Teve grande simbolismo o evento que reuniu ontem no Complexo do Pecém o governador do Ceará, Elmano de Freitas, e o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte.
Ambos celebraram um acordo que cria o já chamado “Corredor do Hidrogênio Verde”, ligando os portos do Pecém e de Roterdã, que são legal e literalmente sócios.
Outro acordo, também assinado na mesma ocasião, indica que as duas partes desenvolverão os esforços possíveis e necessários para tornar Pecém e Roterdã “Portos Verdes”.
O primeiro sinal simbólico que se extrai do acontecimento de ontem está no reaquecimento político do projeto do Hub do H2V no Complexo Industrial e Portuário do Pecém. O tema parecia hibernado, mas agora voltou a ocupar a atenção da mídia, graças à presença física do chefe do governo holandês.
A Holanda, seu governo e sua sociedade estão entre os grandes países que trabalham para tornar sustentável o desenvolvimento econômico e social do mundo, e isto passa pela substituição, o mais rápido possível, das energias de origem fóssil pelas energias renováveis.
O projeto do Hub do Hidrogênio Verde do Pecém também retorna ao noticiário, desta vez com o protagonismo holandês, que aporta seu prestígio e seu capital ao empreendimento cearense.
Mas esta coluna, nos últimos três meses, tem ouvido de empresários e de proeminentes acadêmicos cearenses opiniões sobre o que deve sugerir o Ceará às grandes empresas nacionais e estrangeiras que estão chegando para tornar realidade o Hub do H2V do Pecém. Eles são unânimes na formulação da seguinte questão:
O Complexo do Pecém será apenas uma área geográfica para a produção, o armazenamento e a exportação, via marítima, do Hidrogênio Verde, ou as unidades industriais de produção a serem construídas em sua geografia agregarão valor ao produto aqui mesmo no Ceará?
Há – entre industriais e agropecuaristas e, também, entre a comunidade científica – a desconfiança de que o Ceará produzirá Hidrogênio Verde exclusivamente para o consumo dos países da União Europeia – preferencialmente a Alemanha e a Holanda.
Desconfia-se de que as empresas do Hub do H2V utilizarão mão de obra, expertise e tecnologia próprias, olvidando o investimento que faz hoje a Federação das Indústrias (Fiec) por meio do seu Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-CE), que instalou um Centro de Excelência para a formação e a qualificação de quadros técnicos destinados às empresas de geração de energia solar e eólica.
Desconfia-se, ainda, de que as diligências da Universidade Federal do Ceará (UFC) – cuja Reitoria criou um curso para a especialização de engenheiros e outros profissionais de nível superior que estarão disponíveis para as empresas do Hub – serão, igualmente, preteridas pelos investidores, que preferirão o seu próprio time de especialistas.
Parece uma Teoria da Conspiração, mas essas desconfianças são pertinentes e fazem sentido. Os europeus destruíram suas florestas e agora impõem aos países que as têm, como Brasil, condições para fazer negócios de exportação e importação.
Em fevereiro, este colunista percorreu, de automóvel, os 700 km que separam Berlim, na Alemanha, de Amsterdam, na Holanda. Viajou por autoestradas maravilhosas, permanentemente ladeadas por campos de produção de batata e beterraba. E não viu sinal do que se denomina, aqui no Brasil, de reservas florestais. Fazendas aqui, florestas lá, já disseram os agricultores norte-americanos, que temem o agro brasileiro.
Resumindo: para esses cearenses desconfiados, o temor é de que, como na época do Descobrimento, em 1.500, os europeus desembarquem no Pecém, celebrem a primeira produção do Hidrogênio Verde e carreguem daqui para lá, em modernos navios e em forma de amônia, o Pau Brasil de hoje.
Assim, antes de o jogo começar, será bom estabelecer as regras com as quais esse jogo será jogado.
Miremos o caso dos nossos maravilhosos e disputadíssimos mármores e granitos. Por culpa do governo estadual – não deste, de Elmano de Freitas, mas de recentes – o Ceará extrai e exporta, sem agregar valor, matéria-prima em estado bruto.
A preço de banana, exportamos rochas ornamentais para a Itália e outros países, que as transformam em caríssimas peças para pisos e revestimentos de grandes edifícios. Os aeroportos de Dubai e Abu Dabi são belos, também, porque têm pisos e paredes revestidos com o granito cearense.