Novo arcabouço fiscal, a bala de prata de Haddad contra a desconfiança

Se der errado o que propõe o ministro da Fazenda, certamente Fernando Haddad, que parece ser o candidato de Lula à sua sucessão em 2026, terá de procurar emprego noutra freguesia

Para quem imaginava que a inflação daria sinais de queda em fevereiro passado, o IPCA de 0,84%, divulgado ontem, pode ser entendido como um balde água fria sobre as expectativas em torno da próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), marcada para o fim deste mês. 

Dez entre 10 economistas apostam que taxa básica de juros da economia brasileira – a Selic – estabelecida em 13,75% desde agosto de 2022, será mantida. 

Essa política restritiva da autoridade monetária tem um alicerce, um pilar de sustentação, que é a incerteza que persiste no mercado e nos agentes econômicas quanto à política fiscal do governo, que, até agora, dois meses e meio após sua posse, não exibiu ainda um plano de ação, um roteiro de como manterá a relação dívida-PIB. 

Em linguagem de arquibancada: o avião da economia brasileira faz, por enquanto, um voo cego.

Faz uma aposta equivocada quem imagina que, neste primeiro semestre, irá o Copom do Banco Central iniciar um ciclo de cortes na taxa de juros. 

Mesmo que, na próxima semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad – depois de consultar seus colegas da área econômica e o seu chefe, o presidente Lula -- anuncie o que ele tem chamado de novo arcabouço fiscal, que substituirá o teto de gastos, a autoridade monetária aguardará sua aprovação pelo Parlamento e, também, a reação do mercado – e da inflação -- para definir-se a respeito do que fazer. 

O Banco Central está pressionado pelo governo a, tão logo esse novo arcabouço fiscal for anunciado e aprovado pelo Congresso Nacional, adotar medidas que conduzam à redução da taxa de juros Selic, que é de 13,75% para as transações entre os bancos, vai a 22% ao ano para o crédito consignado, chega até 30% ao ano para empresas e a mais de 10% ao mês para pessoas físicas. 

Sem citar os juros do cartão de crédito, que são obscenos, podendo chegar a quase 400% ao ano.

Até agora, os juros altos não conseguiram derrubar a inflação. Em áreas como transporte, saúde, habitação e cuidados pessoais ela resiste, e a prova foi o 0,84% do IPCA do último mês de fevereiro que frustrou os técnicos do Banco Central e acelerou o ministério da Fazenda no sentido de aprontar o quanto antes a proposta do arcabouço fiscal, a qual, segundo a ministra do Planejamento, Simone Tebet, vai agradar a todos, inclusive o mercado.

Trata-se de uma carta que o ministro Haddad tirará de sua manga para, como num jogo de pôquer, fazer um Royal Straight Flush e derrotar seus adversários da chamada ala política do governo, de que são estrelas a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante. Esta dupla torce contra Haddad, que ganhou a simpatia do mercado.

O novo arcabouço fiscal é a carta na manga, é a bala de prata com que conta Fernando Haddad para dissolver a desconfiança dos agentes econômicos na política fiscal do governo, cujo DNA é de gastança e não de poupança.

Se der errado a proposta de substituir o teto de gastos – odiado por 100% do governo – por um novo modelo fiscal, o ministro Haddad, que parece ser o candidato preferido de Lula à sua sucessão em 2026, terá de procurar emprego noutra freguesia.

Haddad, todavia, tem um aliado: o próprio mercado, que vê nele a única alternativa petista capaz de evitar que a economia brasileira seja assumida pelo mesmo populismo que levou a vizinha Argentina à breca. 

Há diferenças: ao contrário dos “hermanos” argentinos, a elite empresarial brasileira é mais competente, tem grande influência sobre os agentes políticos (leia-se Congresso Nacional) e sobre a mídia, e exerce essa influência, manejando com destreza e na hora certa os corcéis da carruagem da economia nacional, o que pode ser confirmado pela história recente e remota do país.

Neste mês de março, a inflação seguirá sendo pressionada pela reoneração tributária incidente sobre os combustíveis, com exceção do óleo diesel, que estará desonerado até 31 de dezembro deste ano. 

Isto quer dizer que o IPCA deste mês, a ser divulgado na primeira dezena de abril, poderá vir outra vez acima de 0,80%, contribuindo para a manutenção da política contracionista do Banco Central e ampliando a crítica do presidente Lula à independência da instituição e à política de metas de inflação. 

Resumindo: a política e a economia prometem, neste semestre, muito mais emoções.