Cresci em silêncio. Diálogos comigo mesma. Rotina autônoma. Pouca fala, pensamento acelerado. "Ansiedade guardada", sei. Logo cedo na vida, descobri a dualidade calmaria-pressa dentro de mim, mas foi nos momentos de vagareza que consegui encontrar-me com meus infinitos.
Meu tempo de passado lento...
Dia desses, peguei-me observando uma jovem senhora que corria apressada entre um e outro afazer. Ela: paradoxo dos pés à cabeça. Passo lento, fala mansa e uma ansiedade imensa em terminar tanta ocupação. Pressa e calmaria o tempo todo se fazendo presente.
Logo, lembrei-me do Whatsapp….
Reduto de conversas já instantâneas; espaço de zero esperas; encurtador de distâncias também, claro… o App veio com uma novidade que nos surpreende, nos atormenta. E nos faz rir, e muito — confesso. E como é bom gargalhar, ainda mais em tempos tão duros.
Apesar das maravilhas da ferramenta, nos últimos dias, passei a divagar sobre como o App aguçou a nossa constante necessidade de acelerar a vida. Emergência. E também fez-me pensar: tantas vezes somos impactados por reflexões que nascem justamente nos idos de tempos tão corridos. Então, a gente para. Às vezes, somos parados pela arbitrariedade do tempo.
Experimentamos uma espécie de resignação diante da pressa que tanto temos vivido, e nos acostumado, sem muitas vezes nem ter oportunidade de devanear. Não há tempo. Lembro-me da rotina da sociedade do desempenho, de Byung-Chul Han. Cansada! E afago-me na conquista do passo lento, de versos mansos, como os de Almir Sater. Quem mais anda devagar se há tanta pressa em nós?
A correria do WhatsApp imobilizou-me. Fez-me estancar o tempo e relembrar desde quando calma e pressa concorrem dentro de mim. E volto aos tempos em que, sem relógio em casa, fincava-me na varanda esperando passar alguém na calçada para dizer-me a hora. Se o meio-dia estivesse próximo, era momento de invadir a paisagem da minha janela e tirar do varal o uniforme, e seguir pra aula.
Meu tempo era lento mesmo. Fitas K-7, picotes de revistas, livretos de romances e histórias de passado — comprados em bancas com as deliciosas sobras do dinheiro da passagem —, amontoavam-se na caixa de sapatos adornada com papel de presente velho. Memórias dentro e fora da caixa. Vez ou outra, esqueço o relógio, seu timer e a espera do mundo, para ver que, na minha caixa, continua tudo guardado, e vivo: abrigo, ansiedade e calmaria. Que sorte!