Hidrogênio Verde no Brasil: o Céu é o limite!

Diretora Executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde, Fernanda Delgado, concedeu entrevista exclusiva a esta coluna. E disse que projetos do H2V seguem o compasso de uma indústria nascente

Em entrevista exclusiva a esta coluna, Fernanda Delgado, diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIV), disse nesta quinta-feira, 22, que os projetos de produção do H2V não estão atrasados, mas estão de acordo “com o compasso natural de uma indústria que está nascendo”. Sobre qual o tamanho dos investimentos que serão feitos nessa indústria nascente, ela resumiu na frase: “O céu é o limite!”

Presente em Fortaleza para participar hoje da V Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que se realiza desde as 8h30 na Fiec (ela falará às 15h30 no painel que debaterá o tema “Desafios e Tendências para o Hisdrogênio), Fernanda Delgado começou com uma explicação didática:

“Todo o desenvolvimento de uma nova cadeia produtiva tem um passo de estudos, de análise de engenharia, de disponibilidade de capital, há a necessidade dos licenciamentos ambientais, há de buscar disponibilidade de áreas e, para além disso, há no Brasil a discussão do marco regulatório barra disponibilidade de incentivos por parte do governo. É uma indústria nascente, cuja conta não fecha porque o hidrogênio produzido tem uma competição com players internacionais – EUA, China, barreiras tarifárias impostas pela União Europeia. Então, apesar de todas as vantagens comparativas que favorecem o Brasil, nós precisamos de uma proteção inicial, um empurrãozinho para essa indústria nascente”.

O que ela diz não surpreende. A indústria brasileira sempre contou com incentivos fiscais, como é o caso da Zona Franca de Manaus, que há 50 anos opera sustentada por um cardápio de benefícios tributários. 

“Estamos diante de um momento ímpar na nossa história, em que o Hidrogênio Verde pode trazer uma imensa transformação nas cadeias produtivas, na geração de empregos e o incremento de toda a economia nacional e mundial. Por isso, debater o tema é fundamental para mobilizar os que compõem o cenário das energias renováveis no país", acrescentou a diretora executiva da ABIHV.

Fernanda Delgado voltou ao tema inicial, reiterando que não há atraso na implantação dos projetos industriais de produção do H2V:

“Pelo contrário, acho que há até um açodamento grande: o marco legal foi aprovado no (fim) do ano passado de uma forma bastante rápida. As discussões têm chegado a um consenso de uma forma rápida. O governo tem ouvido a sociedade, a academia, os stakeholders, e há uma boa vontade e um interesse grande do legislador e dos investidores. O tempo é o da maturação e do entendimento do mercado” – disse ela.

Sobre se há um lobby das empresas geradoras de energia eólica onshore para atrasar a instalação dos projetos offshore, Fernanda Delgado preferiu não fazer comentários, tendo em vista que, na sua opinião, se trata de um assunto que não diz respeito à ABIHV.

“Somos uma entidade da indústria, cujas empresas usarão a energia eólica nos nossos projetos de hidrogênio verde, independentemente da origem dessa energia – se onshgore ou offshore. Nós precisaremos de energia eólica, energia solar e energia hidráulica para os nossos projetos, então não me cabe comentar sobre o assunto. O que importa dizer é que existe um espaço grande para o desenvolvimento, para o crescimento do setor energético brasileiro, e quanto mais renovável, melhor”, acrescentou.

No final, ela foi incisiva:

“É importante saber que outros países do mundo também têm incrementado as suas matrizes renováveis. Hoje, a energia renovável, seja eólica ou solar, já é vista como fonte confiável. Há um crescimento interessante das tecnologias de baterias, e isto é visto de uma forma benfazeja para fugir da volatilidade do fóssil. Hoje há uma inversão do racional: a instabilidade geopolítica do fóssil, a importação do energético fóssil fez com que muitos países migrassem e investissem, sobremaneira, nos energéticos renováveis, e o Brasil o faz, também, de maneira protagonista. Para a indústria do hidrogênio verde, a energia eólica é fundamental, independentemente se ele é gerada dentro do mar ou em terra firme”.

A coluna levantou a questão da ainda forte presença das energias de origem fóssil. E citou a Petrobras, que está investindo na pesquisa exploratória de óleo na Faixa Equatorial, que se estende desde Roraima até o Rio Grande do Norte, o que aponta para a constatação de que o petróleo ainda continuará por muitos anos a ser importante fonte energética. Fernanda Delgado respondeu:

“Vou me valer dos meus 25 anos de indústria de óleo e gás para dizer que são investimentos complementares, do meu ponto de vista. O Brasil é um player importante no setor de óleo e gás e vai continuar sendo. Temos de olhar sob uma perspectiva mundial: 75% da energia primária do mundo ainda são oriundos do petróleo. Ainda se queima muito petróleo, ainda se queima muito carvão no mundo inteiro, e o futuro ainda vai pertencer a esses energéticos. O renovável entrará para a descarbonização de processos produtivos. Temos de entender o lugar de cada energético no mundo, no futuro. 

“O Brasil tem uma posição muito importante no mundo como produtor de petróleo, e não podemos nem podemos fugir disso, ainda que haja a importância dos investimentos em hidrogênio verde para a descarbonização de processos produtivos. E a diferença fica aí: o H2V entra para trazer o conteúdo de carbono desse petróleo para baixo; o H2V entra para trazer o conteúdo de carbono do nosso aço para baixo; entra para trazer o conteúdo de carbono dos nossos fertilizantes para baixo. O hidrogênio verde entra para complementar e para fazer com que o Brasil entre nessa Nova Ordem mundial descarbonizada, nessa nova Ordem Mundial Verde em que os produtos com alto teor de carbono serão sobretaxados.

“Então, precisamos manter os empregos de Minas Gerais que estão muito baseados na indústria siderúrgica. É essa indústria siderúrgica que será sobretaxa pelo alto conteúda de carbono que precisa ser protegida, trazendo seu conteúdo de carbono para baixo. Este é o poder do hidrogênio verde.

“Voltando à questão da Petrobrás, não fazemos comentários sobre a decisão comercial da Petrobrás ou de qualquer empresa, ainda mais de uma empresa não associada à ABIHV, mas eu entendo que o hidrogênio verde é um complemento à indústria fóssil, uma vez que todo o processo de refino uso hidrogênio. Hoje, usa hidrogênio cinza, e por que não usar hidrogênio verde para trazer ainda mais para baixo o conteúdo de carbono por barril (de petróleo) produzido e manter o petróleo brasileiro no mercado internacional”.

A última pergunta que a coluna fez à diretora executiva da ABIHV foi a seguinte:

Quanto a senhora estima que serão investidos em projetos industriais de produção do hidrogênio verde no Brasil nos próximos anos?

Sua resposta foi transmitida nos seguintes termos:

“Acho que o tamanho dos investimentos será o tamanho do apetite do mercado dr hidrogênio. É um mercado que se abre, que se descortina. Quando se começou a discutir uma indústria de hidrogênio verde no Brasil, era uma indústria moldada a atender a descarbonização da Alemanha. Discutíamos lá como o Brasil produziria o H2V para atender o H2 global, que era a indústria alemã. Com o passar das discussões – um ano, dois anos – entendeu-se que há uma demanda nacional, pois existem produtos nacionais que precisam também de ser descarbonizados para que mantenhamos os empregos, criar novos empregos, adensar toda a cadeia produtiva. Há um esforço claro no sentido de conduzir a indústria nacional do hidrogênio verde em direção ao mercado interno. Então, o céu é o limite! – uma vez que não sabemos exatamente a quantidade e o que nós teremos. O hidrogênio verde pode ser a renovação da indústria química nacional, que foi muito depauperada ao longo dos anos. 

“Então, essa neoindustrialização que o Brasil precisa fazer, ela pode e deve ser desenvolvida a partir do hidrogênio verde. Assim, não dá para mensurar o volume de investimentos. Só os associados da ABIHV têm um impacto de investimentos diretos e indiretos de R$ 7 trilhões até 2050. É, pois, um aporte muito grande, antes mesmo dos incentivos que são necessários nos descontos, ou de energia elétrica ou no desconto por quilo de hidrogênio para alavancar a indústria. Nossa capacidade é de 4% da indústria mundial. Tomara que cheguemos lá.!”