cometas do Branding”. São as marcas que não estão aqui para brincar de dominó e, sim, para jogar uma partida de pôquer com fichas que valem pouco no longo prazo, mas brilham muito no curto. Marcas de tempo limitado, que, em vez de consistência, apostam na combustão instantânea: muita luz e calor até que o efeito passa, como um show de fogos de artifício. Para essas empresas, crescer vertiginosamente é a prioridade e, por isso, são especialistas em um fenômeno que sempre funcionou bem em sociedades sedentas por entretenimento e choque: a polêmica.
O sociólogo Jean Baudrillard já previa que a sociedade do espetáculo, onde o “chamar atenção” é uma commodity, abriria espaço para esse tipo de crescimento rápido. O foco não é ser correto, mas ser notado. Isso explica como empresas como Balenciaga, Burger King e a Pepsi que desafiam padrões e alcançam pulos de audiência.
Parte 2: A polêmica e a arte de se tornar notável (quase da noite para o dia)
Nos anos 70, uma polêmica tinha um valor de entretenimento controlado. Era uma forma de quebrar tabus e desafiar normas, mas, ao mesmo tempo, tinha limites sociais bem definidos. Um político envolvido em escândalos poderia até ganhar manchetes, mas raramente saía do episódio com uma imagem fortalecida. O professor e psicólogo Albert Bandura, com sua teoria da aprendizagem social, já dizia que o público era menos exposto à violência e a comportamentos desviantes e, por isso, tinha uma percepção menos tolerante ao comportamento antiético.
Avancemos para 2024 e temos uma sociedade que não só digere a polêmica como uma iguaria gourmet, mas que também a vê como um certificado de autenticidade. A antropóloga Sherry Turkle observa que o digital redefiniu o conceito de intimidade e impacto social. Hoje, o escândalo não é mais um pecado público — é uma plataforma de lançamento. Pense em como celebridades, políticos e empresários se tornaram mestres na arte de manipular narrativas de escândalo para cimentar seus nomes na consciência coletiva. Eles não apenas sobreviveram às polêmicas, mas prosperaram com elas, transformando uma aparente falha de caráter em uma identidade sólida.
Lembram do princípio do “fale mal, mas fale de mim”? Se nos anos 70 isso era visto como sinal de falta de seriedade, hoje virou dogma de marketing. Se, naquela época, a audiência era seletiva e tinha tempo para se lembrar dos bons e maus momentos, hoje, a volatilidade da atenção favorece quem consegue estar em evidência o maior número de vezes. Isso cria o fenômeno do “reconhecimento relâmpago”, onde o nome e a presença superam qualquer análise de mérito ou virtude.
Parte 3: Polêmica e crescimento - Uma receita com sabor amargo para a sociedade
Analisemos casos de sucesso usando a “estratégia da controvérsia”. Nos anos 2000, a Abercrombie & Fitch era a marca do momento para jovens nos Estados Unidos. Eles eram arrogantes? Sim. Exclusivos? Sem dúvida. Inclusive, Mike Jeffries, ex-CEO, declarou que não queria pessoas “gordas e feias” usando suas roupas. A polêmica foi um sucesso. A marca foi catapultada ao status de “aspiração”. E o que aconteceu? Aquele brilho rápido se apagou à medida que a sociedade se afastou dos ideais de beleza extrema e abraçou a inclusão. Resultado? Uma marca que caiu tão rápido quanto subiu.
Marcas e líderes que usam a polêmica não se sustentam porque a polêmica é, por natureza, desgastante. Como bem argumenta a psicóloga Sherry Ortner, o que é chocante hoje é a norma amanhã, e a audiência fica cada vez mais entorpecida, demandando doses maiores de controvérsia para responder emocionalmente. No final, você se torna o próprio garoto da ladeira gritando “Lobo!” uma, duas, três vezes, até que ninguém mais acredita ou se importa.
O problema? O imediatismo. Em uma era de redes sociais e engajamento de curtidas, a polêmica não apenas banaliza valores, como também serve como um atalho para falsos ícones de liderança. É o que Noam Chomsky chama de “tirania do efêmero”: o líder polêmico, que sobe em uma plataforma de escândalos, acaba sendo construído pela mídia e pelas massas com a mesma rapidez com que é destruído. A consequência política? Elevamos personalidades vazias a posições de poder, não pelo que têm a oferecer, mas pelo quanto nos fizeram reagir.
Vivemos um paradoxo: queremos líderes e marcas autênticas, mas premiamos quem grita mais alto. Assim, polêmica virou sinônimo de autenticidade. E como lidamos com isso? Simples: pagamos o preço. Se não com dinheiro, com a qualidade do que chamamos de sucesso e de liderança. Porque, no final, a polêmica é ótima para chamar atenção, mas péssima para construir um legado que não desmorone na primeira chuva de ética que vier.
E assim, a polêmica, esse cometa de luz breve e intensa, pode levar marcas e pessoas ao topo. Só não se esqueçam de uma coisinha: depois que a poeira baixa, o espetáculo acabou, e o que sobra é só fumaça. Que bom que alguém no marketing lembrou de comprar o extintor, não é?