Por que tanto dói te ver partir, Marília?

Um país que, feito espelho, vê-se amiudar-se frente ao quanto a vida pode ser breve, inesperada. Inacreditável. Dolorida.

 Eu estava imersa num engarrafamento quando soube do acidente de Marília Mendonça. Primeiro, alívio. “Está tudo bem com todos”, eram as primeiras informações. Minutos depois, o estômago revira-se, o coração meio que salta, e o semáforo vermelho, turvo, postou-se feito tela de cinema a confundir a vida real dentro de mim. 
 
Meu sentimentos precisavam verbalizar-se, ali mesmo, ainda que apenas para mim, sozinha dentro do carro. Então, eu comecei a conversar comigo. Com a mente embaralhada, eu procurava palavras para descrever o que sentia, imaginava, esperava. Não encontrava. Além de confusa, estava mais que chocada e mais que perplexa. Fiquei realmente consternada. Tanto que empreendi um diálogo em voz alta comigo mesma:
 
⁃ Meu Deus, como fazer para suportar o tamanho das dores de tantos que, de tão imensas e intensas, nos alcançam, arrancando-nos lágrimas? 
⁃ Respira fundo. Acalma-te corpo, coração e mente - também disse-me, porque foi preciso.
 
Não conheci a Marília Mendonça pessoalmente, nunca fui a um show, mas no seio de uma família que canta, dança e toca, como é a minha, a Marília, desde 2017, é nome forte e voz potente nas playlists do karaokê e das rodas de violão. Dentro do carro e também na solidão dos nossos dias em que os nós da garganta precisam desfazer-se a qualquer custo. 
 
 
Embora nunca a tenha conhecido, Marília sempre esteve no meio de nós. E é por isso, talvez, que tanto dói vê-la partir, assim, tão cedo, tão forte. Levando a voz que nos arrebatou, nos calou, nos fez transbordar quando tantas vezes não conseguimos verbalizar nossas emoções, revoltas, sentimentos. Sensações… Cheguei a deparar-me com palavras de Marília ao longo da noite para traduzir o quanto estava perplexa com a sua partida. 
 
A tantos quantos amaram ou sofreram intensa e profundamente, nesses últimos anos, seja em relacionamentos amorosos, familiares; desequilíbrios profissionais, na saúde; inconstâncias sociais e tantas outras latências da vida, a Marília conseguiu chegar de alguma forma, entoando uma voz de poder, que nos afundou e nos resgatou em instantes infinitos e libertadores. 
 
 
É também por isso que dói em tantos. Parte uma mulher, uma cantora, uma filha, uma mãe. Parente e amiga. Partem-se corações numa medida imensurável. Uma família inteira que vê e sente nascer um buraco em seu seio. Um país que, feito espelho, vê-se amiudar-se frente ao quanto a vida pode ser breve, inesperada. Inacreditável. Dolorida. 
 
Sim, continuo a dizer: é por isso que dói. Porque quando pensamos em Marília, listamos a imensidão sem tamanho que nos acompanha ao longo da vida, em forma de gente, amor, dor, exaustão, desesperança, alívio e libertação.
 
Dói porque revira em nós não apenas quem somos, mas quem fomos, quem esteve entre nós e tudo que ainda seremos. Muito queremos. 
 
Não fosse a música e a intensidade das nossas vozes uníssonas a entoar o que dói e o que alivia, não conseguiríamos seguir os próximos passos, inclusive aqueles os quais sabemos que precisamos superar.... Porque a música que cantamos perdura impregnada na memória de nossa pele, pulsando palavras e sentimentos em tudo que somos. E é por isso que dói, porque muitas das sensações cantadas por Marília persistem em voz, em vida, em canção. Permanecem porque são nossas marcas.
 
Marília está entre nós...